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Crítica | Aleluia (1929)

por Bruno dos Reis Lisboa Pires
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Já estabelecido no ano anterior como um dos maiores cineastas da era muda graças ao lançamento de A Turba (1928), King Vidor resolveu jogar de forma arriscada ao fazer seu primeiro filme falado. Saindo dos estúdios da MGM para gravar em locação um drama com o elenco composto inteiramente por negros, o realizador, naquele momento conhecido por todo o EUA, abre mão de seu salário para contar essa ousada história de um homem perdido entre o divino e o carnal, que segundo os produtores era mais revolucionário que o próprio surgimento do cinema falado.

Zeke, meeiro de uma fazenda de algodão, se vê no fundo do poço depois de perder todo seu dinheiro num jogo de dados arquitetado contra ele. Após momentos de barbaridade, um plano do céu revela a Zeke a presença de Deus, o que o motiva a tornar-se pastor. Mesmo sendo um filme que busca elevar essa espiritualidade e chocá-la com o mundo físico (não são poucas as vezes que Zeke pensa em voltar atrás), a motivação de tudo isso é o dinheiro, assunto já abordado por Vidor em seu filme anterior. Em A Turba, o capitalismo dava vida a um mundo fantástico que ultrapassa a vida de qualquer pessoa, uma experiência viva dentro dum universo de artificialidades, o que aqui não é diferente.

Zeke é atropelado pela cobiça, pela traição, pela raiva, uma partida de dados crucial para sua vida, que o motivou a fugir e retornar à simplicidade das coisas ao virar pastor. O filme te expõe com sinceridade que o voto de fé de seu protagonista não passa de um desprendimento da vida material motivado pela desistência no mundo como ele vem girando. Mais para o fim do filme, Zeke é desafiado inúmeras vezes a voltar para sua ex-namorada (que arquitetou o jogo que o faliu) e largar sua jornada espiritual, lembrando-o dos prazeres carnais abandonados tornando-se missionário. É quase como se Vidor revelasse o preço do capital: um país fadado ao trabalho e a intensidade dos sentidos provocados por ele só por alguns momentos de descontração entre o inferno de cada dia. A simplicidade não é o bastante para um mundo já sustentado pelas amarras do capital.

No entanto, é importante dar atenção a esse olhar paternalista que Vidor dá aos seus personagens. Por mais que tenha sido algo corajoso para a época produzir um filme com o elenco 100% negro, a representatividade pode ser um pouco mal orientada. Não há uma pessoa na história que não se encaixe no padrão estabelecido: feliz, despreocupado e cantante. Mesmo atrelados a um modelo trabalhista que os faz suar nas fazendas de algodão diariamente e viver em barracos, não há ninguém no filme preocupado em mudar de vida senão Zeke, fora ele, todos continuam cantando no seu tempo livre, como se não estivessem sendo engolidos pelo sistema que os engloba. Mesmo sendo uma visão branca sobre um mundo completamente a parte, não deixa de ser um comentário tenaz sobre a impotência do homem comum diante da barbárie que é nosso dia a dia.

Zeke se vê entre orações e pessoas que confiam na sua pregação, mas o mesmo parece nunca se conformar com o lugar que vive. Está entre o carnal e o divino, sem perspectiva nem mesmo diante da cruz. Em O Grande Desfile (1925), Vidor usava o plano/contraplano para expor de um lado, o glorioso, e do outro, o terror da guerra. Aqui, há o céu e o homem que tenta enfrentá-lo, questionando seu próprio lugar, imerso numa realidade onde as pessoas já estão confortáveis em seu próprio sofrimento. Resta a dúvida do homem simples olhando pro céu, sem saber quem somos.

Aleluia (Hallelujah) — EUA, 1929
Direção: King Vidor
Roteiro: Wanda Tuchock, Richard Schayer, Ransom Rideout, King Vidor
Elenco: Daniel L. Haynes, Nina Mae McKinney, William Fountaine, Harry Gray, Fanny Belle DeKnight, Everett McGarrity, Victoria Spivey, Milton Dickerson, Robert Couch, Walter Tait, Dixie Jubilee Singers
Duração: 109 min.

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