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Crítica | Thank You, Goodnight: The Bon Jovi Story

O presente que atrapalha o passado.

por Ritter Fan
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Every day it seems we’re wasting away.
– Wanted Dead or Alive.

Como já mencionei em outras oportunidades, não sou uma “pessoa musical” e costumo permanecer no aconchego do gênero musical que mais aprecio e dos cantores, cantoras e bandas que mais gosto sem me aventurar por caminhos novos. Sei que é um defeito, mas não tem muito jeito, com minha vida musical gravitando basicamente ao redor do rock ‘n roll em seus diversos (mas não todos) subgêneros, ainda que o pop de Madonna e Michael Jackson, além de algumas outras exceções à regra sem dúvida povoem meu inegavelmente restrito repertório. E como “roqueiro velha guarda e rabugento“, sempre me dei ao luxo de excepcionalmente consumir umas farofadas e, sem dúvida alguma, a maior delas, a que mais tenho prazer de escutar até hoje é o material da banda Bon Jovi (além dos álbuns solo de Jon Bon Jovi, que fazem dobradinha como trilhas de filmes) que conheci em meados da década de 80 quando um amigo meu, que se mudara para os EUA dois anos antes, voltou para o Brasil trazendo as mais diversas novidades, inclusive e especialmente o então recém-lançado vinil de Slippery When Wet.

Mesmo tendo plena consciência de que o Bon Jovi dos cinco primeiros álbuns (Bon Jovi, 7800º Fahrenheit, Slippery When Wet e New Jersey e de Blaze of Glory, na categoria solo do vocalista) é bem diferente do Bon Jovi dos álbuns seguintes (ou seja, a partir de Keep the Faith, de 1992), continuei e, de certa forma, continuo acompanhando o que eles soltam por aí, mesmo que o caminho mais pop baladeiro atual não se compare ao rock mais raiz da versão original do grupo. Mas essa evolução – que alguns, até eu, chamariam de involução – faz parte e acontece nas melhores famílias e, quando o documentário em quatro partes Thank You, Goodnight: The Bon Jovi Story foi anunciado como uma visão ampla, dos primórdios até hoje em dia, da banda, fiquei esperando seu lançamento para ver como seria a abordagem do diretor Gotham Chopra que, como já esperava, provavelmente seguiu o roteiro escolhido e determinado por Jon Bon Jovi.

Começando pelo lado mais técnico e estrutural, tenho para mim que foi um erro grande formatar a obra como uma minissérie de apenas quatro episódios. Ou melhor, deixe-me reformular: se era para usar o formato de série – pois tenho certeza de que um bom diretor, roteirista e montador seriam capazes de contar a mesma coisa no tempo de um longa-metragem – então que a produção realmente embarcasse de coração nesse caminho e dividisse a narrativa em mais episódios mais curtos e não basicamente quatro longas que acabam se arrastando demais, especialmente depois que a abordagem do início da banda (ou seja, do começo pré-Bon Jovi até a separação deles no final da turnê de New Jersey) acaba ao final do segundo capítulo. Em termos narrativos, Thank You, Goodnight teria se beneficiado e muito de uma segmentação esperta que fosse capaz de sustentar o ritmo sem criar barrigas e sem deixar que a história começasse a ficar à deriva, perdida em depoimentos atuais dos membros do grupo que naturalmente tendem a ser autoindulgentes mesmo que um ou outro – especialmente Richie Sambora – ofereça alguns detalhes mais, digamos, saborosos, mas que acabam se perdendo no todo.

Ainda no lado estrutural, mas já mergulhando no coração do documentário, a divisão entre presente e passado, comum em obras de retrospectiva de décadas como essa, foi um equívoco. Não a divisão em si, mas a escolha do tema do presente para sustentar e paralelizar a história do passado. É que o foco fica em 2022, quando a banda, depois da pandemia de COVID, retorna aos palcos para uma turnê limitada de 15 shows pelos EUA. Enquanto esse tema em si poderia ser interessante, a questão é que o recorte feito parece uma novela mexicana com Jon Bon Jovi achando-se o pior dos homens por não conseguir mais performar como antes e tomando a decisão de fazer uma cirurgia não essencial (e que ele mesmo diz ser o equivalente à uma operação plástica) nas cordas vocais. São lamentos para cá, quase choros para lá, lembranças nostálgicas de um passado glorioso e uma falsa modéstia constante que se resume ao famoso “rich people’s problems” na linha de algo como “Ai, com que carro que eu saio hoje, minha Ferrari vermelha ou minha Lamborghini amarela? Tantas decisões difíceis que tenho que tomar em minha vida…”. Chegou a um ponto que minha vontade – e a de minha esposa também, que, como eu, adora o Bon Jovi – era de clicar no fast foward toda vez que a história retornava ao tempo presente, ainda que as entrevistas com os membros Tico Torres e David Bryan, o ex-membro Richie Sambora, o ex-gerente Doc McGhee, a esposa de longa data de Jon, Dorothea Hurley, e o minuto ou dois com o conterrâneo Bruce Springsteen, além de algumas outras, sejam inegavelmente interessantes quando não estão apenas elogiando o “chefe”.

Por outro lado, o trabalho de garimpo sobre o passado da banda é muito competente, desde quando John Bongiovi cantava, com diversas bandas, em casas de show de seu estado natal no finalzinho da década de 70 e começo da década de 80, e quando trabalhava como faz-tudo na gravadora Power Station de seu primo Tony Bongiovi (e que o levou a estrear oficialmente no mundo profissional musical cantando “R2-D2 We Wish You a Merry Christmas” no inusitado álbum Christmas in the Stars: The Star Wars Christmas Album, detalhe que, curiosamente, não é sequer mencionado no documentário). Vemos filmagens amadoras de priscas eras, chamadas para os shows e o início do trabalho de Jon com o que viria a ser Runaway, carro-chefe de seu primeiro álbum e que ele só conseguiu emplacar (antes de o álbum e da própria banda existirem!) usando estratégias pouco convencionais, como, em 1983, convencendo a rádio WAPP a tocar sua canção como parte de um especial sobre talentos locais de New Jersey, e a formação do grupo a toque de caixa para a efetiva gravação do álbum e lançamento em 1984.

E a evolução da banda desse ponto ainda quase neanderthal abrindo shows para outras bandas nos EUA até a explosão de Slippery When Wet, seguido de New Jersey, com shows pelo mundo todo em exaustivas turnês que não pararam de encher estádios, é o coração do documentário, e onde realmente está seu valor histórico que mostra o porquê de a banda ser mais do que apenas um grupinho supostamente de rock com integrantes vestidos de roupas rasgadas e com cabelos cientificamente armados para parecerem bagunçados. Depois que, no começo do terceiro episódio – ou melhor, do terceiro longa-metragem – a separação da banda por pura exaustão é abordada, com Jon e Richie momentânea e simultaneamente seguindo por caminhos solo, o documentário, mesmo no lado do passado, perde muito a força. Tudo passa a andar mais rápido, com menos detalhes, com o casamento de Jon com Dorothea (é muito bacana e raro para celebridades eles estarem casados até hoje desde 1989, especialmente considerando que o casamento foi em um estalar de dedos, em um capela em Las Vegas!) não ganhando destaque algum.

Chega a ser até um atestado do quanto a banda perdeu sua qualidade original a partir de Keep the Faith o fato de nenhum outro álbum ganhar mais do que 10 minutos de destaque difuso, com vários não passando de menções apenas “por obrigação”. Se a divisão da série tivesse sido mais orgânica, menos preocupada com o “drama” de Jon no presente, teria havido mais espaço para um trabalho tão cuidadoso quanto o dos dois primeiro capítulos na segunda metade, não que fosse esperado que os álbuns posteriores ganhassem o mesmo nível de destaque dos quatro primeiros, obviamente (mas uma coisa é ter algum destaque, outra bem diferente é não ter nenhum). Com isso, na medida em que o passado se torna presente, a minissérie começa a tornar-se uniformemente uma espécie de “lamentação dos milionários bem-sucedidos” que sequer aborda de verdade a vida pessoal dos integrantes, preferindo permanecer na superfície do conjunto da banda, com o presente mais presente – ou seja, a partir de 2022 – ampliando sua característica de chororô injustificado pelo que Jon Bon Jovi gostaria de continuar sendo, apesar de um fator costumeiramente importante e claramente inevitável: a chegada da idade. O documentário, nesse ponto, torna-se uma cansada e frustrante sessão de terapia construída para o espectador se compadecer com o velho Jon…

Mas, entre mortos e feridos, mesmo com a estrutura cansativa de quatro longas, Thank You, Goodnight: The Bon Jovi Story consegue se salvar como uma ótima recapitulação especialmente do começo de carreira do Bon Jovi que, porém, decresce em qualidade na medida em que avança no tempo e abordando o presente de uma maneira novelesca, criando drama onde não existe e reminiscências sobre o passado e sobre o “envelhecer” que carregam no clichê e parecem sair de um manual de autoajuda qualquer. Não é de longe um desperdício de tempo, especialmente para quem gosta da banda, mas o documentário muito claramente tinha material mais do que suficiente para ser bem mais do que acabou sendo. Uma coisa é certa: deu vontade de escutar a discografia do grupo todinha novamente!

Thank You, Goodnight: The Bon Jovi Story (EUA, 26 de abril de 2024)
Direção: Gotham Chopra
Com: Jon Bon Jovi, David Bryan, Tico Torres, Richie Sambora, Phil X, Hugh McDonald, Doc McGhee, Bruce Springsteen, Dorothea Hurley
Duração: 304 min. (quatro episódios)

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