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Crítica | Succession – 3X05: Retired Janitors of Idaho

Não mexam em meu jatinho!

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas. 

Perceberam como, em Retired Janitors of Idaho, o presidente dos EUA foi derrubado off screen como se isso fosse algo corriqueiro, nada mais do que outra terça-feira na vida dos Roys e claramente menos importante do que o privilégio de usar jatinhos privados para locomoção? Notaram como, mais uma vez, os seres humanos normais, aqueles que sabem quanto custa um litro de leite, que tem profissões que os Roys nem sabem direito o que significam, como motoristas e garçons, são massacrados sem que eles sequer percebam isso de verdade? Por fim, viram como mesmo os acionistas da Waystar-Royco presentes na assembleia, claramente de classes sociais mais altas – pois os zeladores de Idaho certamente não apareceram por lá – foram manipulados e, em última análise, basicamente perderam tempo ouvindo abobrinhas enquanto a ação verdadeira acontecia nos bastidores?

Pois bem, isso é exatamente o que é Succession. E não, diferente do que dizem por aí, que Succession é uma série de humor negro e/ou satírica, ela, muito ao contrário, é um retrato sério do que exatamente acontece na vida real, quase que um documentário que amalgama a história do mundo corporativo especialmente americano com inteligência ímpar e somos nós, meros mortais, talvez (com certeza!) tão distante da realidade retratada nela, em que um milhão de dólares é troco da feira (e, tenho certeza, os Roys não sabem nem o que é troco e nem o que é feira…), que encaramos o que vemos com aquele humor que tipicamente deriva da completa incredulidade e até da mais pura inocência. Mas vão por mim: ligações como a que Roman atendeu do presidente americano – o fato de ele nunca ser nominado indica que eles falam basicamente do Trump ou de alguém como ele – realmente acontecem no cume das montanhas em que essa gente vive e sim, conglomerados midiáticos e outros – como farmacêuticos, automobilísticos, de agronegócio e bélicos – têm mesmo o poder que vemos aqui.

É por isso que, quando o próprio Roman fala, na gozação, que eles agora estão nas mãos dos “zeladores aposentados de Idaho”, referenciando os “zé ninguéns” que têm sua aposentadoria investida em um fundo de ações formado por quotas da Waystar-Royco – e para quem, tecnicamente, o clã Roy trabalha da mesma forma que os políticos deveriam trabalhar para o povo e não o contrário -, ele não está nem sem malvado ou sacana, pois os zeladores de Idaho não registram para ele mais do que nesse momento em que ele tirou a brincadeira da cartola. É basicamente a mesma coisa quando nós andamos na rua e pisamos em formigas sem sequer perceber que elas estão por ali.

O genial do episódio, portanto, é encapsular a série – e o distante mundo corporativo – em apenas uma hora e substancialmente em apenas um cenário, com todo o grupo do #TeamLogan reunido o tempo todo, deixando Ken e sua equipe, além de Sandy, Sandi e Stewy comendo pelas beiradas, mas sem relegá-los a um mero segundo plano desimportante. As engrenagens do roteiro de Tony Roche e Susan Soon He Stanton funcionam muito bem para reverter a uma situação familiar na série e que foi a ignição da série como um todo lá atrás, na 1ª temporada, ou seja, a incapacidade temporária de Logan levando sua família (e aqui eu incluo os executivos-chave que gravitam ao seu redor) ao caos completo. E o que resulta daí é outro show de atuações espontâneas de todo o elenco, inclusive os atores e atrizes que vivem personagens menores, como assistentes e especialistas em relações públicas que povoam o quartel-general de Logan Roy com uma intensidade tão genuína que a vontade que deu – e que fiz – foi rever o episódio só para reparar em suas reações e interações com o restante do elenco.

É nesse aspecto que a direção de Kevin Bray brilha, pois o espaço cênico que ele têm é enorme – o elenco não está em uma sala com quatro paredes, mas sim em um foyer aberto, enorme e iluminado de um hotel, o que torna a composição dos espaços ainda mais complexa, especialmente com o grande número de personagens por ali. Mas reparem como a ação em todos os planos – esqueçam o primeiro e segundo, tentem prestar atenção no terceiro e quarto planos – é milimetricamente trabalhada para transparecer realismo que é traduzido, neste caso, em exasperação, dúvidas e, claro, a busca por poder, com cada um fazendo seu próprio jogo enquanto o patriarca sofre de um estado de confusão causado pela privação de seus remédios para tratar de uma inflamação urinária.

No entanto – e a avaliação lá do começo da crítica não deixa dúvidas – incomodei-me justamente com a forma como Logan é “retirado” do tabuleiro de xadrez para que seu grupo, de certa maneira capitaneado por Shiv, mas tendo Ken também por trás tentando levar todos a um acordo para impedir uma perigosa votação, lide com a crise sozinho, chegando, claro, a um resultado que o Logan lúcido jamais aceitaria (ele não aceitaria NENHUM resultado, só para ficar claro, já que ele não teria participado do processo). A reutilização da premissa da 1ª temporada me pareceu desnecessária, com a doença de Logan – imagino que haja conexão com seu quase desmaio em Lion in the Meadow, mas ela não foi estabelecida firmemente – parecendo mais um artifício simples para criar a tensão no episódio. E o pior é o pareamento, a paralelização de situações no lado dos Roys com Sandi servindo de porta-voz para seu pai Sandy, lúcido, mas preso a uma cadeira de rodas e incapaz de falar normalmente. A primeira coisa que me veio à mente foram aquelas séries de televisão “enlatadas” da década de 80 (ou algumas recentes, como Lucifer) em que o “caso da semana” sempre comentava a situação macro do episódio entre o elenco fixo, ou vice-versa.

Em minha concepção, Succession simplesmente não precisa recorrer a esse expedientes baratos para funcionar magistralmente e, aqui, no aspecto específico desse escanteamento de Logan, achei que ficou forçado demais e, em última análise, desnecessário, já que havia outras formas de tirá-lo de circulação ou, melhor ainda, inclui-lo no jogo, mas fazendo com que o resultado fosse o mesmo. E que resultado é esse? Simples. Retired Janitors of Idaho mostra que o importante é fazer a roda girar sem sair do lugar, em manipular todo mundo de maneira que haja a impressão de movimento, mas sem que ele realmente aconteça. As “pessoas comuns” são meros inconvenientes que estão a serviço do topo da pirâmide sem sequer perceber que existe uma pirâmide…

Succession – 3X05: Retired Janitors of Idaho (EUA – 14 de novembro de 2021)
Criação: Jesse Armstrong
Direção: Kevin Bray
Roteiro: Tony Roche, Susan Soon He Stanton
Elenco: Brian Cox, Jeremy Strong, Sarah Snook, Kieran Culkin, Alan Ruck, Nicholas Braun, Matthew Macfadyen, Peter Friedman, J. Smith-Cameron, Natalie Gold, Justine Lupe, Sanaa Lathan, Hiam Abbass, James Cromwell, Hope Davis
Duração: 60 min.

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