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Entenda Melhor | Ficção e Convergência: O Caso Sex and The City

Convergência midiática: quando a ficção e a realidade ultrapassam a linha tênue de suas delimitações.

por Leonardo Campos
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Um morador do apartamento icônico da série Sex and the City, localizado em West Village, Nova York, foi flagrado em um vídeo que se tornou viral, expressando sua irritação com turistas que tiram fotos em frente à sua residência. No vídeo, o homem, cuja identidade não foi revelada, afirma que é comum para ele lidar com a invasão de turistas, pedindo respeito pelo espaço privado ao reiterar que o local é uma casa particular, não apenas um cenário da série. A casa, datada de 1866 e famosa por ser a moradia da personagem Carrie Bradshaw, interpretada por Sarah Jessica Parker, atrai muitos visitantes devido à notoriedade da série, que foi exibida por seis temporadas na HBO e recentemente ganhou um revival. O morador, ao tentar manter a ordem, orientou os visitantes a não pararem em sua porta, mesmo enquanto se mostrava educado em suas solicitações. Além disso, ele optou por não se comunicar com a imprensa, expressando seu descontentamento com a exploração da situação. Para os consumidores das redes sociais, essa seria apenas uma situação cômica banal, rotineira, esquecida diante do próximo conteúdo audiovisual disponibilizado pelos algoritmos que acompanham os usuários.

Num olhar mais atento, por sua vez, essa situação é interessante sob o ponto de vista do legado e do impacto cultural de Sex and The City, um fenômeno do âmbito ficcional que desde 1998, suscita debates, interpretações e movimentações na cultura, não apenas estadunidense, mas em alcance global. É um debate que nos leva ao âmbito da convergência midiática, um conceito que se refere à intersecção e à interconexão de diferentes formas de mídia, onde novos tipos de narrativas são criados e distribuídos através de plataformas diversas. Esse fenômeno tem transformado a maneira como consumimos e nos relacionamos com conteúdos ficcionais, principalmente no que diz respeito à interatividade dos fãs e à busca por experiências imersivas. Dentro desse contexto, surge uma curiosidade profunda dos fãs em conectar-se mais intimamente com os cenários e personagens de suas produções favoritas. Esse desejo manifesta-se através de diversas práticas culturais, como o turismo de fãs, eventos temáticos e o uso de plataformas digitais para criar e compartilhar conteúdos gerados por usuários.

Um dos aspectos mais fascinantes da convergência midiática é a capacidade de criar universos expansivos que vão além da tela. As produções ficcionais contemporâneas, como séries de televisão, filmes e jogos, frequentemente se estendem para além dos seus próprios limites, permitindo que os fãs explorem os mundos que amam de maneiras novas e emocionantes. Por exemplo, o universo de Harry Potter não se limita apenas aos livros e filmes, mas se ramifica para parques temáticos, exposições interativas e comunidades online, onde os fãs podem discutir, criar fanfics ou mesmo participar de eventos de cosplay. Essa abordagem interativa se torna um convite para os fãs, não apenas para consumir, mas para fazer parte de uma experiência coletiva e compartilhada. É se sentir mais próximo dos personagens, do entretenimento que causa fascínio e precisa ir além da exibição dos episódios, tal como os fãs interessados em Sex and The City, a perturbar a privacidade de um morador que precisa lidar cotidianamente com os desdobramentos da icônica produção ficcional bem na porta de sua casa, co

Isso nos leva ao “turismo de fãs”, um dos fenômenos mais notáveis que emergem da convergência midiática. Locais de filmagem se transformam em destinos turísticos, onde os aficionados por uma série ou filme têm a oportunidade de visitar os cenários que conheceram na tela. A visita a lugares como os estandes dos Sete Reinos, em Dubrovnik, utilizados na série Game of Thrones, demonstra a profundidade do envolvimento emocional que os fãs têm com as narrativas. Esses pontos turísticos tornam-se mais do que meros locais físicos. Nesse caso, são carregados de significado e nostalgia, permitindo que os visitantes reconstruam momentos e sentimentos associados aos seus personagens favoritos. Além disso, essa prática não só valoriza a cultura pop, mas também contribui para a economia local, criando um ciclo de benefício mútuo. No caso do morador nova-iorquino, só há prejuízos, ao menos segundo as suas declarações no conteúdo audiovisual que viralizou nas redes sociais, lembrando, por sua vez, caro leitor, que esse é um caso isolado, dominado por peculiaridades.

Sentar nas escadas onde Carrie viveu tantas emoções deve ser, para os que se interessam por essas dinâmicas nostálgicas, muito envolvente, confesso, não apenas como analisador constante do legado e do impacto cultural da série em geral, mas também nas vivências que experimentei enquanto os episódios da produção dialogavam com minha realidade, como se contempla-los funcionasse como um equivalente terapêutico, salvaguardadas as devidas proporções comparativas. O prédio, o apartamento e as escadas onde relacionamentos importantes foram iniciados e finalizados, espaço de profusão de lágrimas antes ou depois de intensas gargalhadas. É compreensível a visão do morador em buscar respeito e privacidade, sem querer comercializar o seu espaço íntimo que habita o nosso imaginário, mas convenhamos, essa é uma tarefa árdua para um apaixonado por Sex and The City: passar pela frente e não fazer uma “fotinha” sequer? Eu sei, é pedir demais, mas sinceramente, é algo para ser pensado como fenômeno, não como um acontecimento aleatório e engraçado. Como resistir a isso numa cultural onde o “mostrar” tem definido padrões comportamentais, em especial, depois do nosso alargamento virtual pós-covid?

Em linhas gerais, a convergência midiática representa um fenômeno cultural que há tempos vem moldando a forma como apreciamos e nos conectamos com produções ficcionais. O desejo dos fãs de sentir mais de perto os cenários de seus personagens reflete uma busca por experiências autênticas e interativas que transcendam as limitações tradicionais de consumo. Por meio do turismo de fãs, eventos e a criação de conteúdo gerado pelo usuário, emergem outras formas de interação que não só celebram universos fictícios, mas também reforçam laços sociais entre indivíduos que compartilham as mesmas paixões. Assim, a convergência midiática não é apenas uma tendência. Precisamos compreender que é uma revolução cultural que transforma a maneira como vivenciamos e interpretamos a ficção em um mundo cada vez mais interconectado.

Muitas pessoas encontram nas narrativas ficcionais um espaço seguro e acolhedor para explorar seus próprios sentimentos e vivências. Esta conexão pode ser atribuída a vários fatores que envolvem a natureza humana, a identificação com personagens e enredos, além da capacidade da ficção de proporcionar novas perspectivas sobre a realidade. Ao longo de mais de duas décadas encarando o cinema e as narrativas seriadas como algo além do entretenimento, mas como base para meu trabalho enquanto professor e crítico cultural, eu percebo que uma das principais razões pelas quais os conteúdos ficcionais podem ser encarados como elementos terapêuticos para determinados espectadores é a identificação que os indivíduos desenvolvem com os personagens. Quando as pessoas se deparam com histórias que refletem suas experiências pessoais, sentimentos ou conflitos, elas podem sentir que não estão sozinhas em suas lutas. Essa identificação gera um senso de pertencimento e validação emocional, permitindo que o indivíduo processe suas experiências de forma mais profunda.

Longe aqui, por sua vez, de determinar que seja este o caminho ideal, isto é, a perspectiva psicológica para encararmos nossas questões. Não sou terapeuta e esse não é o meu lugar de fala, mas convenhamos, muitos de nós já encaramos fortes questões tendo situações ficcionais como alegorias para tomadas de decisões que, em muitos casos, foram assertivas. Além disso, a ficção oferece um espaço seguro para a exploração de emoções complexas. As histórias muitas vezes abordam temas como perda, amor, solidão, e superação, permitindo que os leitores ou espectadores mergulhem nessas questões sem necessidade de vivenciá-las diretamente. Ao acompanhar o arco narrativo de um personagem, o indivíduo tem a oportunidade de experimentar e compreender emoções de maneira controlada e, muitas vezes, catártica. Esse processo pode ajudar na assimilação e no gerenciamento de sentimentos difíceis, funcionando como um meio de equilibrar a psique e promover o bem-estar emocional.

Não apenas Carrie, mas outras personagens de Sex and The City nos permitiram isso em diversos momentos. Outro aspecto relevante é a capacidade da ficção de criar empatia. Ao vivenciar as histórias de outras pessoas e personagens diferentes de si, os indivíduos têm a chance de compreender perspectivas diversas. Essa empatia pode ser transformadora, criando uma maior consciência sobre a complexidade das relações humanas e das diferentes realidades existentes. Isso pode levar a um aumento na aceitação e na tolerância, facilitando o manejo de conflitos pessoais e sociais. Ademais, leitores, a narrativa ficcional é um poderoso recurso para a representação de experiências que muitas vezes são difíceis de expressar verbalmente. Por meio da arte, podemos dar voz a sentimentos, ou então, a situações difíceis de classificar. Isso é especialmente importante para aqueles que enfrentam traumas ou experiências marginalizadas, proporcionando uma maneira de articular suas vivências de forma criativa e significativa.

E, para chegarmos ao fim desta breve consideração sobre convergência midiática em Sex and The City, temos que levar em consideração que conteúdos ficcionais também podem servir como uma forma de escapismo. A realidade cotidiana muitas vezes é repleta de estresses e desafios. Ao se imergir em histórias fictícias, nós podemos temporariamente se afastar de nossas preocupações, o que pode proporcionar um alívio emocional e uma nova perspectiva sobre as nossas questões, particulares e até possíveis de comparação coletivamente, a depender do que seja, no entanto, experimentada de maneira particular com a formação de nossa dimensão psicológica e social na tessitura de nossa caminhada enquanto personagens sociais que trafegam pelas ardilosas estradas da vida. Essa curiosa situação envolvendo o apartamento de Carrie na série, por sinal, não é de agora. Em janeiro de 2025, o proprietário já tinha se manifestado em relação a sua situação. Ele solicitou à Comissão de Preservação de Marcos Históricos de Nova York a instalação de um portão na escadaria do imóvel, visando mitigar a presença de turistas no local, pois segundo seu relato, constantemente, grupos de visitantes se reúnem em frente à casa para tirar fotos, gravar vídeos e comemorar, o que tem gerado incômodo para os moradores.

Apesar da instalação de uma corrente para restringir o acesso, essa medida não foi suficiente para conter a quantidade de pessoas que ignoram o aviso. Buscando melhorar a qualidade de vida dos residentes, o proprietário acredita que um portão se mostraria um impedimento mais eficaz e esteticamente agradável. Para isso, ele contratou um arquiteto, encarregado de projetar um portão que harmonizasse com a fachada do edifício, respeitando a estética do local e contribuindo para a preservação do ambiente residencial. Basta saber agora como essa história ganhará continuidade, haja vista que o duradouro legado da série se mantém com a atual jornada das personagens no revival And Just Like That: Um Novo Capítulo de Sex and The City, em sua terceira temporada, com estreia agendada para 2025.

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