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Crítica | Psicose II

por Ritter Fan
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Em regra, continuações são desnecessárias, especialmente quando o filme original é auto-contido. Elas só existem para permitir que as produtoras se arrisquem menos com outros filmes originais, beneficiando-se durante o maior tempo possível do sucesso da primeira obra. Claro que há honrosas exceções – e aqui não falo das continuações que são melhores do que o original, mas sim daquelas necessárias, que sobrevivem sozinhas e expandem o conceito original sem invencionices – como O Poderoso Chefão II. Psicose, clássico hitchcockiano de 1960, talvez seja um daqueles filmes que nunca, em circunstância alguma, precisaria de uma continuação.

Mas a fita ganhou não uma, mas três continuações em sete anos, além de um remake estapafúrdio de Gus Van Sant. O Mestre do Suspense já deve ter se revirado muito em seu túmulo…

Feitos meus comentários inaugurais usuais sobre continuações e remakes, que normalmente me tiram do sério, resta apenas dizer que, por incrível que pareça, Psicose II não é assim tão ruim quanto parece. E prometo a vocês, leitores: havia visto esse filme há muitos anos e revi para elaborar a presente crítica já com uma enorme carga de preconceito e preparado para destruir a obra. Mas não teve jeito. O trabalho de Richard Franklin na direção, com base em roteiro de Tom Holland, é até divertido se pudermos ultrapassar a heresia que é sequer pensar em fazer uma sequência de Psicose.

E os acertos de Psicose II vêm, visivelmente, de uma sintonia perfeita entre um roteiro bem trabalhado e uma direção técnica, ambos com o objetivo equilibrado de homenagear o original, ampliar a mitologia e misturar suspense com um toque de humor negro, de maneira que o resultado final sirva para agradar tanto aos fãs de Hitchcock quanto, também, aos fãs dos chamados slasher movies tão queridos durante o final de década de 70 e toda a década seguinte. É como se Psicose II fosse uma despretensiosa brincadeira com o original, trazida para a realidade cinematográfica oitentista.

Primeiro, vamos à história. Apropriadamente passada 22 anos depois dos eventos do primeiro filme, a narrativa começa com Norman Bates (Anthony Perkins) sendo considerado são, depois de permanecer internado em um hospício por todo esse tempo. De nada adiantam os veementes protestos de Lila Loomis (Vera Miles, voltando ao seu papel e ainda bela) no tribunal e Bates volta ao seu motel, além de trabalhar em uma lanchonete local, que o recebe de braços abertos e onde conhece Mary (a charmosa Meg Tilly), jovem que, logo nessa primeira noite e sabendo do passado de Bates, aceita pernoitar em sua casa “mal-assombrada”. A partir daí, vemos um mistério se desenrolar: Bates está novamente ficando maluco ou será que tem alguém que está fazendo de tudo para enlouquecê-lo novamente?

A progressão da fita nos faz acompanhar Bates muito rapidamente por sua nova realidade (o ator está estranhamento bronzeado para alguém que passou 22 anos em quartos com paredes acolchoadas) e nos obriga a engolir situações forçadas como sua aceitação pelos locais, Mary dormindo em sua casa e ele lidando com o novo gerente do Bates Motel, que foi transformado em um motel da forma como nós brasileiros conhecemos. Quando, exatamente na metade da projeção, há o twist da trama que nos revela seu segredo (incomparavelmente menos chocante do que a cena do banheiro do original), qualquer espectador minimamente calejado já está preparado para ele e, mesmo quando o filme já começa a caminhar para seu encerramento, com, claro, mais uma nova surpresa, é muito fácil acertar exatamente o que vai acontecer. Nesse ponto, o roteiro não parece ser feliz.

O leitor mais atento, então, perguntará: “mas então porque o crítico elogiou o roteiro?” E a pergunta faz sentido, mas realmente não creio que a imprevisibilidade da trama, gerando verdadeiras surpresas, tenha sido o objetivo de Tom Holland ao escrever o filme. Como mencionei, há um sub-texto com traços de humor negro e paródia de slasher movie, com trechos imaginados para genuinamente divertir aqueles que conhecem o original. São os mesmos papeis vistos sob o enfoque mais básico de uma trama para agradar a todos: há o psiquiatra compreensivo, o gerente do hotel durão (que lembra o investigador Arbogast, do primeiro filme) e, claro, Lila Loomis cujo nome já automaticamente nos faz realizar que, então, afinal de contas, Lila Crane se casou com o namorado de sua falecida irmã, Sam Loomis.

E Richard Franklin, então, utiliza esse roteiro para também nos divertir com tomadas que são cópias exatas das de Hitchcock, como a câmera em plongée entre o topo da escada e o quarto de Norma e, claro, a recriação da cena do chuveiro e as diversas sequências de assassinatos que emulam e brincam com o original. É quase como uma espécie de “onde está Wally” para identificar em que momentos Franklin copia para homenagear o inesquecível trabalho de Hitchcock. No final das contas, essa é uma abordagem que eu consigo respeitar, simplesmente porque há o reconhecimento implícito de que o original é imbatível e, se não se pode fazer melhor (ou até mesmo próximo disso), então pelo menos que se faça algo para entreter o público e reverenciar o clássico.

Psicose II é completamente descartável, mas é um descartável benigno, que não irritará o espectador. Aliás, provavelmente até o divertirá. Assustar e surpreender é que não vai.

Psicose II (Psycho II, EUA – 1983)
Direção: Richard Franklin
Roteiro: Tom Holland (baseado em personagens de Robert Bloch)
Elenco: Anthony Perkins, Vera Miles, Meg Tilly, Robert Loggia, Dennis Franz, Hugh Gillin, Claudia Bryar, Robert Alan Browne, Ben Hartigan, Lee Garlington
Duração: 113 min.

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