Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | Texone – Vol. 6: O Grande Roubo

Crítica | Texone – Vol. 6: O Grande Roubo

Uma perseguição cheia de surpresas.

por Luiz Santiago
325 views

Existem detalhes narrativos em algumas histórias de Tex que acabam fazendo toda a diferença na forma como entendemos ou avaliamos a aventura em questão. Nessa implacável perseguição mostrada em O Grande Roubo (1993), trama com roteiro de Claudio Nizzi e arte absolutamente marcante de José Ortiz, temos um exemplo desse tipo de detalhe que faz toda a diferença e que se divide em duas grandes camadas, uma no desenvolvimento, onde os artistas criam uma atmosfera tensa, uma paranoia que vai ganhando corpo e deixando diferentes grupos de bandidos em estado de atenção; e outra no final, que é de um cinismo, de uma “justiça poética” ou de uma tragédia simbólica que faz o leitor sorrir com bastante amargura, dando o retoque final em um roteiro já bastante impiedoso.

Os casos de roubos a trens são muito comuns em histórias de faroeste, tanto nos quadrinhos de Tex quanto em produções cinematográficas do gênero, na literatura ou mesmo em obras da nona arte que não seja da Sergio Bonelli Editore. É a representação de ações que de fato aconteceram e que atormentaram soldados e donos de banco durante décadas nos Estados Unidos — aliás, assaltos a trens não são algo exclusivo nem desta época e nem desse país, que fiquei bem claro. O roteiro, no presente caso, escolhe tratar esse roubo de uma forma diferente, mais cruel e mais cheia de meandros nos caminhos a serem percorridos pelos mocinhos e pelos bandidos. A preparação para o assalto, que é a primeira cena da HQ, já diz muito do que o leitor irá encontrar pela frente. Um grupo de infames que não aceitarão ser passados para trás e que querem, a todo custo, colocar as mãos no dinheiro dos soldados.

O momento de maior humor do texto está justamente na apresentação do espaço onde a ação irá acontecer. Tex e Kit Carson trocam algumas palavras sobre dormir ou não conseguir dormir num trem em movimento, e essa conversa é tão bem modulada em seu ponto cômico e na forma como a arte de Ortiz demonstra as expressões e os ângulos da dupla dinâmica, que o leitor não fica indiferente: é riso solto na certa. A partir daí, a atmosfera leve vai desaparecendo e dando lugar a uma tensão que ganhará níveis diferentes no decorrer das páginas, mas que jamais sairá de cena. Grande criador de expressões e conhecido por ter uma dinâmica cinematográfica na maneira precisa como escolhe ângulos e planos para cada quadro, personagens e cenas, José Ortiz está completamente à vontade aqui, fazendo um excelente trabalho de demarcação da moral dos personagens já em suas primeiras aparições em cena. Uma arte de traços fortes, finalização suja, com lápis grosso e muitas sombras e hachuras quando necessário, dando para o leitor uma boa visão de indivíduos que verá fazendo coisas incríveis (para o bem ou para o mal) dali para frente.

E da mesma maneira como o grande roubo é bem preparado e a tensão se estabelece a cada novo quadro — pois não sabemos quantos inocentes irão morrer por conta da ganância desses bandidos –, Claudio Nizzi faz questão de quebrar com a nossa expectativa e não apenas fazer uma história simples de perseguição ou de possíveis traições entre os criminosos. Não que sejam temas ruins, mas porque há um ponto de vista diferente e bem mais instigante para se trabalhar esse tipo de situação, e o autor faz isso separando os assaltantes em diversos grupos após a descoberta de que os “sacos de ouro” roubados do trem estavam lotados de arruelas de ferro. Um mistério, portanto, se estabelece. Tex e Kit quebram a cabeça para descobrir de qual parte do bando surgiu a ideia, quem os apoiava e o que de fato aconteceu para que aquele engodo fosse aplicado. Num primeiro momento, nada faz sentido. A verdade parece se esconder dos rangers.

À medida que as respostas surgem, porém, ficamos ainda mais animados e a trama ganha cada vez mais pontos de grandeza e mistério, com mais sede de vingança e principalmente de medo, por parte do “grande cérebro” por trás de tudo. Exceto por algumas pequenas cenas de ligação onde temos diálogos simples entre Tex e Kit, a história é um grande exemplo de enredo funcional e importante, com arestas aparadas, sem cenas vazias e que não dizem nada para a história e com uma escalada lógica e cuidadosa dos eventos. Primeiro o assalto, depois as consequências dele, depois a criação de um enredo de “consequências distanciadas” — quase uma parte dois do que vemos na cena inicial do volume, e que, à medida que se aproxima do final, vai diminuindo de personagens, deixando um grande rastro de cadáveres pelo caminho. Então chegamos à cena final. Não bastasse ser uma cena de trem em movimento (que já é algo muito tenso e intenso, em qualquer tipo de aventura): o autor ainda inseriu o “salário do pecado” para Linda e Linch, fazendo-os saltarem para a morte no momento em que fugiam da “justiça dos homens“. É um daqueles detalhes narrativos que comentei no início e que engrandecem ainda mais uma história que já terminaria em alta conta.

Tex: O Grande Roubo (La Grande Rapina / Tex Albo Speciale – Texone #6) — Itália, junho de 1993
Editora original: Sergio Bonelli Editore
No Brasil: Editora Globo (1994); Editora Mythos (2006); Edição Gigante em Cores #6 (Mythos, 2015) e Tex Gold n°23 (Salvat, outubro de 2018)
Roteiro: Claudio Nizzi
Arte: José Ortiz
Capa:
José Ortiz
232 páginas

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais