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Fora de Plano #90 | Face It Alone: uma surpresa do Queen

Melancolia boa.

por Luiz Santiago
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Quando falamos de “canções inéditas do Queen“, entramos em um oceano gigantesco de especulações, teorias, demos vazadas e tentativas de Brian May e Roger Taylor — os atuais administradores e membros em versões contemporâneas da banda (primeiro com Paul Rodgers, depois com Adam Lambert) — em retrabalhar materiais descartados no passado. Ou seja, nós sabemos da existência de muitas dessas canções, inclusive com demos de guitarras, vocais, baixo ou bateria; mas não temos a versão oficial dessas produções, com tudo organizado numa legítima “canção do Queen“. Penso que as únicas exceções a isso, ou seja, verdadeiros inéditos lançados após a morte de Freddie Mercury foram No-One but You (Only the Good Die Young), em 1997; e Let Me in Your Heart Again, em 2014 (gravada durante as sessões de The Works, em outubro de 1983). E sim, eu sei que uma versão dessa música foi lançada por Anita Dobson, esposa de Brian May (que compôs a música), em seu álbum Talking of Love, de 1988. Mas os vocais ali eram dela, não de Freddie, e a banda que a acompanhava não era o Queen.

Das muitas faixas listadas como “inéditas” da Rainha, Face It Alone, era uma das que mais tinham histórias sobre longa duração e inúmeras variantes possíveis. A versão final para a faixa veio à luz em 13 de outubro de 2022, como antecipação do Box Set que a banda está preparando para o álbum The Miracle. Esta caixa será lançada em novembro de 2022, e deve vir com outras faixas inéditas, a saber, When Love Breaks Up (será esta a versão oficial do que a gente conhece como A New Life Is Born, faixa inacabada de Freddie que ele mesmo incorporou ao início da sensacional Breakthru?); You Know You Belong To Me (essa é nova para mim, realmente não ouvi falar nela antes); Dog With a Bone (há algumas versões de demos para essa faixa, uma delas tocada, em versão modificada, numa das Fan Club Convention da banda); Water (essa também é nova para mim, nunca ouvi falar) e I Guess We’re Falling Out (essa também tem demo circulando por aí há algum tempo).

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Demo de Face It Alone com a guitarra de Brian May

Ouvindo Face It Alone, a gente entende um pouco porque a banda quis lançá-la com antecedência, preparando o caminho para o Box Set. Primeiro, porque a produção dessa faixa é um absurdo de boa. O que a engenharia de som conseguiu realizar aqui foi incrível: uma mixagem que deixou a voz de Freddie absolutamente limpa, solidamente à frente das outras camadas de gravação. Uma voz que ouvimos com clareza, cantando uma letra que, sim, é muito simples e até bobinha, se vista isoladamente, mas que no conjunto da produção, é fantástica. Sobre isso, não se esqueçam, crianças: canções são formadas por letra e música! Letra sem música (ou recitada sem um ritmo específico pensado para ela) é poema, e música sem letra é uma composição instrumental. Em análises detalhadas, sim, podemos separar as partes e estudá-las, mas não se esqueçam que, se essas coisas estão juntas em uma faixa, não é por um simples acaso; por um capricho dos deuses. É de propósito mesmo (seja para o bem, ou para o mal), e deve ser considerada em sua totalidade para receber o devido veredito.

Gravada na mesma semana que Khashoggi’s Ship e Rain Must Fall, ou seja, durante as sessões de The Miracle (1989), Face It Alone também foi considerada pela banda para entrar oficialmente em Innuendo, seu disco seguinte, mas essa repescagem simplesmente não aconteceu. Normalmente, quando isso ocorre, é porque os músicos ou consideram a faixa sem qualidade, ou não a veem integrando aquele álbum em questão. É evidente que essa coisa da “falta de qualidade” nem sempre acaba sendo uma verdade do ponto de vista da crítica ou do público. Ou seja, existem faixas que são ótimas, mas que o grupo não adicionou em seus projetos, e no Queen, vemos isso em Soul Brother, que não entrou em Hot Space; em Let Me In Your Heart Again, que não entrou em The Works; e em Hang On in There, que não entrou para o The Miracle. No caso de Face It Alone, eu realmente acho que estamos diante de mais uma faixa desse tipo: uma fantástica produção que poderia ser trabalhada e entrar oficialmente para qualquer um dos dois discos para os quais foi pensada (especialmente o Innuendo, para ser sincero).

A faixa flerta com elementos típicos de um momento musical bem mais antigo do Queen, especialmente a fase entre Queen II e Sheer Heart Attack, com elementos melancólicos e relativamente sombrios na maneira como os acordes são arranjados. A percussão inicial dá uma cara possivelmente épica à faixa, mas isso não se concretiza, de modo que essa escolha se transforma em algo similar a uma premonição ou aviso de algo muito sério que se aproxima. Considerando a letra, sabemos o quanto isso é verdade, já que o eu-lírico discorre sobre a responsabilidade do indivíduo diante de um evento trágico em sua vida, um momento literalmente sombrio (“quando a Lua tiver perdido o seu brilho, você deve enfrentar tudo sozinho“) e que não pode ser burlado. Notem que são poucas as camadas de voz gravadas por Freddie, por isso temos uma dinâmica de repetição aqui, especialmente no final.

O resgate desse tipo de material é algo fascinante. Não importa a arte: toda reconstrução, todo encontro de relíquias artísticas deixa a gente feliz, e no caso do Queen, é empolgante porque falamos de uma produção atual, acompanhada por dois membros originais do quarteto, de trechos de voz e instrumentos gravados há décadas. É emocionante e interessante ao mesmo tempo, especialmente quando o resultado é tão bom quanto este que tivemos com Face It Alone. Aguardo ansiosamente para ouvir as inéditas que o grupo irá apresentar em novembro (2022). Estamos precisando de boas novidades assim.

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