Lançado há quase três anos, Barbarian foi crescendo graças ao boca a boca gerado com a sua trama. Naquele momento, Zach Cregger era mais conhecido como comediante, mas conseguiu chamar atenção ao subverter as expectativas no familiar subgênero do home invasion. As primeiras reações em torno de Weapons, seu segundo filme, foram tão positivas que fizeram a Warner adiantar o lançamento, e bem, ter isso em mente, é um fator que provoca ainda mais a curiosidade para o mistério por trás do desaparecimento de 17 crianças de uma pequena comunidade suburbana, todas no mesmo horário, às 2:17 da madrugada, exceto uma. Esse mistério, que foi o chamariz para o longa, é apresentado ao público através da narração de uma criança, como um conto, “Essa é uma história real”, anuncia, preparando o terreno para o tortuoso quebra-cabeça.
Se há uma forma de resumir Weapons, é como se estivéssemos diante de um conto de Stephen King, mas dirigido por Sam Raimi graças à maneira autoral com a qual o cineasta americano concebe seu filme. Contudo, tal comparação seria pouco para os vários acenos que a produção faz. Um bom exemplo disso está na semelhança com a qual a trama e ambientação remetem a Os Suspeitos — a desconfiança, as reações, a pressão por respostas — ao mesmo tempo que a estrutura narrativa lembra Magnólia — principal inspiração de Cregger — e também a Pulp Fiction no que se refere aos arcos distintos dos personagens, os cortes bruscos e as histórias que se convergem.
De Villeneuve a Tarantino, a proposta é diferente para um filme de terror que não está preocupado em jumpscares e aproveita essa configuração para potencializar a performance do elenco. Se em Barbarian a quebra de expectativas era usada para burlar os tropos do gênero e embaralhar a estrutura de três atos, aqui Cregger se mostra mais confiante em sua direção e em contar uma história. O que ilustra muito bem isso é o trabalho de câmera, com os planos acompanhando os personagens ou vice-versa — como na cena de Archie (Josh Brolin) entrando numa casa — e abraçando cada vez mais a natureza da história. Fica evidente que, em cada capítulo/personagem, Weapons parece distinto, porém, a intenção do diretor é usar as situações que envolvem os coadjuvantes como peças para adentrar ainda mais no mistério.
Ser comparado com Magnólia, coloca Weapons em um patamar que não o categoriza como um “terror elevado” ou por seus momentos de susto, e sim chama atenção por Cregger fazer um terror digno de ser chamado de cinema. Se observamos os capítulos, o diretor conseguiu dar personalidade, os moldando conforme cada personagem, a exemplo da paranoia com Justine (Julia Garner), ou da impulsividade e violência do policial Paul (Alden Ehrenreich), mas o que dá o tom e captura a desconfortável atmosfera é a maneira que Cregger filma. A câmera em primeira pessoa, os takes se movimentando nos espaços, os planos emulando o voyeurismo — como se os personagens fossem observados por uma presença invisível — mantém a intenção por Cregger está contando essa história muito mais pelas imagens na perspectiva de cada figura deste mistério.
A impressão de que estamos acompanhando pequenos contos que se entrelaçam na narrativa só pontua como é interessante observar a capacidade de Cregger em ser criativo. Ao mesmo tempo que se divide entre ser e não ser um terror comercial, a graça de A Hora do Mal está em como o cineasta se debruça para contar essa história longe da linha convencional para um público que espera por reviravoltas e sustos fáceis com uma ambição narrativa que impressiona. Do tom mais dramático e tenso com o desaparecimento das crianças, assim como a mudança de perspectiva com a câmera, a real ameaça aqui vai se tornando cada vez mais próxima, e ao contrário do seu trabalho anterior, os cortes inesperados mantém o ritmo e interesse uma vez que sabemos que os capítulos estão indiretamente interligados.
Chegar ao ápice da história, quando a linha entre o humor mórbido e o absurdo, as alegorias visuais e o sentido por trás do título tomam forma, é quase como ver um novo clássico do terror surgindo. Cregger faz um conto suburbano sobre crianças desaparecidas, pais paranoico e luto ser uma das melhores adaptações de King sem ele sequer ter escrito, mas adicionando a isso uma proposta narrativa inventiva que se choca com desfecho inesperado. É ótimo ver que mesmo a reviravolta estando em alta, de alguma forma, o ato final como o momento de explorar o conceito tem voltado — a exemplo de Pecadores — por isso, o que Cregger faz nesse desfecho é algo inesperado, insano e impagável em um nível sombriamente cômico e ousado como se O Iluminado encontrasse Madrugada dos Mortos. Em suma, Weapons é masterpiece.
A Hora do Mal (Weapons – EUA, 2025)
Direção: Zach Cregger
Roteiro: Zach Cregger
Elenco: Julia Garner, Josh Brolin, Alden Ehrenreich, Amy Madigan, Benedict Wong, Austin Abrams, Cary Christopher, Toby Huss, June Diane Raphael, Whitmer Thomas, Callie Schuttera
Duração: 128 min