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Crítica | Close (2022)

Jogando em uma zona cinzenta para falar de afetos masculinos.

por Michel Gutwilen
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A proximidade, aquilo que já era uma característica implícita em seu anterior longa, Girl, se torna uma afirmação autoconsciente para Lukas Dhont no título de seu novo filme: Close. Para o cineasta belga, a resposta para os dilemas da passagem da infância à juventude, assim como o meio mais adequado de se encontrar respostas para ela em termos de linguagem cinematográfica, estaria na proximidade com o corpo. Época de pulsantes emoções ainda incapazes de serem verbalizadas com clareza através da palavra (porque os jovens muitas vezes nem reconhecem o que sentem no momento, só a posteriori), as respostas seriam encontradas a partir desta percepção imediata de um olhar, um sorriso ou um gesto. 

Então, Close, ainda que convencionado dentro do que se poderia chamar de uma narrativa clássica (apresentação-conflito-resolução), está sempre girando em torno deste exercício do olhar íntimo, concentrando esforços nas nuances não-ditas de seus dois protagonistas, tanto na felicidade quanto na dor, para capturar esse espírito muito específico da transição de uma época, que só se vive uma vez. Um aspecto que não se pode negar é que Dhont, principalmente na primeira metade do filme, consegue capturar esse recorte etário associado a pureza e ao joie de vivre como um espírito muito livre. Entre as corridas pelas lindas flores rosas do campo, um pedalar veloz de bicicletas como se fossem invencíveis, o deslumbramento com uma música ouvida, a transposição da criatividade lúdica para uma refeição (cena do macarrão), a sensação do Sol batendo na pele e o vento no rosto, Dhont permite que enxerguemos a beleza do mundo que ronda aqueles infanto-juvenis.

No mesmo sentido, o Close do título corresponde a outro princípio fundamental que é caro à visão de seu diretor, que seria a crença de que a iluminação da partilha da intimidade pode revelar aqueles sentimentos mais honestos e puros da natureza humana, longe das influências e repressões do espaço público. Por isso, boa parte da narrativa do filme se alterna entre esses dois ambientes, o ambiente escolar e o doméstico/rural, no qual vemos o desenrolar do relacionamento de amizade tenra dos jovens de treze anos, Léo e Rémi, que acaba sendo influenciada no seu trato pela opinião pública que ronda os dois. Portanto, enquanto existe um lado magnético que atrai para próximo de seus personagens, gradualmente o próprio filme vai propondo uma força repulsora entre eles, na medida que apresenta, em um dos polos (Léo), a invasão de certos signos da masculinidade em bando, na medida em que a necessidade de sobrevivência ao meio faz com que o jovem comece a experimentar outros interesses mais brutos, completamente opostos à corrida pelas flores, literalizado pela vivência do animalesco hóquei no gelo e suas porradas. 

Na escola, pouco antes da metade do filme, surge o primeiro e único confrontamento frontal do tema, vindo dos colegas de classe: seriam Léo e Rémi um casal homoafetivo? Longe dos rótulos e pré-definições, o que Dhont havia apresentado até aquele momento, perambulando pela vida bucólica e jovial vivida pelos dois personagens — entre corridas no meio de flores coloridas, conversas cochichando na cama, olhares devoradores de admiração — nunca é exatamente uma grande prova para deduzir nada além de uma grande relação de afeto de quem não têm medo de exteriorizar um amor, não necessariamente platônico. É claro que a identificabilidade espectatorial interfere na percepção de quem vê — ou, em outras palavras, a maldade está nos olhos de quem vê. Talvez um espectador heterossexual criado em um ambiente de masculinidade repressiva enxergue uma tensão sexual implícita entre os dois rapazes, como se houvesse acontecendo algo fora da tela que não sabemos; enquanto alguém que teve outro tipo de vivência irá enxergar apenas aquilo que a câmera mostra, sem segundas intenções. 

A escolha por parte de Dhont em nunca dar um ponto final à questão no filme, preferindo-se manter na zona cinzenta que permite múltiplas leituras, parece condizer com sua ideia de não rotular os protagonistas, deixando que eles mesmo respondam por si, a partir de suas ações, em um filme que explora muito as nuances da gestualidade e menos da fala, além de respeitar o processo de descoberta afetiva destes personagens tão confusos dentro da normalidade da idade. Afinal, se não está na idade deles saberem o que são ainda, por que deveríamos saber?

Por outro lado, existe uma frustração de minha parte a partir da sensação que Dhont fica confortavelmente dentro de uma zona de segurança, tanto em um sentido narrativo quanto estético, sem se permitir arriscar para além de sua história calculada. Dentro da já mencionada narrativa clássica, temos um amor, uma dor, e um alívio. Inclusive, metáforas servem de auxílio ao autor como uma marcação temporal sentimental: o corte na plantação de flores marca o fim da inocência após a briga; a quebra do braço de Léo como manifestação física de sua dor na alma e, por fim, após sua superação, a retirada do gesso. Assim é a vida, ora, mas será que não falta a Dhont colocar tudo em crise em algum ponto, além das metáforas? Do ponto A ao B, não é tudo calculado para emocionar no momento certo? As dores não são como uma turbulência de avião, que logo sabemos que não se passa de uma normalidade da viagem e logo irá passar?

Sua câmera, sempre no mesmo lugar, respeitando a regra interna de seu título: no amor ou na dor, ela está ali perto, registrando aquele personagem, mas isso também é uniformizante e confortável? A virada no filme realmente leva aos lugares que poderia levar? Permanecer nesta zona cinzenta, sem respostas, não se torna algo domado? É claro que se pode rebater esses questionamentos de que Dhont está sendo coerente com uma visão proposta desde o início, mas, ao mesmo tempo, me parece ser uma ausência de risco muito calculada que se contenta em observar tudo da mesma posição, sabendo-se onde começou e quer chegar. Questiono-me: o close do título do filme é verdadeiramente tão close assim? 

Close (Idem, 2022) — França, Bélgica, Holanda
Direção: Lukas Dhont
Roteiro: Lukas Dhont, Dirk Impens
Elenco: Eden Dambrine, Gustav De Waele, Émilie Dequenne, Léa Drucker, Kevin Janssens, Igor van Dessel, Marc Weiss
Duração: 105 min.

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