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Crítica | Os Rejeitados (2023)

Novos caminhos.

por Luiz Santiago
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Não há armadilhas em Os Rejeitados. Por mais que saibamos como o cinema de Alexander Payne e esse tipo de filme escrito por David Hemingson tendem a trilhar caminhos mais rasos — exageradamente banais, quero dizer — quando se fala em explorar personagens ao largo de uma história humana, tocante e realista, chegamos neste longa de 2023 com um tratamento que é, em praticamente tudo, elegante e interessante, começando de forma bastante trivial, bem similar à problemática estereotipação, mas rapidamente se afastando dessa base desgastada para pousar em um terreno maduro, não apenas transformando os protagonistas, mas criando, na tela, um processo extremamente coeso sobre como tudo isso aconteceu.

Seguindo-se ao mediano Pequena Grande Vida (2017), The Holdovers  mostra um Alexander Payne interessado em fazer com que a história seja sentida e compreendida pelo público, uma dualidade que só é conseguida com sucesso porque a direção usa a câmera para mostrar, através de diferentes estratégias visuais, como os personagens centrais mudam de verdadeiros antagonistas para cúmplices de uma situação que gera uma segunda chance para ambos; mas não da maneira como se poderia imaginar. Paul Giamatti cria um professor inconveniente, estranho, odiável e até repulsivo, mas sem fazer disso uma caricatura plena. Notem que ainda no início do filme ele está nesse território — de forma estratégica, claro –, todavia, neste mesmo bloco, alguns acontecimentos empurram o personagem para um caminho inesperado que, ao fim de um certo período, fará com que veja as pessoas, o mundo e a si mesmo de outra forma.

Muitíssimo bem acompanhado de Dominic Sessa, que interpreta o jovem Angus, Paul Giamatti dá o tom de seriedade, birra e amargura da película (de certa forma, um tom completado pela personagem de Da’Vine Joy Randolph, mas numa perspectiva completamente diferente de existência), status de comportamento e emoções que se altera porque os indivíduos por trás dessas máscaras são descortinados através de símbolos cênicos (como as refeições em conjunto, as festas de final de ano, o braço quebrado, a citação/contexto/visualização de arte antiga, o globo de neve com o Papai Noel) que nos levam a estágios imensamente diferentes do drama. E em cada novo estágio, uma peça importante do quebra-cabeça da alma de Paul e Angus é colocado no devido lugar, a ponto de, no ato final, termos dois seres humanos expressos em suas falhas, erros, uma vida inteira de traumas, sentimentos interiorizados e sofrimento progressivo. Diferente de Mary Lamb, que exterioriza suas dores e claramente se encaminha para um processo de cura, os dois homens (em diferentes idades) sustentam o tormento e transmutam-no em mau comportamento, cada um a seu modo.

Apesar de o Natal ser uma parte importante na construção alegórica do enredo, as canções com corais natalinos ultrapassam um o limite de uso a ponto de atrapalhar parte da atmosfera de algumas cenas, principalmente no terço final da fita. Vejam que quando há uma mudança na escolha das canções (como na festa noturna ou no passeio até Boston, por exemplo) a obra ganha um tom que abraça melhor as metamorfoses apontadas pelo próprio roteiro. Payne consegue fazer um pequeno milagre em não descaracterizar, de fato, o trabalho de aprofundamento dos personagens, mudando “apenas” o tom de algumas cenas e/ou transições que funcionariam muito melhor sem corais natalinos — e vale aqui citar que a edição de Kevin Tent (parceiro do diretor desde Ruth em Questão, de 1996) é muitíssimo acertada no encadeamento, tipo de transição escolhida e principalmente na mudança de sentimento geral da narrativa, mesmo quando há alteração de espaço ou tempo. Nas mãos de um editor menos competente, essa passagem dos dias ou das fases de adequação poderiam parecer uma sucessão de curtas-metragens pouco instigantes sobre essas pessoas.

Quando eu disse que não há armadilhas em Os Rejeitados, é porque o diretor não usa a temática como um manipulador barato de emoções do público, com belas cenas bem fotografadas na neve e afagos inesperados vindos de um lugar onde nunca houve sequer a possibilidade de carinho, respeito ou mesmo consideração. Os corações feridos, aqui, conseguem sair do lamaçal, mas não há doçuras exageradas à vista. Há um sacrifício e um “insatisfatório” vida que segue, como acontece na vida. E digo “insatisfatório” porque, apesar de o clímax ser pago com uma entrega marcante de eventos, há uma “deixa“, uma “falta” que abre espaço para incertezas, fazendo com que toda a jornada ganhe tons agridoces. E aí é que está a maturidade e a honestidade do projeto. Na vida, mesmo após um grande choque, um sacrifício, um aprendizado, nunca há a certeza do que uma escolha pode gerar. Até porque, nunca paramos de fazer escolhas. E mesmo diante dessa amargura escondida, o texto insere tons de esperança com o “até logo” e o diretor mostra na tela que o certo a ser feito, no momento, está concretizado: cada um segue o seu caminho com um novo olhar para o mundo e com novos sentimentos no peito. O que vem a partir daí é apenas a vida um degrau acima de qualquer nova experiência e conquista…

Os Rejeitados (The Holdovers) — EUA, 2023
Direção: Alexander Payne
Roteiro: David Hemingson
Elenco: Paul Giamatti, Dominic Sessa, Da’Vine Joy Randolph, Carrie Preston, Brady Hepner, Ian Dolley, Jim Kaplan, Michael Provost, Andrew Garman, Naheem Garcia, Stephen Thorne, Gillian Vigman, Tate Donovan, Darby Lee-Stack, Bill Mootos, Dustin Tucker, Juanita Pearl, Alexander Cook, Liz Bishop, Cole Tristan Murphy, Will Sussbauer, Carter Shimp
Duração: 133 min.

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