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Crítica | Vamp – Capítulo 1

Terror e humor.

por Luiz Santiago
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Bem-vindos ao Plano Piloto, coluna semanal dedicada a abordar exclusivamente os pilotos de séries de TV.

Número de temporadas: 1
Número de episódios: 179
Período de exibição: 15 de julho de 1991 a 8 de fevereiro de 1992
Há continuação ou reboot?: Não.

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No litoral da fictícia Armação dos Anjos, Rio de Janeiro, vemos a história de Vamp se desenvolver, entrelaçando o fantástico ao cotidiano, o grotesco ao cômico-romântico, e o mítico ao pop. Dirigido por Jorge Fernando, este capítulo inaugural da novela desenha um universo onde vampiros são colocados num enredo em pleno Sol do Brasil. A narrativa, com texto de Tiago Santiago, Vinícius Vianna e Lílian Garcia, é corajosa ao fundir diferentes gêneros e criar um mosaico que desafiava as convenções telenovelescas da época. A sequência inicial, ambientada em 1791, mostra um padre tentando exorcizar criaturas sobrenaturais (destaque para a maravilhosa e horrenda cena em que um vampiro é morto ao ser tocado pela Cruz de São Sebastião), mas não consegue tocar em Vlad, interpretado com uma caricatura improvisada por Ney Latorraca. Vlad seduz e transforma a jovem Natasha (Cláudia Ohana), estabelecendo um diálogo entre passado e presente, sugerindo que os ecos do poder e da dominação persistem, ainda que sob novas capas.

A escolha de situar a trama num Brasil marcado pela crise econômica do governo Collor dá à obra uma camada de escapismo cultural, onde o realismo fantástico serve como válvula para o público. A montagem da sequência inicial, com imagens de fábricas expelindo fumaça e uma atmosfera cinzenta, flerta com a degradação ambiental e também funciona como metáfora para a contaminação moral e social. Vlad, com sua presença magnética e autoritária, personifica um tipo de poder que corrompe, enquanto Natasha, uma aspirante à fama, encarna a dualidade de uma juventude que quer liberdade, mas se vê presa em acordos perigosos. Natasha, com sua sensualidade rebelde, reflete um arquétipo faustiano (fazendo um pacto macabro para conseguir algo), aqui reimaginado no contexto da indústria da música. Sua jornada mostra a mercantilização da arte, onde o desejo de notoriedade pode levar à perda da própria essência. A atuação de Cláudia Ohana, especialmente na icônica cena de dança em Veneza, cristaliza Natasha como um símbolo da mulher moderna (pelo menos um deles, já que teremos outro desses símbolos, ligado à maternidade), que busca autonomia, mas enfrenta estruturas opressivas, aqui representadas pela figura dominadora de Vlad.

A estética da novela, particularmente na excelente abertura (ao som de Noite Preta, de Vange Leonel) concebida como um videoclipe, captura o espírito da cultura pop dos anos 1980 e 1990, com uma estética punk-gótica e a influência da MTV. A trilha sonora, com destaque para a interpretação de Sympathy for the Devil, cantada por Ohana, traz um tom transgressor. A decisão de Jorge Fernando em encerrar as cenas com as ilustrações de Roger Mello, inspiradas em quadrinhos, é um gesto formal de ligação com a cultura de massa, trazendo algo novo para a linguagem tradicional da telenovela, isso sem contar as interessantes inspirações cinematográficas para diferentes personagens e blocos, como A Noviça Rebelde (1965) e Sete Noivas Para Sete Irmãos (1954) para o núcleo familiar; e A Dança dos Vampiros (1967) e O Poderoso Chefão (1972) para o núcleo vilanesco.

O lado familiar, centrado em Jonas (Reginaldo Faria) e Carmem (Joana Fomm), introduz uma outra camada de conflitos que enriquecem a narrativa, apesar de o roteiro falhar em apresentá-los por completo. Jonas, com sua postura militar e rígida, representa a ordem tradicional modernizada, enquanto Carmem, uma historiadora mergulhada em sua tese, encarna uma visão mais progressista da maternidade. A fusão dessas duas famílias, cada uma com seis rebentos, cria um microcosmo de tensões geracionais e de classe, espelhando os choques culturais de uma sociedade em transformação. Esses conflitos, apresentados com carisma e humor, revelam a tentativa de conciliar tradição e modernidade, uma das linhas de trabalho da novela, por sinal.

Ligando o sobrenatural ao humano, Vamp convida o público a refletir sobre os pactos feitos em busca de poder, fama ou pertencimento. A novela, ao subverter o arquétipo do vampiro e adaptá-lo ao calor tropical, não apenas diverte, mas também questiona as estruturas de dominação que atravessam séculos. Natasha e Vlad são figuras que nos lembram que a liberdade, quando conquistada às custas de promessas duvidosas, pode se transformar numa nova forma de prisão. Já o ambiente da pousada e da junção de famílias, é um retrato clássico dos erros e acertos cotidianos dos brasileiros, vivendo entre diferentes pessoas, no melhor estilo “tudo junto e misturado”. Vamp foi um marco que brincou com os limites do gênero e fez do fantástico um reflexo das contradições do dia a dia. Uma novela sobre libertar-se de uma amarra autoimposta e sobre aprender a conviver com diferentes grupos de pessoas.

Em tempo: eu não suporto e acho que foi um erro grotesco da direção orientar o sotaque puxado no “r” da personagem de Vera Holtz. Adoro a atriz e acho que ela faz um baita trabalho interessante como “caçadora de vampiros“, mas o “sotaque gringo” é um absurdo e algo extremamente irritante.  

Vamp – Capítulo 1 (Brasil, 15 de julho de 1991)
Criação: Antônio Calmon
Direção: Jorge Fernando
Roteiro: Tiago Santiago, Vinícius Vianna, Lílian Garcia
Elenco: Cláudia Ohana, Ney Latorraca, Reginaldo Faria, Jorge Cherques, Ernani Moraes, Giulia Gam, Guilherme Leme, Marcos Breda, Oswaldo Louzada, Fred Mayrink, Joana Fomm, Evandro Mesquita, Patrícya Travassos, Aleph del Moral, Rodrigo Penna, João Rebello, Daniela Camargo, Bel Kutner, Carol Machado, Vera Holtz, Marcos Frota, Fábio Assunção, Luciana Vendramini, Jonas Torres, Henrique Farias, Rodrigo Penna, Pedro Vasconcelos, Fernanda Rodrigues, José Paulo Jr.
Duração: 50 min.

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