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Crítica | Calígula (1979)

Depravações inócuas.

por César Barzine
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A expressão “vômito” deve ser a melhor forma de definir Calígula. “Vômito” pois todo o filme parece nascer de uma ação intuitiva e potente que é dilacerante na proposta e fria no conteúdo. É um filme sem graça, apelativo e sem rumo, daqueles que você termina questionando a razão dele existir. A obra é bastante parecida com Eduardo II em diversos aspectos: regresso a um período histórico, contextualização a partir de uma família real e da noção de dinastia, envolto num jogo de poderes, com uma encenação fora dos padrões e muito sexo ao redor de tudo. Mas mesmo assim trata-se de dois filmes com atmosferas diferentes; Eduardo II está mais para o drama novelesco enquanto Calígula se concentra na comédia circense – esta que funciona como deboche ao Império Romano, com uma execução toda despirocada e fadada à incompetência ao tentar ser um filme escrachado.

Não que ser escrachado seja a razão do fracasso do longa. A questão está no modo com que isso se desenvolve, pois o ritmo é enfadonho demais para entreter e o roteiro perdido demais para cativar. E o sexo? O sexo é o cerne do filme, mas aqui ele exerce, na maior parte do tempo, um papel superficial tanto como algo funcional a um possível subtexto quanto como para a mera contemplação gráfica. E esse sexo não possui apenas um teor erótico, ele quer chocar e ter um empenho heterogêneo – assim surge momentos grotescos envolvendo bizarrices e violência. Raramente o impacto é alto, mas chama um pouco a atenção. E é disso que o filme parece querer se sustentar: apenas da mera distração. É a imagem pela imagem não como um exercício estético, mas como um medíocre ornamento de pouco impacto.

O filme é uma sátira da história do imperador Calígula e do Império Romano daquela época. A principal forma da qual ele tenta exercer esta sátira é através dessa brutalidade e exagero em volta do sexo, num esforço claramente voluntário em tentar ser vulgar, em causar constrangimento e chamar atenção da mesma forma que uma criança mimada a faz com seus pais. Depois que o espectador percebe que a obra não tem nada além de algo enfadonho a oferecer, a sensação até o fim da narrativa acaba oscilando entre o jocoso e essa agressividade inócua. Calígula se esforça para ser um “filme porra-louca“, no entanto tal porra-louquice se restringe a uma certa frieza; uma violência sem energia e um sexo com pouco tesão. As tentativas de conduzir a esse caminho grotesco se encontram em momentos como: a cena em que há vários homens ejaculando numa mulher, o rei dormindo com um cavalo e transando com a irmã, um pênis sendo decapitado, uma mulher transando e urinando em um homem morto e até mesmo uma outra mulher parindo um bebê…

Não dá para chamar Calígula de gratuito; esse é justamente o objetivo do filme. Porém, ser gratuito não significa ser vazio, muito menos ser entediante. E aqui o trabalho de Tinto Brass encontra um dos seus maiores problemas: a longa duração. Qual é a razão de uma obra tão arbitrária e com tantos momentos dispensáveis durar mais de duas horas e meia? Quando se tira o sexo, o roteiro se resume a somente um joguinho de poder entre os personagens que compõem a elite política de Roma. Boa parte do conteúdo restante do corte final poderia facilmente ser subtraído em até uma hora. 

Certamente Tinto Brass se divertiu muito ao fazer este filme, já que ele parece ser daquelas produções feitas justamente para isso: entreter a equipe com toda a balbúrdia ao redor. Digo isso pois, além de simplesmente não ter nenhuma ideia que sustente a sua execução, o longa é todo desengonçado, repleto de brincadeirinhas entre os personagens e uma postura bobona. Daí surge o aspecto cômico de Calígula, que demonstra querer ser conceitual nesse lado anárquico – o que passa longe de funcionar. A atuação de Malcolm McDowell é um dos principais pontos dessa questão. Se em Laranja Mecânica o ator britânico conseguiu articular uma perfeita junção de malícia, rigor e brutalidade com um toque cômico e juvenil, o que temos aqui é um verdadeiro fracasso numa tentativa de evocar algo semelhante. McDowell desenvolve uma interpretação totalmente cartunesca, cheia de feições exageradas (principalmente no rosto) que chegam a irritar e tornar o seu personagem antipático.

Calígula é praticamente uma mistura de Cecil B. DeMille, Nagisa Ôshima e Derek Jarman. No caso desse primeiro, as semelhanças se formam, evidentemente, através do contexto histórico em que se passa o filme, dando margem para uma ambientação épica nas locações externas. A direção de arte realiza um bom trabalho ao lembrar da arquitetura e da impressão do diretor americano em seus filmes de época. Já Oshima se aproxima de Brass devido ao sexo onipresente, à tentativa gritante de soar entre o erótico e o pornográfico ao sair do sexo casual e embarcar em estranhezas e orgias. Mas mesmo com essas referências interessantes, Calígula não deixa ser maçante nessa escatologia que não tem absolutamente nada a oferecer.

Calígula (Caligola) Itália e EUA, 1979
Direção: Tinto Brass
Roteiro: Gore Vidal
Elenco: Malcolm McDowell, Teresa Ann Savoy, Guido Mannari, John Gielgud, Peter O’Toole, Giancarlo Badessi, Bruno Brive, Adriana Asti, Leopoldo Trieste, Paolo Bonacelli, John Steiner, Mirella D’Angelo, Helen Mirren, Rick Parets, Paul Mitchell
Duração: 156 minutos.

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