Alien: Earth, a primeira série da franquia Alien chegou e, apesar de os dois episódios iniciais terem sido lançados simultaneamente, fizemos duas críticas separadas, a primeira redigida antes de o segundo episódios ser conferido. Vamos a elas e, lá nos comentários, digam o que acharam dos episódios!
1X01
Terra do Nunca
Noah Hawley vem se consolidando como o mestre das adaptações, para o formato de séries de TV, de materiais originalmente criados para outras mídias. Da maneira mais improvável possível, ele começou essa sua trajetória em 2014, transformando o sensacional longa-metragem Fargo, dos Irmãos Coen, em uma igualmente – por vezes até melhor – série que, até o momento da presente crítica, conta com nada menos do que cinco temporadas, nenhuma delas menos do que excelente. Em 2017, ele arregaçou as mangas e colocou Legion nas telinhas, série que é facilmente uma das melhores baseadas em quadrinhos. E, agora, é a vez da franquia Alien, tão maltratada ao longo das décadas, ganhar o “tratamento Hawley”, com uma série muito esperada, mas que teve sua produção atrasada em razão tanto da COVID-19 como da greve dos atores de 2023.
Como o subtítulo deixa claro, a obra é situada na Terra, em 2.120, tecnicamente apenas dois anos antes do longa original de 1979 e 16 anos após Alien: Covenant. Digo tecnicamente porque, muito sinceramente, eu não me importo nem um pouco com discrepâncias nesses encaixes de novas histórias. O que realmente importa, já que o reaproveitamento de propriedade intelectual em Hollywood é um fato consumado e inevitável, é que a nova obra tenha qualidade e que consiga se firmar com os dois pés no chão, mesmo que isso signifique que, aqueles que ligam para canonicidade perfeita tenham que se descabelar algumas vezes. De minha parte, com exceção de tecnologias que talvez possam ser vistas como discrepantes, como o aparelho de TV vista no rápido flashback da sintética Wendy (Sydney Chandler) que mesmo hoje em dia já é pelo menos duas décadas obsoleta, não vi nada, neste primeiro episódio, que não possa ser ou explicado de maneira simples ou meramente ignorado.
Aliás, diria que Hawley foi espertíssimo na forma como conduziu o início de Terra do Nunca, deixando primeiro claro que seu foco é na corrida corporativa pela imortalidade e, depois, praticamente recriando Alien, o Oitavo Passageiro maravilhosamente bem, só que com passo acelerado, para já arremessar a nave USCSS Maginot (mais um nome bem bolado para espaçonaves nesse universo), da Weyland-Yutani, que está retornando repleta de espécies alienígenas, incluindo pelo menos um Facehugger, de uma missão que levou 65 anos, em New Siam, cidade da Prodigy, corporação concorrente fundada pelo garoto prodígio Boy Kavalier (Samuel Blenkin). E o principal objetivo do showrunner em se aproximar narrativa e visualmente do longa original parece ser bem simples, algo como “toma aí, agora deixe-me fazer do meu jeito”, algo que ele trata então de estabelecer já nos levando para a Terra do Nunca, uma ilha da Prodigy em que a mente da moribunda menina de 11 anos Marcy Hermit (Florence Bensberg) é transferida para o corpo artificial já adulto de uma sintética que ela mesmo rebatiza de Wendy, marcando a primeira vez em que isso é feito e, depois, repetido com outras crianças.
Apesar do exagero das conexões explícitas com a história de Peter Pan (precisa mostrar duas vezes a animação clássica se o lugar se chama Terra do Nunca?), que eu espero que sejam diminuídas daqui para a frente, o ambiente corporativo idílico captura com perfeição aquela superfície que esconde interesses podres. Tudo é lindo, arrumado e provavelmente perfumado, um verdadeiro paraíso para Wendy e seus pares que vivem sob a supervisão e mentoria da sempre simpática e terna Dame Sylvia (Essie Davis) e do estranhíssimo Kirsh (Timothy Olyphant) que, não tenho dúvida alguma, é um sintético. A conexão de Wendy com seu irmão “de outra vida” Joseph D. “Joe” Hermit (Alex Lawther), um médico da força de segurança da Prodigy que faz parte da primeira equipe de resgate depois da queda da Maginot, leva a jovem a sugerir que ela e seus irmãos imortais e superpoderosos ajudem na missão que, por sua vez, já vem carregada de situações conhecidas da franquia Alien, ou seja, o espaço confinado, os corredores, o ciborgue maligno (no caso Morrow, vivido por Babou Ceesay) e, claro, os bichos escrotos que saem dos esgotos ou, melhor dizendo, de suas caixas.
Trata-se de um começo de série impactante, que joga uma rede ampla com uma variedade rica de personagens e situações que captura a essência visual e narrativa dos únicos dois filmes que realmente merecem destaque na franquia (Romulus é muito bom, mas aquele híbrido no final me deixou irritado demais, pelo que ele não merece figurar ao lado de Alien e Aliens), mas que costura uma história própria, aparentemente complexa e que vai muito além de xenomorfos e outras criaturas. Noah Hawley, por outro lado, não tem pressa e Terra do Nunca não corre, não se rende ao mandamentos cinematográficos modernos da pancadaria intercalada por revelações bombásticas em intervalos não superiores a 10 minutos e não tenta entregar tudo logo de cara, com o showrunner muito claramente jogando um jogo cadenciado e esperto que não se furta em estabelecer seu próprio cantinho nesse vasto universo multimídia em que criaturas de exoesqueleto com sangue ácido nascem explodindo os peitos de seus incubadores.
1X02
Mr. October
Noah Hawley parece engajado, pelo menos nesses dois episódios iniciais, a homenagear visualmente os dois primeiros longas da franquia, com Terra do Nunca emulando Alien,o Oitavo Passageiro naquela sequência de abertura na Maginot e por toda a forma como a narrativa é trabalhada e, agora, com Mr. October, o que temos é uma aproximação ao estilo mais frenético, com mortes em quantidade, de Aliens, o Regate. Mas essa é apenas a superfície para agradar os fãs, superfície essa que não custa nada ser feita se o encaixe por propício e ele definitivamente é. O importante, porém, é conseguir apreciar o que o showrunner parece querer fazer abaixo da superfície, algo que vai além do cabo de guerra entre corporações gananciosas e também das críticas antibelicistas que James Cameron fez questão de pontilhar em seu longa de 1986. E, quando digo “além”, não quero de forma alguma diminuir o que veio antes, pois não há reparos a fazer nos filmes que abriram a franquia, mas sim apenas salientar que Hawley não parece interessado em repisar os mesmos assuntos.
E isso vem em pequenas e interessantes doses em Mr. October, primeiro com Boy Kavalier, que parece estar sendo sincero, afirmando que o que o leva a criar seres sintéticos com mentes humanas não é o dinheiro, mas sim pura e simplesmente sua vontade de finalmente ter uma conversa inteligente em sua vida, algo que é de uma prepotência e de uma babaquice tão gigantesca, que minha reação para esse momento foi algo como “eu preciso ver mais desse personagem, por favor, Noah Hawley!!!”. Afinal, mais do que vilões que esfregam as mãos enquanto gargalham de maneira sinistra, eu aprecio os irritantemente insanos que acham que são o rei do mundo ou os mais inteligentes do planeta. Eu realmente espero que esse ser insuportável, que merece ser lentamente fervido em um caldeirão com óleo, mas não antes de ganhar o destaque que merece, tenha mais espaço no planejamento de Hawley para além de um embate com a aí sim vilanescamente ameaçadora Yutani (Sandra Yi Sencindiver).
Outra excelente dose do que o showrunner parece querer discutir é a ética e a moralidade de se tratar crianças pequenas como adultos. Achei muito corajoso fazer da pequena tropa de sintéticos um grupo de pré-adolescentes forçados a crescer em um estalar de dedos, crianças essas que, mesmo com um corpo invencível – ou quase – morrem de medo de “monstros no escuro” e ficam paralisadas diante de qualquer ameaça como deveriam mesmo ficar, humanas que são. Aliás, seriam elas humanas? Pois essa é a outra questão posta aqui. Se é comum vermos a discussão sobre androides ganharem o verniz de humanidade na ficção científica, como recentemente tivemos em Diários de um Robô-Assassino, o que dizer de verdadeiros receptáculos das sinapses humanas ou, mais especificamente, receptáculos na forma adulta de sinapses infantis? E o que exatamente significa usá-los em uma arriscada operação de resgate para além da vontade de uma deles de conectar-se com o irmão “perdido”? É a preponderância dessas colocações e indagações que fazem desse começo de Alien: Earth, uma série de valor que não tenta se apoiar apenas em criaturas ameaçadores para chamar a atenção de seus espectadores.
Falando nas criaturas, o estilo Cameron de abordar os monstros foi bem usado aqui. Nada de esconder os bichos. O xenomorfo (é só um por enquanto, correto?) não tem mais razão para ser escondido – aliás, essa razão inexiste desde 1979 – e, portanto, ele ganha destaque correndo atrás e dizimando em velocidade vertiginosa todas as buchas de canhão, inclusive e especialmente os hilários ricaços na festa à fantasia, mas convenientemente demorando para liquidar com Joe, em um daqueles usos de clichê de tempos imemoriais que sempre diverte pelo ridículo da coisa. E a escolha de mostrar logo todas as cartas alienígenas é sabiamente aplicada às demais criaturas, seja a Audrey fálica ou o polvo zoiudo, porque Hawley não quer ficar nesse joguinho besta de filme de terror para adolescente em que o que interessa é o jumpscare com música alta.
Não é que tudo funcione a contento, confesso, pois esse negócio de os sintéticos liderados por Kirsh entrarem na Maginot e no prédio abalroado sem armas, sem plano e como se estivessem passeando no parque não faz lá muito sentido para mim. Cadê a força de segurança para ajudá-los? Cadê o mínimo de estratégia por parte de Kirsh, que parece fazer tudo de orelhada? A função de eles serem os olhos de Kavalier é lógica, mas não pode ser apenas isso. Por outro lado, a maneira simples – infantil mesmo – como a ex-Marcy se reconecta com o irmão é condizente com o que ela é, uma criança basicamente confusa por estar vivendo uma outra vida, em um corpo que não só não é o seu, como é uma versão.. futura… dela mesma. Também gosto da aparentemente misteriosa conexão que os irmãos têm com o xenomorfo, ambos sentindo/ouvindo a presença dele, ainda que seja difícil imaginar o porquê disso ainda nesse início de série. Há muito o que ser trabalhado na série e será muito interessante ver qual é o plano de Hawley nos próximos seis episódios.
Alien Earth – 1X01 e 1X02: Terra do Nunca e Mr. October (Alien: Earth – 1X01/1X02: Neverland/Mr. October – EUA, 12 de agosto de 2025)
Desenvovimento: Noah Hawley
Direção: Noah Hawley (1X01), Dana Gonzales (1X02)
Roteiro: Noah Hawley
Elenco: Sydney Chandler, Florence Bensberg, Alex Lawther, Essie Davis, Samuel Blenkin, Babou Ceesay, Adarsh Gourav, Rishi Kuppa, Erana James, Lily Newmark, Jonathan Ajayi, David Rysdahl, Diêm Camille, Moe Bar-El, Adrian Edmondson, Timothy Olyphant, Richa Moorjani, Sandra Yi Sencindiver, Kit Young, Lloyd Everitt, Amir Boutrous, Karen Aldridge, Michael Smiley, Jamie Bisping, Andy Yu, Max Rinehart, Enzo Cilenti, Tom Moya, Victoria Masoma, Tanapol Chuksrida, David Bark-Jones
Duração: 66 min. (1X01), 57 min. (1X02)