Nos anos 2000 e ao longo de boa parte da década de 2010, o subgênero zumbi passou por um renascimento. Originalmente definido nos anos 1960 por George Romero com A Noite dos Mortos-Vivos, o gênero ganhou novo fôlego com filmes como Extermínio e Madrugada dos Mortos, que contribuíram para sua revitalização. Dentro desse renascimento, destaca-se o britânico Todo Mundo Quase Morto, de Edgar Wright, um filme que colocava a comédia á frente do terror, sendo uma sátira ao gênero, que ainda era incrivelmente fiel e reverente às suas convenções, tornando-se incrivelmente influente, e inspirando projetos como Zumbilândia e Meu Namorado é Um Zumbi, comédias onde protagonistas geralmente desajeitados socialmente em algum nível, só eram capazes de lidar com suas inadequações diante de um apocalipse zumbi. Pequenos Monstros, produção australiana de 2019 comandada por Abe Forsythe segue de perto a cartilha estabelecida por Wright em 2004, mas articulando-a de forma certeira com o universo infantil.
Na trama, Dave (Alexander England) é um músico falido e irresponsável que, após se separar da namorada, vai morar com a irmã Tess (Kat Stewart) e o sobrinho de cinco anos Felix (Diesel La Torraca). Ao levar Felix para o jardim de infância, Dave se encanta com a professora do sobrinho, a Srta. Caroline (Lupita Nyong’o), e se oferece para acompanhar a turma em uma saída de campo em uma fazenda, onde também estará presente o popular apresentador infantil Teddy McGiggle (Josh Gad). Mas quando um vírus em uma base militar é liberado, dando início a uma epidemia zumbi, Dave e a Srta. Caroline devem lutar não só pela segurança das crianças, mas também pela inocência delas.
Escrito e dirigido por Abe Forsythe para o Hulu, Pequenos Monstro é uma comédia de zumbis hilariante, e por que não dizer, fofa, pela forma como abraça o universo infantil e suas peculiaridades, mas mantendo as características do subgênero zumbi onde está inserido, entregando até bons momentos de tensão, ainda que a leveza seja a palavra de ordem. O roteiro de Forsythe é inteligente na forma como posiciona o horror da situação como pano de fundo, e dentro de uma chave irônica, para construir o seu universo. O texto não ignora o cinismo inerente às histórias de zumbis, e até reconhece certo cansaço do gênero, vide a reação burocrática dos militares diante da situação, e o seu alívio por estarem lidando com zumbis lentos ao invés dos rápidos. Assim como no citado Cult de Edgar Wright, Pequenos Monstros apresenta um perdedor egoísta como protagonista, que, por meio de um ataque zumbi, ganha a chance de amadurecer e (por que não) conquistar a garota. Mas o filme de Forsythe se esforça para descartar ou ao menos amenizar o cinismo, apresentando tal jornada de forma mais otimista e sincera, colocando-se quase como uma fábula de amadurecimento para o personagem principal construída em torno de sua relação com as crianças, lembrando até a abordagem do clássico Um Tira No Jardim de Infância, outra obra que também se valia do universo infantil para trazer inocência para um subgênero cínico, naquele caso, as histórias policiais.
Grande parte do que faz Pequenos Monstros uma sessão tão prazerosa é o quão bem afinado é o seu elenco. Em um ano em que já havia chamado a atenção dentro do gênero com Nós, de Jordan Peele, Lupita Nyong’o mostra-se encantadora e com um excelente Timing cômico como a Srta. Caroline. Embora parta do arquétipo da Doce Professora, Lupita consegue dar humanidade para a sua personagem, ao retratar Caroline como uma educadora que faz de tudo para preservar os seus alunos do horror que se desencadeia à sua volta (e daí vem grande parte do humor do filme), nunca soando condescendente com as crianças, tratando-as talvez com mais respeito do que trata os adultos infantilizados que a acompanham. Os grandes olhos de Nyong’o parecem ter sido feitos para o gênero, e é muito bom e cômico como a Srta. Caroline, através do olhar, expressa o horror e a raiva que está sentindo, esforçando-se para convencer os alunos de que o sangrento ataque zumbi não passa de uma grande brincadeira.
Alexander England também é competente na construção do arco de seu personagem, que vai de um homem autocentrado e amargo para alguém mais esperançoso, fazendo essa transição soar natural para o público. Por fim, embora tenha momentos divertidos, Josh Gad, que acaba se tornando um dos antagonistas da obra, não consegue realmente se destacar com seu Teddy McGiggle, já que a persona do apresentador infantil que secretamente odeia crianças já foi feita muitas vezes e de forma muito melhor, mas também não prejudica. E claro, dando suporte ao trio principal, há o ótimo elenco infantil, que não são apenas muito simpáticos, mas também naturais, acompanhando muito bem o Timing das piadas propostas pelo roteiro, mantendo-se coerente com a lógica interna do roteiro.
Pequenos Monstros é uma boa comédia de terror, que tenta se desviar do cinismo muitas vezes associado ao gênero para contar uma história sobre amadurecimento, que passa justamente por reconhecer o valor da inocência e da esperança. Alexander England e Lupita Nyong’o como o casal protagonista, também estão muito bem em cena, especialmente Nyong’o, que mostra aqui um Timing cômico que ainda não havíamos visto em outros de seus projetos, seja quando contracena com England ou em suas interações com as crianças. Não acho que o longa-metragem de Abe Forsythe vai se tornar um clássico do subgênero zumbi ou algo do tipo, mas ainda é um filme bastante divertido, com personagens muito carismáticos, e termina deixando um quentinho no coração do público. Algo inusitado para se dizer de um filme sobre um ataque zumbi, mas que aqui é um grande elogio.
Pequenos Monstros (Little Monsters) – Austrália, 2019
Direção: Abe Forsythe
Roteiro: Abe Forsythe
Elenco: Lupita Nyong’o, Alexander England, Josh Gad, Diesel La Torraca, Nadia Townsend, Marshall Napier, Glenn Hazeldine, Ava Caryofyllis, Jack LaTorre, Gareth Davies
Duração: 93 Minutos