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Crítica | Resurrection (2025)

Como manter sonhos vivos através da sétima arte.

por Roberto Honorato
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Bi Gan é um diretor jovem, com uma trajetória ainda relativamente curta, mas sua nova obra revela uma ambição difícil de ignorar. Lançado sete anos após Longa Jornada Noite Adentro, que também se destaca pelo trabalho técnico mais “refinado”, Resurrection quer entregar um épico que atravessa décadas de história do cinema e mergulha em contextos históricos específicos em um formato quase antológico. É um grande risco, mas felizmente Bi Ban consegue sustentar boa parte dessa proposta ousada com personalidade e domínio da linguagem cinematográfica.

Em um mundo onde a imortalidade é possível, mas os sonhos se perderam, alguns poucos ainda preservam a habilidade de acessar e transformar seus próprios sonhos. Enquanto a maioria vive numa realidade estagnada, esses raros sonhadores mantêm viva a ponte com o universo onírico. Entre eles, um “monstro” solitário (Jackson Yee) permanece fascinado por visões que ninguém mais vê. Com a chegada de uma mulher (Shu Qi) capaz de enxergar o que se esconde nesses sonhos, ele embarca numa jornada para descobrir o que foi perdido quando a humanidade deixou de sonhar.

Os elementos da premissa são complexos, e não é fácil explicar toda a proposta do filme sem desenvolver um pouco os debates e o formato que a obra apresenta. Ele se aproveita de um formato voltado para a ficção científica e estrutura sua obra em cinco histórias, num formato quase de antologia, mas que se conectam através do protagonista, representado em cada uma delas por um novo personagem, todos interpretados por Jackson Yee (Dias Melhores, 2019). Ele é ressuscitado pela personagem de Shu Qi (Millennium Mambo) para tentar compreender a humanidade por meio dessas visões, que são representadas pela história do cinema e da China.

Acompanhamos essa jornada desde os primórdios do cinema mudo, com referências diretas a Georges Méliès e aos irmãos Lumière. A comédia L’Arroseur Arrosé, de 1895, é exibida e encenada na íntegra durante um fenomenal conto de abertura, onde a mulher e a criatura são apresentados em preto e branco, com direito à razão de aspecto em 1.33:1 e a primeira instância da belíssima explosão musical da banda M83, que retorna em momentos mais pontuais da obra, mas toda vez que surge é emocionante.

Em seguida, o protagonista vive uma perseguição no estilo noir, com inspirações que vão de Hitchcock a Orson Welles, incluindo uma homenagem à sequência de espelhos no clímax de A Dama de Shanghai. Depois, ele está em um monastério, lidando com dilemas familiares e a relação com o pai, em algo que parece ter saído da fase introspectiva do cinema de Kim Ki-duk (ou seja, quando ele era bom). Na história seguinte, ele se torna a própria figura paterna, fazendo parceria com uma ajudante mirim para realizar esquemas de adivinhação de cartas. Por fim, explora a euforia da paixão adolescente em um dos segmentos mais chamativos, com um longo plano-sequência de meia hora pelas vielas de um bairro dominado pela máfia. Em meio à violência e às paranoias envolvendo a virada do século, vemos o monstro descobrindo o amor impossível.

Tudo isso é belo e intrigante, não apenas pelos momentos de domínio técnico, mas pela paixão que o diretor demonstra por cada uma dessas histórias. Mesmo que, em alguns momentos, pareça uma visão inocente e idealizada da arte, ao menos é honesta. Há um momento em que o filme se arrisca a ser didático, explicando a decisão de contar sua história através do formato antológico e conectando isso à escolha de utilizar a linguagem cinematográfica para representar o mundo dos sonhos. Esse talvez seja o ponto menos interessante da obra, considerando a coragem que vinha demonstrando ao abraçar por completo o poder da imagem, sem se preocupar em priorizar a compreensão do enredo. A jornada é mais emocionante quando não é explicada.

Além disso, o maior risco tomado pelo filme revela também sua maior fragilidade: tentar abraçar todo um século de cinema, sua importância, influência e legado, enquanto propõe uma narrativa que se estende por histórias menores e fechadas, organizadas em um formato antológico ancorado por um mesmo protagonista. Tecnicamente, esse protagonista não é exatamente o mesmo “personagem”, já que cada segmento apresenta variações de identidade e ambientação que o transformam. Essa escolha, embora ambiciosa e com um baita conceito promissor, acaba por diluir a força dramática da jornada central, tornando-a mais simbólica do que emocionalmente coesa. O resultado é uma obra que fascina pela forma, mas que por vezes se distancia da potência narrativa que poderia alcançar se houvesse maior unidade entre suas partes, o que honestamente é algo pequeno considerando a escala do projeto.

Para Bi Gan, é melhor sonhar do que viver para sempre, assim como o próprio cinema, que se reinventa constantemente em diversas mortes que trazem novas experimentações sobre o que a sétima arte pode ser. Ainda lembro da experiência de terminar a obra e ficar em silêncio por alguns minutos, escutando a música final de uma conclusão de explodir o coração. Resurrection é inocente e até simplista na forma como idealiza o cinema, mas isso também revela o quão honesta é sua paixão pela arte.

Resurrection (Kuangye shidai) – China, França, EUA, 2025
Direção: Bi Gan
Roteiro: Bi Gan
Elenco: Jackson Yee, Shu Qi, Mark Chao, Li Gengxi, Huang Jue, Chen Yongzhong, Zhang Zhijian, Chloe Maayan, Nan Yan, Guo Mucheng
Duração: 156 min.

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