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Crítica | Tempo de Despertar

por Kevin Rick
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Tempo de Despertar tem como princípio fílmico a melhor escolha que uma película baseada em eventos reais pode fazer: utilizar os fatos verídicos como a premissa de algo original, próprio e, bem, fictício, no seu “universo” artístico, se desgarrando da débil proposta de fidedignidade aos acontecimentos existentes. Utilizando o livro homônimo de não-ficção de Oliver Sacks como base, a fita dirigida por Penny Marshall acompanha a história do Dr. Malcolm Sawyer (Robin Williams), uma versão ficcional do próprio neurologista/escritor Oliver Sacks, durante um curto evento médico extraordinário em 1969, no qual pacientes aparentemente catatônicos, após administrados com a droga L-DOPA, “acordam” de seu estado inerte como se nada tivesse acontecido. No entanto, como eu disse, Tempo de Despertar não quer apenas recriar este momento histórico, mas desvencilha-se dos jargões médicos, a base científica e da própria doença em si, para construir seu conto de fadas. Um recorte histórico sobre o milagre humano.

A história principal começa com a chegada de Sawyer, um médico até então recluso e teórico, em um hospital psiquiátrico que necessita urgentemente de ajuda profissional para cuidar de seus pacientes, tanto que decidem contratá-lo a despeito da falta de experiência. Robin Williams faz o seu melhor nerdizão acanhado e inseguro com a nova tarefa profissional, e por ter sempre trabalhado em laboratórios, seu contato médico com o humano serve ao primeiro ato do filme sobre a grande descoberta para Sawyer, e também da audiência, acerca do infindável alcance da consciência e do espírito humano à medida que a curiosidade técnica mesclada com o carinho do neurologista começa a destampar a vida ainda existente nestes corpos vistos como cascas vazias.

Sawyer começa com testes simples como atirar uma bola, notar reflexos com diferentes músicas e formas de contato, até chegar na sua ideia clínica de que esse pacientes não estão necessariamente catatônicos ou cerebralmente inválidos, mas sim num estado de sono profundo, uma extensão geral do Parkinson, que viria a ser conhecida como Encefalite letárgica. Essa é a parte mais técnica do filme, com o científico à frente da narrativa, mas é um recorte simples proposto como a descoberta emocional de que essas pessoas ainda estão vivas, no mesmo quadro milagroso da fita, até com uma certa pontinha de mistério desenvolvida em relação aos motivos e soluções desta trágica enfermidade.

O protagonista decide então aplicar a L-DOPA em um dos seus pacientes, o curioso Leonard Lowe (Robert De Niro), dando início ao segundo ato do filme, e também meu favorito, que é verdadeiramente o “tempo de despertar”. Como de praxe, De Niro é soberbo no papel de uma pessoa que passou décadas em um estado estático, puxando uma infantilidade no olhar, falar e andar, enquanto transpassa um sentimento de curiosidade comovente com seu personagem. É extremamente difícil não se emocionar – eu chorei horrores – com o renascimento de Lowe, e sua arrasadora descoberta do tempo que passou desacordado ao ver o rosto envelhecido em um espelho. Com o sucesso do tratamento em Lowe, o restante dos pacientes do hospital psiquiátrico recebem a droga, e acordam todos juntos, dançando, pulando, como se nada tivesse acontecido. É um tanto quanto exagerado a rapidez do retorno da normalidade ou a falta de um desenvolvimento em torno da dramática realização da perda de uma vida, mas o “despertar” continua sendo um conto de fadas genuinamente bonito sobre os mistérios da mente e o poder do espírito humano.

É interessante notar como o princípio da decupagem de Penny Marshall parte da simplicidade. Enquadramentos mais comuns, uma direção leve, sem muitos detalhes do ambiente e sim focada nos rostos dos personagens, com várias aproximações lentas de câmera; e o restante da unidade estilística toma isso de proposta, como a trilha sonora pouco evidente, mais reclusa e com um tom alegre, a fotografia hospitalar mais realista, e a montagem em três atos (descoberta/despertar/derrocada), com poucos cortes. Acredito que isso funciona positivamente por dois motivos: primeiro que a proposta mais objetiva, descomplicada e bem cru mesmo, não deixam o filme cair no sentimentalismo, também com méritos do roteiro nos diálogos mais introspectivos, fugindo de uma apelação emocional expositiva que filmes com esse tom normalmente assumem. Mas, principalmente, como casa o técnico com a temática principal do ato final, lentamente construída desde o começo da obra: apreciar as partes simples da vida. É uma mensagem com um viés de lição moral, e um tantinho clichê, mas, caramba, como Tempo de Despertar consegue passar isso de um jeito agoniante e melancólico com o declínio de Lowe, colocando o espectador numa posição reflexiva das pequenas belezas diárias da vida.

Por fim, o filme cai no meu conceito por ser econômico narrativamente, e não visualmente como eu disse, pois à medida que o desfecho se aproxima, o roteiro de Zaillian se apega bastante ao núcleo buddy dos personagens principais, bastante comedido dramaturgicamente em relação às consequências do despertar. O ato final, apesar de poderoso no desfecho do arco de Lowe, perde a força geral por se repetir demais na relação dos protagonistas, se esquecendo da construção do mote hospitalar. Ainda assim, são pequenos desvios narrativos que não tiram o mérito emocional de Tempo de Despertar. Penny Marshall, acompanhado de dois titãs – três se contar Zaillian -, pega uma parte curiosa da História e oferece seu recorte fantástico do milagre. Camadas reais dão o toque melancólico na emoção alegre inicial, com um final que é, objetivamente falando, bastante trágico. No entanto, por um curto período de tempo, esses personagens fizeram o impossível e despertaram, e o milagre existiu.

Tempo de Despertar (Awakenings) – EUA, 1990
Diretor: Penny Marshall
Roteiro: Steven Zaillian (baseado em Awakenings, de Oliver Sacks)
Elenco: Robert De Niro, Robin Williams, John Heard, Julie Kavner, Penelope Ann Miller, Max von Sydow, Ruth Nelson, Alice Drummond, Judith Malina, George Martin, Barton Heyman, Anne Meara, Richard Libertini
Duração: 121 min.

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