Home Audiodramas Crítica | Big Finish Mensal #138: The Cradle Of The Snake

Crítica | Big Finish Mensal #138: The Cradle Of The Snake

Uma crítica bem intencionada mas horrivelmente mal executada ao poder de influência das mídias.

por Rafael Lima
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Equipe: 5º Doutor, Nyssa, Tegan, Turlough
Espaço: Planeta Manussa
Tempo: 2215

Alguns vilões recorrentes apresentados ao longo da história de Doctor Who tornaram-se característicos por enfrentar uma única encarnação do Doutor, tornando-se, portanto, representantes de suas eras. O 6º Doutor tem Sil, por exemplo; o 9º Doutor tem os Slitheen, e o 5º Doutor tem a Mara. Kinda e Snakedance, os dois arcos em que o Time Lord de Peter Davison enfrenta a maléfica entidade inspirada na mitologia budista, estão entre os melhores de seu tempo à frente do programa, pela aura surrealista e exótica que carregavam, e pela boa exploração da natureza corruptora e caótica da criatura.

Quando The Whispering Forest, da Big Finish, deixou um gancho que prometia a volta da Mara, fiquei com sentimentos dúbios. A história da criatura havia sido perfeitamente concluída em Snakedance, e ver pela terceira vez o Doutor tentando exorcizar a entidade do corpo de sua companheira Tegan poderia ser derivativo. Por outro lado, uma narrativa com a Mara poderia dar uma sacudida no fraco ciclo de histórias iniciado em Cobwebs, que vê o 5º Doutor voltar a viajar com a sua Companion Nyssa, agora décadas mais velha. Infelizmente The Cradle Of The Snake é um arco medíocre, de proposta narrativa confusa; e o pior, transforma a Mara em algo que ela nunca foi: uma ameaça genérica.

Na trama, após descobrir que a Mara ainda vive no corpo de Tegan, o 5º Doutor decide retornar ao Planeta Manussa, para livrar a sua amiga de uma vez por todas da influência da criatura. Mas a TARDIS misteriosamente se materializa um milênio antes do planejado, onde os viajantes encontram um mundo muito mais avançado do que o que viram em sua última visita. Ao mesmo tempo em que um empresário do infoentretenimento está prestes a tornar público uma máquina revolucionária, o Doutor percebe que cometeu um grave erro ao voltar ao planeta, podendo ser responsável pela criação do Império Sumariano, que foi responsável por séculos de tirania da Mara em Manussa. 

Escrito por Marc Platt, The Cradle Of The Snake traz conceitos interessantes que poderia destacá-lo das Histórias Mara da TV. A escolha por um cenário tecnológico e urbano para as ações da Mara tinha potencial, assim como a ideia de que o reino de terror da criatura em Manussa, e o seu aprisionamento no Planeta Deva Loka visto, em Kinda, foram fruto de um paradoxo temporal. A própria reviravolta que fecha a primeira parte, que traz a Mara sendo exorcizada do corpo de Tegan apenas para possuir o Doutor, surge como uma boa inversão do que havia sido feito no programa de televisão. Infelizmente, nenhuma dessas ideias é trabalhada de forma satisfatória.

A primeira parte do arco, ainda que não seja brilhante, lança boas bases para a trama com a chegada dos viajantes a Manussa e as tentativas de livrar Tegan da Mara, em paralelo às experiências do empresário Rick Ausgarten com os cristais mentais do planeta para criar uma experiência televisiva imersiva. Mas a partir do segundo episódio, quando a Mara, já no corpo do Doutor, tenta usar a máquina de Ausgarten para os seus próprios fins, a história desanda e é só ladeira abaixo. A intenção do roteiro em criar uma sátira ao consumo e à influência das mídias no imaginário coletivo é muito interessante e atual. Em tese, é uma ótima discussão para se inserir a Mara e sua influência viral e corruptora. Mas Platt desenvolve o texto de forma caricata, com personagens sem nenhum carisma e um humor terrivelmente questionável.

A Mara, antes uma ameaça de natureza enigmática e caótica se transforma aqui em uma antagonista caricata, com direito a um plano maligno fajuto, e capangas trapalhões que a irritam. A expansão da mitologia apresentada nos arcos que traziam a entidade é feita aqui de maneira desorganiza, gratuita e confusa, vide a origem dada para a dança da serpente vista em Snakedance, que no fim das contas, não contribui com absolutamente nada para a história desse arco. Em sua última parte, The Cradle Of The Snake tenta se associar mais diretamente aos arcos televisivos, ao adotar uma abordagem mais filosófica e surrealista, em uma mudança de tom que soa abrupta demais dentro do tom satírico apresentado na maior parte da trama, o que prejudica a coesão da narrativa.

Como os arcos anteriores dessa fase do 5º Doutor da Big Finish, o roteiro não sabe lidar com o numeroso time da TARDIS que temos aqui, com Tegan e Turlough sendo escanteados pela maior parte da trama, o que é um desperdício de potencial especialmente no caso da australiana, ao roubar dela a chance de confrontar a criatura que a assombrou por tanto tempo. Por algum motivo, Nyssa ganha bastante destaque, devido ao ódio completamente sem sentido que a Mara sente pela Trakenite, mas isso apenas leva a mais momentos constrangedores, como a implicância infantil do Doutor possuído com a sua Companion, ou as discussões bestas entre as duas Maras quando Nyssa também é possuída pela entidade gestalt.

Algumas escolhas de direção e de atuação também soam equivocadas. Peter Davison, por exemplo, poderia ter se destacado aqui ao dar voz a Mara, em um trabalho bem diferente de seu retraído 5º Doutor. Mas o ator parece realmente em dúvida se deve interpretar o Doutor possuído de forma ameaçadora, ou como um vilão cômico birrento, não conseguindo encontrar um equilíbrio entre essas duas propostas. O trabalho de trilha sonora também sofre de problemas semelhantes, por não conseguir uma atmosfera adequada para o arco.

The Cradle Of The Snake é um dos trabalhos mais decepcionantes da Big Finish que tive a oportunidade de ouvir. Apesar de Marc Platt trazer conceitos com enorme potencial, esta estreia da Mara nos audiodramas de Doctor Who revela-se uma história de roteiro confuso, sem saber que tom que quer seguir, o que acaba se refletindo na direção e nas atuações. Talvez tivesse sido melhor para a Mara que sua destruição em Snakedance tivesse sido definitiva, pois este audiodrama não faz nenhuma justiça à personagem. Nem mesmo como sátira.

The Cradle Of The Snake (Big Finish Mensal # 138)- Reino Unido. Setembro de 2010
Direção: Barnaby Edwards
Roteiro: Marc Platt
Elenco: Peter Davison, Janet Fielding, Sarah Sutton, Mark Strickson, Dan Stevens, Hugh Fraser, Madeleine Potter, Vernon Dobtcheff, Toby Sawyer
Duração: 137 Minutos

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