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Crítica | Rua do Medo: 1994 – Parte 1

por Kevin Rick
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O primeiro de três filmes lançados semanalmente na Netflix, Rua do Medo: 1994 – Parte 1, início de uma trilogia que continua o caminho audiovisual contemporâneo de borrar a linha entre Cinema e Televisão, apresenta o mundo de Shadyside, uma cidade americana decadente, atormentada por drogas, pobreza e assassinatos, provável consequência de uma lenda local sobre uma bruxa chamada Sarah Fier. 300 anos desde que ela foi enforcada por seus atos de bruxaria, acredita-se que ela possui diferentes cidadãos em diversos períodos históricos da cidadezinha maldita para emplacar mortes brutais como meio de vingança.

Acompanhando um grupo de adolescentes nos anos 90 em meio ao horror de um novo massacre, o filme certamente se encontrará rotulado como um tributo aos slashers do período que utilizou o subgênero de muitas formas como metalinguagem, em especial Pânico. Também haverão diversas comparações com a fórmula nostálgica de Stranger Things. E, bem, essas comparações estão corretas… até certo ponto, pois a proposta da cineasta/roteirista Leigh Janiak se baseia em uma homenagem plural mesclada com um discurso contemporâneo, elevando a obra para além do tributo.

Misturando slasher com ocultismo, algo bastante raro, pelo menos para mim, no gênero de terror, a primeira entrada na trilogia faz uso de convenções do gênero e iconografia como uma ferramenta familiar, mas também como um meio de desorientação. É só notarmos como a cena inicial é um homage para o início de Pânico, a base para ambientação slasher da obra, mas, do mesmo modo, subverte a sequência ao trazer um desfecho que quebra o suspense do assassino. E eu gosto bastante dessas “brincadeiras” e inversões de tradições que a cineasta concebe durante a experiência. Mantendo o público focado no maníaco que empunha uma faca, o filme cria uma superfície slasher enquanto procura o supernatural como mitologia, além de vários contornos de comentário social, influenciada por outro ícone do gênero, George A. Romero, como também o melodrama juvenil Riverdale, no qual vemos a narrativa revirar arquétipos de personagens estereotipados ao mesmo tempo que reafirma alguns, normalmente para fazer humor negro.

Desde a discussão de preconceito e dificuldade de auto aceitação de um casal LGBT, o atleta otário sendo o primeiro a morrer, diversificação étnica, a popular não-loira que vende drogas, entre outros, Rua do Medo: 1994 – Parte 1 procura muito mais caminhos de construção dramáticas progressistas, enquanto sustenta uma embalagem nostálgica que insere elementos de vários subgêneros do terror. E é interessante destacar como o roteiro equilibra bem a amálgama de componente diversos, no qual o melodrama juvenil, se caracteristicamente bobinho, como, aliás, ele deve ser, não soa forçado nos seus debates modernos, mas trazem personagens mais profundos e cativantes do que normalmente vemos em slashers.

Ademais, a ligação do supernatural com a influência de Pânico é extremamente criativa no sentido de ser um fio condutor de tributo, no qual vemos monstros característicos de diferentes décadas do gênero, desde a bruxa, a própria homenagem aos anos 90 no vilão da máscara de caveira, como também ao slasher mais “raiz”, com um assassino que relembra obras setentistas como Halloween e O Massacre da Serra Elétricaque, aliás, me deixa empolgado para a ambientação em 1978 da sequência. Além disso, por ser baseado na série literária Fear Street, de R.L. Stine, um autor que procura largamente a fantasia e o imaginário infantil, a dinâmica da experiência se desenrola como uma forma de dizer aos outros que você faz parte do clube que valoriza o medo, em todas as suas formas e subgêneros, especialmente em relação ao nerd do horror, Josh (Benjamin Flores Jr.).

Dito isso, se as ideias e conceitos de Leigh Janiak se personificam em uma boa mistura clássica e atual, a diretora peca enormemente na execução de um dos alicerces da experiência: tensão. A grande problemática do roteiro está nos vários diálogos superexpositivos para construir a mitologia da trilogia, em que, infelizmente, a direção faz bem pouco para diluir o caráter introdutório do filme para entregar uma obra solo. Obviamente que a proposta da fita é ser uma apresentação para os próximos eventos, mas ao utilizar o formato de filme, e não de minissérie, que imagino funcionaria bem melhor aqui, Rua do Medo: 1994 – Parte 1 sacrifica sua tensão para deixar migalhas de pão para as sequências. Pode até ser um filme que será mais apreciado no quadro geral, mas enquanto experiência única, serve mais como um bom piloto.

Ambientalmente, a cineasta é influenciada por vários cenários conhecidos do horror juvenil, como colégios e shoppings, utilizando um mundo suburbano que é familiar e também uma qualidade de sonho imaginário, como nas cores neon que pintam as noites de Shadyside em violentos tons de azul, vermelho e verde. Mas as sequências de terror, se bastante estilizadas, e com uma boa dose de gore, são apressadas e desinteressantes, muitas das quais deixam a impressão distinta de um artesão do gênero habilidoso como Janiak propositalmente resignando a experiência sensorial para parar e explicar cada pedacinho da base mitológica. Percebam como a cena inicial é, de longe, a mais estendida e apreensiva, enquanto o restante da obra soa calculada para delinear os futuros (passados) eventos.

Por fim, eu ainda mantenho um certo entusiasmo com o restante da trilogia, pois Leigh Janiak demonstra tremenda autoconsciência do seu discurso, homenagens e nostalgia mesclada com modernização, mas é complicado avaliar o filme-episódio Rua do Medo: 1994 – Parte 1, enquanto obra “contida”, como algo além de bom. E é isso. É um bom filme com várias ideias interessantes, especialmente para fãs do gênero de terror, mas que enclausura seu potencial sensorial e de experiência visual para explicar sua mitologia. Curioso em seu formato, personagens e subversões, a primeira entrada da trilogia é uma boa introdução que deixa pouco impacto.

Rua do Medo: 1994 – Parte 1 (Fear Street: 1994 – Part 1) | EUA, 02 de julho de 2021
Direção: Leigh Janiak
Roteiro: Leigh Janiak, Phil Graziadei, Kyle Killen
Elenco: Kiana Madeira, Olivia Scott Welch, Benjamin Flores Jr., Julia Rehwald, Fred Hechinger, Ashley Zukerman, Darrell Britt-Gibson, Maya Hawke, Jordana Spiro, Jordyn DiNatale
Duração: 105 min.

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