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Crítica | Quem Bate à Minha Porta?

por Fernando Campos
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Martin Scorsese é um dos maiores diretores de todos os tempos, ponto final. Dono de uma filmografia com obras-primas como Táxi Driver, Touro Indomável e Os Bons Companheiros, Scorsese influenciou, e influenciará eternamente, diversas gerações de cineastas. Além disso, o diretor também foi um dos artistas mais brilhantes da Nova Hollywood, movimento que renovou o cinema norte-americano, trazendo uma visão mais autoral de seus realizadores. Mas, toda história tem um início e, quando surgiu em 1967, ninguém imaginava que aquele jovem de origem italiana entraria para a história do cinema. No entanto, se visto hoje em dia, é curioso constatar como alguns elementos que ele exploraria durante toda sua carreira já estavam presentes em seu filme de estréia.

O longa conta a história de J.R. (Harvey Keitel) é rapaz desempregado que passa seus dias saindo com seus amigos, em Nova York. Porém, quando ele reencontra uma amiga de faculdade em uma balsa, apaixona-se por ela e passa a questionar todos a sua volta e a própria vida.

Questões como masculinidade, religiosidade e a depravação do ser humano já estão presentes aqui, algo que também veríamos no decorrer da carreira de Scorsese. Portanto, o roteiro apresenta um protagonista de criação religiosa e repleto de amigos com honestidade questionável, tendo que lidar com as influências de sua educação e de suas amizades, que insistem em levá-lo para o mau caminho. Um exemplo disso está logo na primeira cena, quando vemos a mãe de J.R, interpretada por Catherine Scorsese (mãe do diretor), preparando pão e dividindo com seus filhos, em uma clara referência ao sacramento, algo necessário para a remissão de nossos pecados, segundo o cristianismo. Em seguida, vemos o protagonista mais velho envolvido em uma briga de rua, destacando como ele tornou-se uma pessoa problemática, apesar da criação religiosa, ou seja, de nada adiantou a educação que recebeu.

Mas é na abordagem sobre redenção que o roteiro encontra seu ponto alto, ressaltando como ela não é alcançada como as religiões pregam, algo que também seria visto em Caminhos Perigosos. Contudo, a visão de Scorsese em sua obra não é a de que as pessoas não tem chances de salvação em sua vida, mas sim que ela está nas oportunidades cotidianas que temos para melhorar, exemplificado pela relação do protagonista com sua namorada, um relacionamento que poderia justamente livrá-lo de sua rotina. Aliás, a garota é filmada de maneira quase celestial pelo diretor, com uma paleta bastante clara nas cenas envolvendo a garota e constantemente posicionando um foco de luz em sua cabeça.

Já o mundo que cerca os amigos de J.R. é o oposto, uma vez que a mulher é tratada como um objeto, algo destacado pela direção de arte através da decoração do bar repleta de posteres com mulheres nuas, e a diversão para consiste em embriagar-se, sem contar os pequenos delitos cometidos pelo grupo. Baseado nesses dois universos que cercam o protagonista, Scorsese cria aqui uma direção baseada em opostos, ou seja, se as cenas com a namorada de J.R. são claras, as sequências no bar são escuras e os ambientes repletos de cinza ou sombras, destacando quem é a boa e má influência na vida do rapaz.

Aliás, o roteiro de Scorsese é surpreendentemente atual, abordando abertamente o machismo. Há uma cena, por exemplo, em que a namorada de J.R. revela ter sido abusada por outro rapaz e ele culpa a garota, insinuando que ela teria facilitado para o abusador, culminando no término do relacionamentos deles. Contudo, o protagonista se arrepende e pede para reatarem, dizendo “eu te perdoo”; instantaneamente, a ex-namorada pede para que ele saia de sua casa, uma vez que ela foi a vítima e não precisa ser perdoada por ter sido agredida, uma representação impactante de uma sociedade que insiste em culpabilizar as vítimas de abuso.

Além do debute de Scorsese, Quem Bate à Minha Porta? marcou a estréia de outra lenda do cinema, o ator Harvey Keitel. Em sua primeira interpretação, Keitel constrói com segurança em J.R. uma figura claramente indecisa sobre qual caminho seguir na vida, destacando sutilmente o desconforto dele em determinadas situações, como quando um amigo insiste em levá-lo para um strip club. Ademais, Zina Bethune também se destaca, contracenando bem com Keitel e transmitindo toda a bondade, timidez e amor da personagem, tornando-a instantaneamente encantadora.

Mesmo sendo seu primeiro trabalho, Quem Bate à Minha Porta? possui sinais, tanto temáticos quanto técnicos, do grande diretor que Scorsese se tornaria. Há, por exemplo, cenas verdadeiramente memoráveis aqui, como a maravilhosa sequência que mostra J.R. imaginando “garotas assanhadas”, mesmo que soe um pouco destoante do que vinha sendo construído. Portanto, logo em sua estréia, Martin Scorsese já apresenta uma obra que merece ser apreciada e serve como semente para toda a história que ele construiria no cinema em sua carreira.

Quem Bate à Minha Porta? (Who’s That Knocking at My Door) — EUA, 1967
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: Martin Scorsese
Elenco: Harvey Keitel, Zina Bethune, Anne Collette, Lennard Kuras, Michael Scala, Harry Northup, Tsuai Yu-Lan, Catherine Scorsese
Duração: 90 min

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