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Entenda Melhor | Ratos – Monstros Icônicos do Cinema

por Leonardo Campos
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Os ratos são seres considerados asquerosos por muitos. Quando nos referimos aos domésticos, as pessoas geralmente ampliam o feixe de aceitação. Temos os encrenqueiros, Stuart Little, o simpático roedor de esgoto da esplendorosa animação Ratatouille, dentre outros animais bonzinhos. No campo do horror, no entanto, eles também são volumosos, posicionados no espaço de antagonistas perigosos e mortais. Em quantidade de narrativas, talvez pera para os tubarões e serpentes, criaturas mais volumosas na ramificação “animais assassinos” do subgênero horror ecológico. Como fazemos habitualmente nesta modalidade de texto, passearemos brevemente por suas características naturais, explanaremos alguns aspectos representativos de sua simbologia e mais adiante, a parte mais importante da escrita: um levantamento de sua participação na cultura cinematográfica. Designação para os mamíferos da ordem dos roedores, os ratos são criaturas de focinho pontudo, longa cauda quase sem pelos, com espécies mais conhecidas, isto é, as que habitam os esgotos e são o pavor da humanidade, e os ratos de campo, criaturas que possuem determinadas funções importantes no bojo da cadeia alimentar selvagem. Conhecidos por seu comportamento furtivo ao roubar despensas e se infiltrar em ambientes domésticos, os ratos são animais espertos, de fácil readaptação ambiental, algo que podemos ver no desenvolvimento dos conflitos apresentados pelos filmes expostos no panorama da última parte do texto.

Tratados como pragas por alguns, os ratos são capazes de destruir fios, destroçar plantações, construir complexas tocas com entradas longas e rotas de fuga, além de ter o hábito noturno de caça aos seus alimentos. Compensam a sua visão limitada com o senso de audição e olfato, bem como rapidez em sua movimentação. Vetores de doenças, podem transmitir uma numerosa lista de doenças graças aos seus parasitas e fezes que se espalham por onde estes seres indesejáveis circundam. As espécies costumeiramente utilizadas em laboratórios são parte de pesquisas por causa da homologia dos ratos com o corpo humano. Oriundos do sudeste da Ásia, os ratos pretos, pragas urbanas mais comuns e presentes constantemente no cinema de horror, atualmente, podem ser encontrados em todos os continentes. Na época das explorações territoriais e colonizações, os bichos vieram junto com os humanos nas embarcações e por vários pontos do mundo se proliferaram.  Outra característica é que são encontrados em grupo, quase sempre. Esse é um ponto vantajoso para no cinema, as criaturas assustarem. Ademais, as ratazanas, espécie também encontrada nas zonas urbanas, pesam o dobro do rato preto e possuem sensibilidade auditiva muito poderosa, também presentes em muitos dos filmes mencionados mais adiante.

A Simbologia dos Ratos na Cultura Popular

Para a cultura chinesa, os ratos simbolizam prosperidade familiar, riqueza e superávit. Com seu olfato apurado e versatilidade, eles são ágeis e representam o ideal instinto de sobrevivência. Em outras culturas, expressam simbologias variadas: avareza, ganância, impureza. Capazes de roer madeira e chumbo, os ratos também significam resistência, pois desde o surgimento das primeiras cidades, conseguiram se adaptar ao convívio junto aos humanos. Na Bíblia, especificamente em Levítico, a narração aponta que é preciso se afastar dessas criaturas imundas. No Hinduísmo, Ganesha aniquila um rato chamado Kraincha ou Mushaka, numa simbologia que nos remete ao poder da habilidade e inteligência para lidar com obstáculos. Para os gregos e romanos, ganância e avareza são as características basilares para estes roedores que roubavam grãos e causavam transtornos. Há uma menção aos bichos na Ilíada, quando o eu-lírico menciona uma transformação de Apolo na proteção das colheitas. Em alguns lugares da Europa Medieval, os ratos ocupavam a posição de contato com o “divino”, criatura que agia como espécie de mediador entre a vida física e o plano espiritual, principalmente por causa de sua ligação com o solo. Acreditava-se que eles carregavam as almas do plano físico e as levava para o mundo espiritual. Ancestrais africanos também acreditavam nesta conexão entre espíritos e a terra, sendo os ratos criaturas pensadas e tratadas de maneira especial. No campo dos sonhos, as interpretações correlacionam a presença dos roedores com sentimentos negativos, tais como ansiedade, inveja, ciúme, medo, haja vista o espaço de circulação destes bichos ser o esgoto, as valas e locais sujos. Para a psicanálise, o rato ganha significação mais aprofundada e nos remete ao ilegal, traiçoeiro, roubo, avareza, etc.

Na literatura os casos são numerosos. Há os romances com os ratos em posição assassina, algo mais voltado ao grafismo da violência e aos absurdos das possibilidades diante da manipulação genética, mas também temos as narrativas alegóricas, como a relação entre Willard e os ratos Ben e Sócrates, amizade que parte das ideias e também se transforma em horror físico. Em nossa história literária, os ratos se mantiveram presentes por meios alegóricos em diversas obras interessantes. No denso Mulher no Espelho, de Helena Parente Cunha, os roedores causam a agonia constante na vida da mulher em estado psicológico bizarro, tomada pela descrença na vida conjugal e desanimada diante de sua própria existência.  A escritora Lygia Fagundes Telles ironiza as relações sociais e políticas dos brasileiros em plena década de 1970, era de repressões por causa do regime militar. No dinâmico Seminário dos Ratos, último conto da coletânea de mesmo nome, os roedores organizam um evento e demonstram como conseguem comandar o país fictício exposto no desenvolvimento da história. Já em Os Ratos, de Dyonélio Machado, a relação do homem comum e da cidade grande, agonizante e opressora, ganha alegoria aterrorizante com a presença massiva de ratos a representar o estado psicológico do personagem que deve aos agiotas e precisa correr ao longo do dia para conseguir o dinheiro para pagar a conta do fornecedor de leite. Nas obras mencionadas, os ratos ocupam uma posição simbólica bastante expressiva.

Depois deste breve panorama, vamos agora conhecer um pouco mais da participação dos ratos como antagonistas apavorantes no cinema. Preparados?

Asco! Medo e Paranoia nos Filmes com Ratos Assassinos!

A década de 1980 foi bastante expressiva para os ratos, animais com bastante oferta de emprego no bojo do horror ecológico. Foi uma época de narrativas descontroladas, guiadas por argumentos absurdos e toscos, como em Ratos – A Noite do Terror, de 1984, dirigido e escrito por Bruno Mattei, enredo pós-apocalíptico situado em 2225. O filme aborda a nossa sociedade após 215 anos de uma trágica explosão nuclear que devastou o planeta e deixou espaço apenas para poucos, os Novos Primitivos, gangue de sobreviventes que batalha por água e comida na desértica paisagem da nossa superfície. A produção nos mostra a chegada do grupo numa cidade fantasma abandonada por humanos, mas que guarda uma forma de vida resistente, roedora e aterrorizante. E como não poderia deixar de ser, tivemos o cinema italiano e sua pérola de contribuição. O Rato Humano, concebido por Giuliano Carnimeo, tendo como base, o roteiro de Dardano Sacchetti, investe numa atmosfera suja, violenta e misógina ao retratar um cientista e seu ajudante numa bizarra pesquisa em laboratório na República Dominicana. Eles desenvolvem uma análise da mescla do espermatozoide de rato com óvulo humano e pretendem exibir os resultados num congresso sobre genética, mas as coisas, obviamente, saem do controle e o espécime escapa para o horror de quem vai encontra-lo pelo caminho. Com garras que matam por leptospirose instantânea, a criatura vai tocar o terror e solapar o projeto insano do cientista alucinado que pretendia ganhar o Nobel por sua invenção. Lançado em 1988, o filme é um dos mais bizarros do segmento e faz a velha mesclagem entre humanos e animais para a construção de uma narrativa com pouca dose de bom-senso e violência gráfica sem dosagem.

Com passagem tímida na década de 1990, os ratos retornaram com alguma expressividade nos anos 2000. Com exceção do luxuoso A Vingança de Willard, refilmagem de Calafrio, ou talvez, uma nova tradução intersemiótica do romance Vingança Diabólica, de Stephen Gilbert, as narrativas com os roedores de esgoto foram todas lançadas como telefilmes e até circularam por aqui em DVD. Ruins, os filmes em questão sabem exatamente os interesses do público consumidor deste tipo de conteúdo e desenvolve suas histórias com muitos excessos, efeitos toscos e personagem planos. Ratos, por exemplo, é um exemplar digno destas definições. Escrito e dirigido por Tibor Takács em 2003, o filme nos apresenta a investigação de uma repórter no Instituto Brookdale, nos Estados Unidos. O local, um sanatório para criminosos, é habitado por ratos assassinos gerados através de uma experiência do bizarro Dr. William Winslow (Ron Perelman). Considerada como louca após deflagrar os segredos do lugar, a repórter precisa lutar pela sobrevivência neste ambiente sujo, apavorante e com direito a um zelador que desenvolveu capacidades telepáticas para dialogar com os roedores. No ano anterior, o cineasta John Lafia, guiado pelo texto dramático de Frank Deasy, lançou Ratos em Nova Iorque, um horror ecológico sobre um clã de ratos transformados em praga depois que uma experiência laboratorial não sai como o planejado. Os monstros da narrativa infestam uma loja de departamentos e promovem o encontro da gerente Susan com o melhor exterminador da cidade, Jack. Eles se tornam um casal desejável até o desfecho e lutam contra a disseminação não apenas dos ratos de esgoto, mas dos pertencentes ao jogo político da cidade, tal como o prefeito, responsável por atrapalhar o projeto de contenção por interesses de imagem e assim, transformar a cidade num caos.

Retrocedemos mais um ano para falar sobre Ratos – Mutação Genética e Ataque dos Ratos, ambos de 2001. Dirigido e escrito por Serge Rodnunsky, o primeiro caso aposta na estrutura basilar do horror ecológico, isto é, a mutação com base em pesquisas laboratoriais desastrosas. A iniciativa até que é nobre, pois os envolvidos pretendem encontrar uma cura para o câncer, mas o professor Schultz e seu assistente Walter perdem a mão ao utilizar os ratos como cobaias. Os bichos crescem além do esperado e se tornam ameaçadores depois da administração inadequada de um componente químico num momento específico da pesquisa. O foco da ação é um grupo de quatro amigos que fazem uma festa e são surpreendidos por estas criaturas famintas por carne humana e devastação de qualquer coisa que encontram pela frente. No segundo caso, a direção ficou por conta de Jorg Luhdorff, também responsável pelo roteiro, narrativa que tem como mote uma onde terrível de calor em Frankfurt, considerada a maior dos últimos 150 anos. Com a greve estabelecida pelos trabalhadores municipais, em guerra com a prefeitura, o lixo e a sujeira de amontoam pelas ruas, situação que dá origem ao surgimento de uma infestação de ratos sem precedentes, criaturas cinzentas e grandiosas, também portadoras de um vírus mortal que pode devastar a humanidade. Uma jovem médica e um especialista em controle de pragas se unem para estudar uma possibilidade de eliminação das criaturas e claro, se tornar também o casal ideal para o desfecho romântico feliz. Pouco interessante, o filme traz a clássica cena de vingança dos roedores num evento político do prefeito corrupto, uma cena com sangue, efeitos visuais e especiais divertidos e mortes envoltas numa atmosfera de sarcasmo.

Do mesmo ano, Ratos Assassinos é um filme irregular na forma como a narrativa se desenvolve, mas há um argumento bem mais interessante, pois traz um elenco exclusivamente negro para debater, dentre tantas questões, a temática da discriminação e pobreza estadunidense, bem mais ácida e corrosiva que a nossa, ainda envolvida no velho mito da democracia racial. Sob a direção de Leslie Small, tendo como base, o roteiro de Stan Foster, o filme retrata um jovem que se torna o líder de uma população de ratos que começam a servi-los como propósito de atender aos seus anseios, isto é, a eliminação de alguns adversários. Crítica ao capital, a produção aborda moradores de rua, opressão racial, caos social e uma amizade que começa com a salvação de um camundongo da morte, ação que se transforma numa relação de trocas simbólicas bem interessante e reflexiva. Mais adiante, em 2006, tivemos dois filmes com ratos, produções que circularam comercialmente no Brasil por meio da locação e venda de DVDS. O francês Ratos – A Invasão de Paris e Hullberry Street – Infecção em Nova Iorque, narrativas que abordam catástrofes sociais com ratos em duas das grandes metrópoles ocidentais. No desenvolvimento da narrativa francesa, uma greve deixa a capital do país num estado caótico, cheia de lixo e sujeira, situação que origina uma infestação de ratos que trazem um vírus perigoso para a manutenção a saúde humana. Mais fantasiosa que a abordagem europeia, a produção situada em Nova Iorque retrata uma infecção que transformou alguns seres humanos em ratos mutantes, tendo apenas um pequeno grupo de pessoas na luta pela sobrevivência e erradicação da praga apocalíptica.

Ademais, os ratos estão presentes nas versões do popular Convenção das Bruxas, bem como em Roedores da Noite e A Fúria das Feras Atômicas, adaptações de obras clássicas assinadas por Bram Stoker e H. G. Wells, respectivamente, ambas tomadas por muita liberdade em seus desenvolvimentos. No caso de Roedores da Noite, de 1995, temos Roger Corman na direção de uma história bastante peculiar que traz o próprio Bram Stoker como personagem, mergulhado numa atmosfera de pesadelo com uma seita de mulheres que coordena uma horda de ratos para atender aos seus próprios benefícios. Aqui, os infames roedores são manipulados por forças humanas em prol de projetos de vingança e dominação, uma das abordagens menos comuns no campo do horror ecológico, mas presente também na representação de outros animais algozes. Já a tradução intersemiótica da história de H. G. Wells foi lançada quase vinte anos antes, em 1976, narrativa que pegou carona na onda ecológica aquecida por Tubarão, de Steven Spielberg. Intitulada por aqui de A Fúria das Feras Atômicas, o filme dirigido e escrito por Bert I. Gordon nos apresenta a busca pela sobrevivência por parte de um grupo isolado numa ilha na costa canadense. Lá, vespas, galinhas e os ratos, em especial, se alimentam de uma substância que brota do chão numa fazenda e se tornam criaturas gigantescas, anabolizadas por algo que saberemos mais adiante, é parte de uma pesquisa que (sempre) deu errado. Do mesmo realizador de O Império das Formigas Gigantes, o filme foca num grupo de pessoas levada por um jogador de futebol americano para curtir o final de semana de diversão, momento diletante que se torna um grande pesadelo em suas vidas. Por fim, quem se recorda do clássico Pesadelos Diabólicos, dos anos 1980, lembra que um dos segmentos do filme de três histórias traz a perseguição de uma ratazana contra uma família que dizimou parte de seus filhotes.

É uma produção que apesar do envelhecimento, ainda funciona dentro de suas limitações, interessante por abordar os velhos esquemas moralistas de muitos filmes de terror que servem como fábulas para discussões sobre comportamentos humanos. Depois desse panorama, um básico questionamento. Você, caro leitor, conhece mais algum filme assustador com ratos em posição antagonista?

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