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Crítica | Next Gen

por Ritter Fan
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É impressionante o status quase mítico que a história de amizade/rivalidade entre Steve Jobs e Steve Wosniak tem no imaginário popular, a ponto de ela ter sido e continuar sendo o gatilho para inúmeras obras, sejam biográficas e documentais, sejam de ficção, como o recente Jogador Nº 1 (e o romance em que foi baseado) e, agora, Next Gen, animação em computação gráfica em co-produção chinesa, americana e canadense que o Netflix distribuiu mundialmente debaixo de sua bandeira própria.

Baseado em história de Wang Nima, o roteiro de Kevin R. Adams, Joe Ksander e Ryan W. Smith, os dois primeiros também diretores, costura essa narrativa em uma obra que escancara nossa dependência quase ridícula por tecnologia e, mais do que isso, pelo consumo desenfreado, daqueles que nos fazem acumular versões anuais de “objetos do desejo” sem que nem sequer saibamos exatamente o que fazer com eles além de poder dizer em alto e bom som, em nossos respectivos círculos sociais, que nós os temos, batendo no peito com aquele orgulho efêmero e vazio. Aptamente intitulado Next Gen (corruptela de “próxima geração”), os smart phones são substituídos por robôs em um mundo futurista, mas não tanto, tendo como personagem central uma adolescente que cresceu rebelde em razão da separação de seus pais e a dependência absurda – e tristemente cômica – de sua mãe pelos gadgets cibernéticos mais viciantes do que crack.

Depois de uma apresentação em que Steve Jo… digo, Justin Pin (Jason Sudeikis) revela para o mundo a mais nova versão de seu Q-Bot, que ele promete que “revolucionará o mundo”, a jovem Mai Su (Charlyne Yi) acaba deparando-se com o robô 7723, fruto de um projeto secreto de Steve Woz.. digo, do Dr. Tanner Rice (David Cross) e inadvertidamente ativando-o. Sem saber o que exatamente fez e odiando tecnologia em razão do vício de sua mãe Molly (Constance Wu), que a pretere em relação a qualquer coisa eletrônica, a garota foge do laboratório no subsolo do QG da IQ Robotics. Sem saber, porém, 7723 (voz de John Krasinski, que parece realmente estar em todas em 2018) a persegue e, por sua vez, é perseguido pelas forças de segurança da empresa e da cidade, até que os dois, encontrando-se, estabelecem laços de amizade quando a garota descobre que pode usá-lo como seu guarda-costas anti-bullying e, também, como ferramenta destruidora dos robôs que ela tanto odeia. Mas 7723 tem um problema, oriundo da explosiva perseguição inicial: sua memória tornou-se limitada e ele é obrigado, toda noite, a apagar algumas para dar espaço para outras, criando todo o drama humano que filmes sobre robôs esmeram-se em estabelecer, na linha dos ensinamentos asimovianos e sorvendo inspiração de filmes como O Gigante de Ferro e O Exterminador do Futuro.

As lições de moral sobre consumismo, importância da amizade e a efemeridade da memória permeiam inteligentemente a narrativa, por vezes cambando para o didatismo, é verdade, mas sem perder completamente sua sutileza, o que por si só já é um alívio considerando-se o tanto de obras infanto-juvenis lançadas por aí que só faltam parar completamente a história, fazer o protagonista quebrar a quarta parede e dizer algo como “e, como vocês viram, acabamos de aprender que…”, subestimando a inteligência de seus espectadores adultos e, principalmente, mirins. O relacionamento de Mai e 7723, que ganha cores com o simpático cachorrinho cabeçudo que fala – somente para nós e para o robô (Michael Peña, em ótima performance vocal) – e com toda a renderização detalhada da vasta cidade de Grainland, é crível e não demora a ser estabelecido, com uma bela expressividade para 7723, de certa forma lembrando o maravilhoso trabalho da Pixar em Wall-E.

No entanto, faltou ao roteiro calma para construir a pequena Mai. Em uma sequência inicial em que a vemos crescer de uma doce garotinha para uma adolescente rebelde, recebemos tímidas informações sobre seus pais, de forma que o pulo para sua revolta contra a mãe e contra tudo que é eletrônico padece de um nexo de causalidade suave. Sim, é perfeitamente compreensível o trauma por seu pai a ter deixado, mas não só isso não é explorado por mais do que alguns segundos crípticos que até parecem querer enveredar por um “mistério”, como a fuga de sua mãe para os gadgets em detrimento a Mai é algo introduzido tardiamente, quase como se fosse um detalhe insignificante, ao passo que é elemento que dá estofo estrutural à narrativa. O filme, porém, tenta compensar esse problema com fogos de artifício e é particularmente impressionante a ambição das sequências de ação, notadamente no começo e no fim, com um CGI que se mantém firme e forte por toda a duração e rivalizando muita produção do gênero lançada nos cinemas, ainda que longe dos grandes exemplares do gênero, logicamente.

Next Gen é uma animação que poderia ter facilmente ganhado lançamento cinematográfico, sendo sem dúvida uma boa surpresa dentre as normalmente fracas produções originais do Netflix (que são em sua maioria “distribuições originais”, digamos assim). A computação gráfica de qualidade, os personagens quase que imediatamente cativantes e uma história cheia de elementos familiares e do dia-a-dia, mas com boa profundidade e forte alerta sobre o consumismo tornam essa pequena (mas grande) animação uma obra capaz de agradar várias gerações de espectadores.

Next Gen (Idem, China/Canadá/EUA – 07 de setembro de 2018)
Direção: Kevin R. Adams, Joe Ksander
Roteiro: Kevin R. Adams, Joe Ksander, Ryan W. Smith (baseado em história de Wang Nima)
Elenco: John Krasinski, Charlyne Yi, Jason Sudeikis, Michael Peña, David Cross, Constance Wu, Kiana Ledé, Anna Akana, Kitana Turnbull, Jet Jurgensmeyer, Betsy Sodaro
Duração: 105 min.

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