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Crítica | Monstro do Pântano #43 – 50: O Assassinato dos Corvos (1986)

por Luiz Santiago
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O que fazer quando uma editora cria uma mudança inteira de seu Universo de publicações e todos os quadrinhos dessa editora precisam passar por uma reformulação conceitual — de tempo e espaço — para caber nesse novo “estado das coisas“? Essa é basicamente a pergunta que fazemos ao olhar para as mensais da DC Comics entre 1985 e 1986, que se prepararam e atravessaram a Crise nas Infinitas Terras, o famoso evento que, em poucas palavras, extinguiu o Multiverso DC que apareceu pela primeira vez na na The Flash #123 (1961).

O evento foi mais sentido para os grandes medalhões da casa, mas publicações importantes — embora underground — como A Saga do Monstro do Pântano também tiveram que passar por esta conjunção de mundos. E novamente colocamos a pergunta inicial: o que fazer quando esse tipo de arranjo é uma obrigação da editora e os roteiristas não tem nada o que fazer além de criar uma maneira orgânica de que essas mudanças tenham efeito em sua série?

Para Alan Moore, à época no leme da MdP, a ideia foi abraçar a mudança por completo. Se era para falar da criação de um novo espaço-tempo, com todas as Terras em um único Universo, então o escritor faria isso. E iria fundo no conceito de “criação”.

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Aproveitando-se de alguns acontecimentos mais ou menso soltos entre as edições #35 e 42, Moore resolveu colocá-los como consequências prévias desse momento, sintomas de uma grande mudança que estava por vir; uma espécie de febre que anunciava uma enfermidade, um céu se fechando antes da tempestade. Desse modo, tanto os dramas com os vampiros, lobisomens, zumbis e o anúncio via John Constantine de que algo realmente perigoso estava vindo (embora naquele momento ninguém sabia exatamente o quê e todos os conhecidos místicos do anti-herói davam um nome distinto para o fato) se justificaram organicamente e sem esforço algum.

A trilha para a danação do Universo começa de maneira quase despreocupada, através de um conto moral envolvendo um personagem chamado Chester Williams, em sua primeira aparição nas HQs. O questionamento dele é pertinente e ecoa em nossa cabeça mesmo quando a história termina: se houvesse um tubérculo que, ao ser ingerido, te faria reagir de forma harmônica ou grotesca — dependendo do que existir em seu interior, em sua alma –, você o comeria? Pensem bem a respeito. O julgamento moral parte de uma autoanálise profunda e difícil de ser feita, afinal, há momentos em que a linha entre bem e mal é tênue ou simplesmente não existe. Curiosamente, esse conceito reapareceria no futuro e se tornaria o núcleo da explicação para o fim da saga, na edição #50.

Ao longo dessas revistas, tivemos algumas mudanças constantes na equipe. Stan Woch foi quem mais desenhou e John Totleben foi quem mais finalizou a arte, uma junção de artistas que deu ao cenário o seu foco ainda mais intenso de mudanças. Há uma sequência em E O Vento Trouxe (#43) em que Woch e Ron Randall se inspiram diretamente no trabalho de Totleben e Steve Bissette em Rito de Primavera, inclusive na indicação libidinosa que envolveu o rito, só que o ponto de partida e o tipo de “viagem” feita aqui é de um outra espécie de compreensão e contemplação, de entendimento e aceitação da morte como parte necessária da vida. Uma representação tão bonita e tão profunda que marca o leitor tanto quanto a edição que lhe serviu de modelo.

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Bichos-Papões (#44) é uma história de terror com direito a cameo Batman e desenhos de olhos, muitos olhos, além de uma versão completamente diferente do Pantanoso. Bissette, Randall e Totleben apostaram em nuances visuais macabras, nojentas e meio surrealistas para compor a diagramação das páginas e para mostrar diferentes visões do medo (o Monstro brotando no banheiro de Abby é um exemplo disso), além de fazerem uma versão completamente assustadora do personagem no final. A história tem toda uma pegada de lenda urbana que se for lida à noite e em silêncio, pode fazer o leitor querer cobrir o pé.

A edição #45, Dança dos Fantasmas, é mais um daqueles contos que se justificariam pela chegada de um espectro espiritual vindo com a unificação dos Universos, cujo crossover aconteceria em Revelações (#46).

Ao mostrar primeiro os mundos distantes sofrendo com a mudança no Multiverso (a tragédia do outro, vista de forma quase indiferente) Alan Moore nos prepara para as possibilidades do mesmo sofrimento se abater sobre o nosso planeta. E o caminho para mudar isto é o conhecimento. Os Universos se unem, mas isso deixa uma ferida no novo Universo que se firma. E como não podia deixar de ser, coisas e pessoas ruins perceberam isso como uma possibilidade. É com base nesse contexto que a partir da edição #47, O Parlamento das Árvores, vemos o mal se erguer sorrateiramente para conseguir espaço de destaque nesse Universo frágil e ‘jovem’.

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Com arte de Stan Woch e finalização de Ron Randall, O Parlamento das Árvores é a mais bela edição de toda essa epopeia. Com diferentes exposições dos desenhos — preto e branco; colorido; com finalização simples e com hachuras — vemos uma reconstrução do Monstro do Pântano a partir da flora sul-americana e o resultado disso é quase divino. O encontro dele com o Parlamento serve apenas para levantar mistérios, deixando o personagem bravo, mas com um conhecimento que o acompanharia no derradeiro momento, durante a grande batalha na edição #50. Aqui também vemos a apresentação da Brujería, com quem o Monstro luta na edição #48, Revoada de Pássaros, e da ave diabólica levando a pérola da danação para os confins do Universo material e espiritual.

O resultado dessa preparação pode ser visto em O Conjuro (#49) e Fim (#50) onde há um desfile de personagens B da DC Comics muito bem contextualizados por Alan Moore. Estão presentes aqui, além do Monstro e John Constantine, o Trio Demoníaco (Abnegazar, Ghast, Rath), Caim e Abel — que assistem à batalha de longe –, o Barão Inverno (feiticeiro e o mentor do Força Noite, um grupo de indivíduos escolhidos para lutar contra ameaças sobrenaturais), Mento (Steve Dayton), Desafiador (Boston Brand), Etrigan, Doutor Oculto (Richard Occult), Vingador Fantasma, Sargon, O Feiticeiro (John Sargent), Espectro (Aztar/Sem Hospedeiro), Senhor Destino (Kent Nelson/Nabu), Zatara, Zatanna e Presença, a representação divina que aparece de última hora com uma proposta que nos faz pensar muito sobre a natureza do bem e do mal que tanto esteve em alta ao longo de todas essas edições.

O que faz o nosso Universo ser do jeito que ele é? Por que a morte e alguns crimes parecem ser inerentes à presença dos humanos vivendo em conjunto? Existe, de fato, um “mal verdadeiro“? É possível dizer que a polaridade do Universo não permite o diálogo entre as diferentes forças e, para que uma exista, é necessário que a outra morra? Essas perguntas pairam no ar após o final arrebatador desse ajustamento de Universos. Alan Moore transformou a Crise nas Infinitas Terras em uma grande “desculpa” para falar do lado espiritual desse espaço recém-nascido. E o fez de maneira bárbara.

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Tudo mudou ou existe algo diferente? No final da história, eu estive pensando… é como fazer aniversário (e isto é bem sintomático, porque escrevo esta crítica na véspera de meu aniversário de 29 anos): as coisas continuam a mesma mas a SENSAÇÃO que você tem, ao olhar para elas, muda quase que num passe de mágica. E é ainda mais interessante que, nos primeiros anos, você não faz ideia disso. A longo prazo e com o olhar treinado, é possível sentir essa nova fase, o nascimento de uma nova era, um novo momento de opostos entre forças. Todas elas. Isso está aqui nesse arco. Quanto demorará até que esse Universo se perceba criado e passe a agir sob esse seu novo status? Quanto tempo para uma tabula rasa ser preenchida com coisas ruins?

A Saga do Monstro do Pântano – Livro 4 (Monstro do Pântano #43 a 50) — Swamp Thing #43 – 50  — EUA
Roteiro: Alan Moore
Arte: Stan Woch (#43, 45, 47, 49), Steve Bissette (#44, 46, 50), Ron Randall (#44), John Totleben (#48), Rick Veitch (#50)
Arte-final: Ron Randall (#43, 47), John Totleben (#44, 46, 48, 50), Alfredo Alcala (#45, 49), Tom Mandrake (#50)
Cores: Tatjana Wood
Letras: John Costanza
Capas: Steve Bissette, John Totleben
Editoria:Karen Berger
Data original de publicação: dezembro de 1985 a julho de 1986
Publicação deste volume (no Brasil): A Saga do Monstro do Pântano – Livro 4 (abril, 2015)
226 páginas (encadernado)

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