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Crítica | Team America: Detonando o Mundo

A conexão geopolítica entre pênis, vagina e ânus.

por Ritter Fan
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Não, não somos. Somos paus!
Somos paus arrogantes e descuidados.
E os do Movimento Nacional dos Atores são xoxotas.
E o King Jong Il é um cu.
As xoxotas não gostam de paus, porque são fodidas por eles.

Já de largada devo fazer uma confissão: assim como acontece com stop motion, eu simplesmente adoro filmes e séries com marionetes, algo que vem desde quando eu assistia, na medida em que as reprises na TV tornavam isso possível, Thunderbirds, que é a base principal para a escolha dessa técnica – então chamada de Supermarionation – por Trey Parker e Matt Stone, certamente mais conhecidos por terem criado South Park, para produzir seu escrachadíssimo Team America: Detonando o Mundo. O longa é, portanto, ao mesmo tempo uma homenagem a esse estilo de animação e uma sátira ferina à política externa dos EUA em geral e a todo um estilo de filme, notadamente o que povoou a década de 80, que colocava o país como um benevolente e invencível salvador do mundo, uma verdadeira “Polícia Mundial” como o subtítulo original indica.

A técnica de marionetes usada no longa exigiu o emprego de quase 40 marionetistas que controlaram os bonecos confeccionados por outra tropa de especialistas, com figurinos criados por uma equipe especializada, além de técnicos em miniaturas para criar os vastos e detalhados cenários que mais do que justificam o orçamento de 32 milhões de dólares. E isso é particularmente sensacional, pois, em pleno 2004, com toda a tecnologia digital então disponível, Parker e Stone se recusaram terminantemente a empregá-la, realmente criando todos os movimentos, expressões faciais e interações com o trabalho manual de uma vasta equipe que chegava a levar uma tarde inteira para conseguir acertar uma cena tão prosaica quanto um personagem bebendo no bar. Bem no estilo da dupla criativa e bem diferente das obras com marionetes que deram base a essa, não houve preocupação com nenhum tipo de verossimilhança que emprestasse ares mais sérios à história, algo que pode ser exemplificado com as hilárias “coreografias” de luta, que nada mais são do que as marionetes vibrando e batendo uma na outra aleatoriamente e o uso de perspectiva forçada com tubarões reais, gatos pretos fazendo as vezes de panteras e até uma barata.

Mas não foi um trabalho fácil. Na verdade, foi uma correria insana, com toda a efetiva produção, ou seja, todo o trabalho de marionetes acontecendo em relativamente poucos meses até as vésperas do lançamento do longa em outubro de 2004 (a ponto de alguns produtores só terem realmente visto o filme totalmente completo na première), algo que levou Parker e Stone à estafa total e a prometer nunca mais voltar a produzir algo para o Cinema, promessa essa que, pelo menos até agora, eles vêm infelizmente cumprindo. Esse trabalho todo, porém, resultou em uma obra única que, claro, não tem e nem é para ter o tipo de finesse de O Cristal Encantado e, especialmente, da fenomenal série de 2019 baseada no clássico longa oitentista, mas que encapsula o filme ufanista americano por excelência, parodiando de personagens a ângulos de câmera, passando por figurinos e sequências de sexo. Nele, depois de uma baixa trágica (mentira, é hilária, na verdade), uma força policial mundial coincidentemente composta somente de americanos brancos e bonitos (com uma integrante que talvez, com esforço, possa ser considerada de origem oriental, como uma personagem simbólica) que tem uma base no Monte Rushmore (onde mais, não é mesmo?) recruta Gary Johnston (voz de Parker), um ator da Broadway, para se passar por um jihadista árabe para desbaratar uma trama terrorista ameaçadora que é pelo menos de nível 11.900, se é que me entendem.

Mas paus também fodem cus.
Cus que só querem cagar por cima de tudo.
As xoxotas acham que podem lidar com os cus de seu próprio jeito.
Mas a única coisa que consegue foder um cu… é um pau com um par de bolas.
O problema dos paus é que, às vezes, fodem demais.

Com uma sequência inicial que basicamente destrói Paris e sequências que são o sonho molhado de preconceituosos que provavelmente não perceberão a crítica e a ironia, como a que Gary é “transformado” em um muçulmano “típico” com pele parda, tufos de cabelos desgrenhados colados no rosto de qualquer jeito e um enorme turbante de toalha, o filme é uma sucessão de momentos absurdos costurados ao redor de infindáveis clichês do gênero que orgulhariam Jerry Bruckheimer, inclusive mortes hilariamente dramáticas e uma sequência de montagem para o treinamento acelerado de Gary que é autoconsciente sobre o que ela é. E, claro, há a obrigatória sequência de sexo entre bonecos que, ironicamente, foi o único ponto de contenda entre a produção e a Motion Picture Association, responsável, dentre outros, pela classificação indicativa das obras cinematográficas dos EUA, deixando muito claro que mostrar sexo com bonecos de plástico sem genitália não pode, mas explodir cabeças, crivar corpos de balas e cometer todo o tipo de violência explícita em cena está totalmente liberado.

E essa ironia é particularmente relevante quando boa parte da crítica que Parker e Stone, ao lado de sua colaboradora de longa data Pam Brady, destilam em sua obra não repousa apenas sobre a política externa e o nacionalismo exacerbado americanos, especialmente em relação a seus inimigos jurados, ou seja, os muçulmanos em geral e King Jong Il (uma reencarnação de Eric Cartman também com voz de Parker, claro) em particular, mas também sobre toda a classe de atores de Hollywood capitaneada por Alec Baldwin (ou, melhor dizendo, Arec Barrwin) que, com sua peculiar forma de usar o palco para falar do que pouco sabe, assume um papel surrealmente hilário, hipócrita e limitado sobre as mazelas do mundo. Usando bonecos que capturam perfeitamente os rostos de diversos atores politicamente engajados – coitado do Matt Damon… – e provavelmente valendo-se de nervos de aço para encarar possíveis ações judiciais (que só seriam instrumentos de mais publicidade para o filme, claro), mas sem procurar autorização alguma, Team America desanca esse grupo de atores como South Park sempre procurou desancá-los, mas, aqui, fazendo-os real e efetivamente participar da história, levando inclusive ao genial discurso de Gary em resposta ao de Baldwin no palco do líder norte-coreano que fiz questão de reproduzir ao longo da presente crítica.

Team America: Detonando o Mundo tem sim suas barrigas narrativas e nem sempre seu humor funciona direito, mas o longa é como uma aula de história cinematográfica sobre um tipo de filme que se leva muito a sério, sem perceber que é uma piada pronta, na verdade. É um serviço de despertador, também, para aqueles que encaram essa abordagem super-heróica de americanos (ou imigrantes naturalizados americanos como o Governator) salvadores da pátria como basicamente a realidade dos fatos. America fuck yeah, sem dúvida!

Ou fodem quando não devem.
E é preciso uma xoxota para lhes mostrar isso.
Mas, às vezes, as xoxotas ficam tão cheias de merda que elas próprias se transformam em cus.
Porque as xoxotas estão apenas a uns centímetros do cu.
Não sei muito sobre esse mundo de loucos… mas sei que, se não nos deixarem foder esse cu… vamos ter os nossos próprios paus e xoxotas… cobertos de merda.
– Johnston, Gary

Team America: Detonando o Mundo (Team America: World Police – EUA/Alemanha, 2004)
Direção: Trey Parker
Roteiro: Trey Parker, Matt Stone, Pam Brady
Elenco: Trey Parker, Matt Stone, Kristen Miller, Masasa, Daran Norris, Phil Hendrie, Maurice LaMarche, Chelsea Marguerite, Jeremy Shada, Fred Tatasciore, Greg Ballora
Duração: 98 min.

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