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Crítica | Pânico na Floresta: A Fundação

por Leonardo Campos
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A retomada de franquias desgastadas ou que já disseram muito bem tudo que tinham para falar é ainda um tema muito polêmico. Refazer? Começar de onde? Como reciclar? São muitos os questionamentos, mas uma coisa é certa: se o tema é a franquia Pânico na Floresta, convenhamos, os seus realizadores já tinham ultrapassado todos os limites possíveis e exaurido qualquer possibilidade de continuarmos a acompanhar o trio de irmãos degenerados a caçar humanos pelas florestas densas de determinada região dos Estados Unidos. O primeiro filme, lançado em 2003, trouxe um elenco jovem, envolvido numa trama com ritmo acima da média, num slasher melhor que o esperado. É uma produção com potencial e atende perfeitamente as demandas do entretenimento, além de ter alguma dose de crítica social, mesmo que um pouco superficial, comparado ao desenvolvimento desta versão 2021, também roteirizada por Alan B. McElroy, o responsável pelo primeiro texto da franquia. Agora, enfrentamos uma ameaça igualmente aterrorizante, mas desta vez, para a decepção daqueles que buscam apenas cenas de morte e situações nauseantes, o horror é de ordem intelectual, num discurso politizado que dialoga com a atual demanda das narrativas que entregam diletantismo com algumas doses inesperadas de reflexão. Isso não impede, cabe ressaltar, a presença da violência física que é parte intrínseca de qualquer narrativa vinculada ao profícuo subgênero slasher.

Mais longo e complexo que qualquer um de seus antecessores, Pânico na Floresta: A Fundação, é uma narrativa de 109 minutos, dirigida pelo experiente e competente Mike P. Nelson, orquestrador do texto de McElroy. Ao assumir o reinício da franquia, a equipe de realizadores apostou num esquema ousado, totalmente inesperado, cheio de reviravoltas e situações que nos deixam sempre em estado de tensão constante. Na trama, um grupo de amigos segue em viagem para Harpers Ferry, região localizada na Virgínia, estado que possui uma relação bastante peculiar com antepassados mais envolvidos politicamente no processo da Guerra Civil Americana. Eles pretendem caminhar por uma trilha nos Apalaches, região que os demais moradores e comerciantes das proximidades delineiam os perigos constantemente. É um espaço que as pessoas geralmente não retornam. Há algo de muito misterioso por ali e os personagens desta jornada de horror e morte descobrirão isso das piores maneiras possíveis.

Logo após a primeira noite hospedados na região, o grupo percebe que por lá, as coisas funcionam de maneira muito estranha. São olhares misteriosos, presenças sombrias, pessoas pacatas transmissoras de uma alta carga de desconfiança, dentre outras “estranhezas”. Será logo em seus primeiros momentos na floresta que o medo e o pavor tomarão conta da situação. Eles atravessam por árvores frondosas e outras formas de vegetação fechada, quando de repente, são acuados por uma das tantas armadilhas assustadoras. O primeiro caso é um tronco enorme, acionado por um deles sem sequer perceber. É quando a primeira morte se estabelece e os jovens percebem que ali não há espaço para sentimentos piedosos. O horror vem numa simbiose física e psicológica em níveis altíssimos e para conseguir sair vivo, será preciso ser bastante estrategista, pois lá, eles encontram A Fundação, um grupo de pessoas que descendem de antepassados que vivem nas montanhas desde a época da Guerra Civil.

Essa “comunidade imaginada”, no sentido mais próximo possível da teoria de Benedict Anderson, possui as suas próprias leis, bem como ações de autossuficiência que os impedem de se misturar com a “América” vil que os seus antepassados previram. Assim, Pânico na Floresta: A Fundação estabelece uma ótima reflexão sobre choques culturais, sentimentos de pertença, relativismo na conceituação de comportamentos que soam divergentes para indivíduos que vivem culturas distintas, dentre tantos outros temas de um filme que já ousa também por diversificar o seu elenco. Como dizem por aí, “o mundo mudou, mudemos também”, afirmação que nos leva ao casal gay, ao candidato a protagonismo negro, dentre outras coisas não cogitadas no slasher de antigamente. Aqui, no entanto, os membros da tal Fundação parecem interessados em dizimar os invasores de seu espaço geográfico, indivíduos que conforme o discurso democrático da atual fase política dos estadunidenses, estão garantidos no futuro da nação. Cabe, então, aos antagonistas da produção, eliminá-los, tal como sempre rezou a cartilha slasher. Há, no entanto, alguns elementos diferenciais que precisam ser discutidos. Farei assim que terminar de apresentar os personagens no tópico seguinte.

Compõem o grupo: Jen (Charlotte Veja), a candidata a final girl, namorada de Darius (Adain Bradley), rapaz negro que desenvolve suas funções profissionais numa ONG e sonha, mesmo consciente de sua utopia, com uma sociedade igualitária. Adam (Dylan McTee) é o esquentado do grupo, jovem que pensa pouco antes de agir e será um dos grandes catalisadores das desgraças vividas por aqueles que conseguem sobreviver dos ataques preambulares. Temos ainda o casal Morgan (Damian Maffei) e Luis (Adrian Favela), oriental e latino, respectivamente; além de Milla (Emma Dumont), uma estudante de medicina dedicada aos estudos oncológicos. Na floresta, eles encontrarão a Fundação, um grupo assustador que usa crânios de animais como máscara e musgo para camuflagem, sociedade presente na região desde 1859 e nada simpática ao posicionamento daqueles que chegam de fora, com toda a sua arrogância. Governados por John (Bill Sage), os membros são engenhosos na criação de suas armadilhas e nada piedosos com aqueles que resolvem mexer com a intocabilidade de sua cultura. A bomba de espinhos e o alçapão de pontas são dois destaques aterradores do potencial violento desta “galera”.

Agora, olhando por outro lado, vamos refletir um pouco sobre os conceitos de violência e barbaridade. Antes de continuar, a última digressão. Pânico na Floresta: A Fundação, começa com Scott (Matthew Mondine) numa busca desenfreada por sua filha, a protagonista Jen. A narrativa dá algumas guinadas, vai e volta na história, mas não atrapalha na montagem das duas linhas temporais que se unificam logo após a metade. Falemos, no entanto, do conceito de barbaridade, como prometido anteriormente. Que os jovens estão sendo caçados ao entrar no território, isso sabemos desde o preâmbulo do filme. Há, no entanto, uma situação que abre espaço para algumas discussões conceituais sobre cultura. Em determinado trecho, Adam, o personagem “esquentado”, desfere golpes e aniquila a vida de um dos membros da Fundação. Quando aprisionados e levados para um julgamento tenebroso, eles tentam justificar, mas um integrante do grupo local informa que encontrou um deles desmaiados e estavam apenas levando para uma região onde alguém pudesse resgatá-lo. Será? Em seu acesso de fúria, Adam atacou antes mesmo de confirmar se a sua namorada desaparecida, perdida apenas por ter ido urinar na floresta, estivesse morta. Os integrantes afirmam que estão em seu espaço e estavam apenas caçando animais para se alimentar. Deste ponto, as coisas vão ficando ainda mais complexas e nada, de fato, nada neste filme, é exatamente o que esperamos que seja, principalmente por vir de uma produção da franquia Pânico na Floresta. O grupo reage com violência, mas as coisas teriam caminhado da maneira que contemplamos se a razão tivesse mais espaço que a emoção durante algumas escolhas? Se eles são bárbaros, Adam também não pode ser considerado o mesmo? São vários questionamentos intrigantes, parte integrante de um mecanismo maior, engendrado pelos já mencionados choques culturais.

Para fazer a narrativa funcionar, os realizadores se dedicaram bastante na concepção dos elementos estéticos. Na direção de fotografia, Nick Junkersfeld entrega um uso bastante eficiente do ponto de vista, tanto nos momentos mais brandos quanto nas passagens frenéticas. A forma como a floresta é iluminada, bem como a presença de ameaças que podem ou não ser reais, ganham valor com a movimentação da câmera que se distancia em alguns momentos, para nos permitir observar o horror de longe, como voyeurs deste espetáculo de pavor e morte. Roshelle Berliner, no design de produção, colabora bastante com a construção dos espaços que amplificam a sensação de estranheza proporcionada pelo argumento fílmico. Ademais, além dos figurinos de Gina Ruiz, em especial, os trajes macabros dos membros deste clã que assusta que os observa do lado de cá, num espaço que chamamos de civilização, temos o excepcional trabalho de som desenvolvido pelo design e pela trilha, bastante atmosféricos, assinados por Jason Dotts e Stephen Lukach, respectivamente. A maquiagem, como não poderia deixar de ser num filme da franquia, é um dos destaques para inquietação visual. Supervisionada por Ryan Schadelee, ela é também eficiente em sua demonstração da dor por meio da violência física que acomete os personagens de ambos os grupos. Não é, no entanto, o foco exclusivo do filme, como seria se caso os realizadores estivessem voltados ao processo de repetição das mesmas fórmulas adotadas em Pânico na Floresta 2, 3, 4 e os demais.

Por sua linguagem pesada, violência extrema e imagens consideradas perturbadores, os órgãos oficiais de censura dos Estados Unidos deram uma classificação alta para o filme, direcionado para o público adulto. Depois de Halloween, em 2018, o subgênero atravessa uma fase mais conceitual, busca por estilo que provavelmente acontecerá com o próximo Pânico, sendo o caso de Ghostface, uma franquia que sempre foi mais rigorosa na estética e no desenvolvimento dramático, muito além de qualquer capítulo do irregular rumo de Pânico na Floresta. Quase duas décadas após o surgimento do primeiro filme de seu universo, finalmente conseguimos encontrar algo interessante para consumir não apenas enquanto entretenimento. A sétima incursão da franquia, em sua reinicialização, também é uma ótima reflexão sobre algo que parece assustador e exclusivo do território ficcional, mas que na verdade está bastante próximo do real, basta observarmos o discurso de ódio crescente com o avanço de um ideal equivocado de “direita” nos últimos anos, bem como as reportagens que o jornalismo da imprensa marrom noticia diariamente. É uma realidade tão assustadora quanto as possibilidades traumatizantes contempladas neste filme que decepcionou os interessados na banalidade e provavelmente não será tão popular quanto os exemplares anteriores desta saga sangrenta.

Pânico na Floresta: A Fundação (Wrong Turn) — EUA, 2021
Direção: Mike P. Nelson
Roteiro: Alan B. McElroy
Elenco: Matthew Modine, Emma Dumont, Charlotte Vega, Daisy Head, Bill Sage, Valerie Jane Parker, Adain Bradley, Tim DeZarn
Duração: 109 min.

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