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Crítica | A Vitória da Fé (1933)

por Luiz Santiago
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Tudo aconteceu muito rápido para Leni Riefenstahl após a sua desistência definitiva da carreira como dançarina, por volta de 1925. Em 1926 ela atuaria num importante filme alemão, Monte Sagrado, um dos vários  “filmes de montanha” que faria juntamente com o diretor Arnold Fanck, pioneiro no gênero. Em 1932 a artista estreava na direção, com o ótimo A Luz Azul, um filme de montanha cuja escrupulosa estética agradou imensamente à base de propaganda nazista, que chegaria ao poder no ano seguinte. A pedido do próprio Hitler, a diretora foi escalada para assumir a direção de um documentário de propaganda, o registro do 5º Comício do Partido Nazista em Nuremberg, que se deu entre os dias 30 de agosto e 3 de setembro de 1933. Este é o tema do presente filme, A Vitória da Fé.

Com apenas alguns dias para preparar as filmagens, Riefenstahl estava diante de uma tarefa imensamente importante. Sua simpatia por Hitler, o peso de ser uma diretora indicada pelo partido para dirigir um filme institucional e a intenção que esse tipo de obra tinha para o Reich (divulgar o partido e “educar” — na verdade doutrinar — as massas) a colocava em uma posição delicada, além do fato de este ser o seu primeiro documentário e de ela não ter tanta experiência assim atrás das câmeras.

Como abordagem, a diretora utilizou a mesma dinâmica cênica que aprendera fazendo filmes de montanha: o espaço deve ser muitíssimo valorizado, mas a câmera não pode ficar alheia aos detalhes, que devem ser capturados com grande impacto, em primeiríssimos planos, destacando ao máximo a força daquele objeto. É verdade que não existe aqui o mesmo apuro estético (especialmente na fotografia) que marcaria o documentário posterior da cineasta, O Triunfo da Vontade, mas já podemos ver algumas escolhas de abordagem que permeiam os dois filmes, desde o ideal de “chegada dos visitantes para o comício” — com planos sobre a cidade, detalhes de sua arquitetura e então a preparação ou chegada de políticos e cidadãos ao local de encontro — até a pormenorização dos detalhes de todo o ritual ideológico que um evento como este possui.

A atenção aos inúmeros simbolismos possíveis para gerar identidade, aproximar o povo e dar um sentido mitológico para a ideologia que defende é algo recorrente nos fascismos e autoritarismos em geral, de modo que a atenção aos detalhes que Riefenstahl tinha como marca autoral cabia como uma luva a esse tipo de projeto, num propósito maior de destacar as bandeiras, a massa, as faces graves ou sorridentes, a saudação, a grandeza e a constante demonstração de força que a “Nova Alemanha Acima de Tudo” estava construindo. Note que além de ser um filme de propaganda, A Vitória da Fé é um registro histórico de grande importância, o tipo de obra que hoje podemos acessar com facilidade e que é capaz rebater, na fonte, a quase totalidade das tags histórica, econômica e politicamente errôneas atribuídas ao nazismo.

O principal motivo pelo qual o filme ficou perdido por muitos anos tem a ver com um evento histórico que aconteceria quase um ano depois de sua lançamento, a famosa e infame Noite das Facas Longas, expurgo de e para o núcleo nazista que teve como principal alvo Ernst Röhm, o líder das SA. Na noite de 30 de junho para 1º de julho de 1934, uma facção fiel a Hitler executou uma série de outros nazistas ligados à proposta ideológica de Gregor Strasser, que propunha uma maior distribuição das riquezas para o povo alemão, o que desagradou ao Führer e sua base mais próxima aliada aos grandes empresários. O líder do partido também via com maus olhos a popularidade de Ernst Röhm e a quantidade de homens das Tropas de Assalto que lhes eram fiéis. Aqui em A Vitória da Fé, Röhm, as SA e muitos militares tiveram um grande destaque, algo que se tornou um problema após a Noite das Facas Longas. O filme então foi retirado dos cinemas e suas cópias destruídas. A versão restaurada que temos hoje, ao que tudo indica, foi feita a partir de uma cópia pessoal da diretora.

Em diversos sentidos podemos considerar A Vitória da Fé como uma introdução a O Triunfo da Vontade. Aqui estão expostos de maneira meio rústica, mas emocionalmente eficiente, o ideal de nação de Hitler, aquilo que ele sonhava para o povo ariano, o seu ódio aos “vermelhos” e a imponência da arte que então pretendia tornar como padrão do Reich. Planos muito bonitos em rostos de soldados ou nos garotos da Juventude Hitlerista (o enquadramento em contra-plongée aqui é a regra), concentrados no discurso ultranacionalista, mostram um pouco do caráter romântico, íntimo e emotivo que a diretora trouxe para esse registro do Comício, além do fato de acompanhar as inúmeras marchas, visitas e outros rituais que acabam se tornando patéticos e desinteressantes do meio para o final do filme. Um documentário sobre a paixão cega de um povo frente à promessa de uma Nova Era em seu país. Uma Nova Era que destruiria parte da Europa, colocaria fim a milhões de vidas e marcaria em definitivo a História do século XX.

A Vitória da Fé (Der Sieg des Glaubens) — Alemanha, 1933
Direção: Leni Riefenstahl
Roteiro: Leni Riefenstahl
Elenco: Joseph Goebbels, Hermann Göring, Rudolf Hess, Heinrich Himmler, Adolf Hitler, Robert Ley, Willy Liebel, Ernst Röhm, Albert Speer, Margarete Speer, Julius Streicher, Franz von Epp, Franz von Papen
Duração: 61 min.

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