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Crítica | DC: A Nova Fronteira (2004)

por Luiz Santiago
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estrelas 4

Badalada série de Darwyn Cooke lançada em 2004, vencedora de alguns dos maiores prêmios da indústria dos quadrinhos (Eisner, Harvey, Shuster) e inspirada no discurso de aceitação do presidente John F. Kennedy em 1960, A Nova Fronteira procura construir uma ponte entre a Era de Ouro e a Era de Prata, aproveitando-se do fim da Segunda Guerra Mundial (o início da história é em uma missão com os Perdedores — Losers, criados na revista G.I. Combat #138 — no Pacífico, em 1945) para nos apresentar uma série de cenários sociais, políticos e ideológicos que levariam ao desmembramento da Sociedade da Justiça após o humilhante depoimento que prestam ao Comitê de Atividades Antiamericanas no período de “caça às bruxas comunistas” durante o macarthismo.

De imediato é muito importante chamar a atenção do leitor para que não confie em todos os nomes, lugares e situações históricas que Cooke (autor e desenhista da saga) estabelece. Claro que para os grandes eventos ele manteve a similaridade com o nosso mundo, mas existem detalhes modificados para se adequarem melhor à história e nenhum deles foi uma mudança gratuita. A ideia do autor era fazer com que as peças se encaixassem organicamente dentro do desse Universo a partir de um ponto de vista histórico e bem mais humano, mais comum, com histórias que o leitor pudesse se relacionar diretamente, elencando heróis do dia a dia e não apenas a Trindade ou os deuses do panteão da DC.

Por um lado, essa escolha narrativa de fato aproximou o leitor do enredo. Por outro, ajudou a tornar pedaços de A Nova Fronteira completamente soltos ou sem muita função real na trama, como a longa introdução na Ilha Dinossauro (O Centro, da Terra-21, a ilha-viva que é o grande vilão da história, uma proposta ingênua de inimigo que funciona bem, pois impulsiona o ajuntamento dos heróis na reta final, a melhor parte de toda a saga); a sugerida trama de perseguição aos heróis que é inicialmente colocada como algo de enorme potencial mas logo é deixada de lado e bem mais à frente se resolve de maneira abrupta; e a chateante demora do autor em nos tirar das histórias dentro do ramo da aviação.

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A união dos heróis comuns com os super-heróis. Uma nova fronteira.

Sinceramente. Que o autor enchesse as páginas de mais movimentos sociais nos anos 1950, que matasse diversos outros heróis (aqui, a morte do Homem-Hora, apesar de patética, teve impacto), que virasse apenas um pouco o foco para os heróis, mas que nos tirasse da trama dentro dos espaços de aviação. A lentidão do roteiro, os diálogos truncados e a exposição de avanços científicos que antes e depois seriam mostrados de forma bem mais interessante são a maior prova de que essas cenas deveriam ter sido enxugadas ao máximo. Mas ainda assim, A Nova Fronteira consegue nos atrair em alto estilo. Cooke vai pescando elementos que fizeram sucesso na DC em outras séries, como O Cavaleiro das Trevas e Watchmen, por exemplo, para fazer das muitas paranoias da Guerra Fria uma realidade palpável, onde o Caçador de Marte tem medo de permanecer em nosso planeta; onde o Flash chega a se aposentar em rede nacional (com a icônica frase “Boa noite e boa sorte“, do grande jornalista americano Edward R. Murrow); onde Batman e Superman encenam uma luta para conseguir a liberdade de um e a transformação de outro em pária…

Entre a política de revelação das identidades secretas, a perseguição e a progressiva mudança da sociedade e mentalidade americana — à medida que novos e grandes perigos apareciam no horizonte (assim como novos desafios científicos e mesmo disputas políticas, como a Corrida Espacial e a Corrida Armamentista contra os soviéticos) –, a série faz desfilar dramas pessoais (alguns deles muito emocionantes), líderes políticos e grupos heroicos como Desafiadores do Desconhecido, Demônios do Mar, Esquadrão Suicida e Falcões Negros, além de colocar participações especiais ou mesmo apresentações curiosas de personagens como Aquaman, Eléktron, Adam Strange, Shazam, Espectro, Senhor Destino, Vingador Fantasma e Zatanna. Sim, é muita gente, é muito herói e, em alguns momentos, o leitor fica um pouco perdido, mas nada que impeça de chegar ao desfecho, onde o roteiro realmente encontra maior fluidez e onde a arte ganha uma das melhores noções de ritmo.

Darwyn Cooke é um daqueles artista cujo traço é imediatamente reconhecido. Sua elegância na delineação de corpos e faces (destaque para as sugestões emotivas nos rostos dos personagens, tudo muito simples, mas uma captura emotiva bem grande), sua noção de movimento, planos de conjunto, páginas inteiras e painéis com uma sequência de quadros menores; seu trabalho constante com três grandes retângulos por página (noção cinematográfica e bastante condensadora no encadeamento do enredo) e sua perfeita ligação artística entre a finalização da Era de Ouro e o seu próprio estilo fazem dos desenhos de A Nova Fronteira a grande e inquestionável atração. Como esta não é, a rigor, uma história da Liga da Justiça, os desenhos são ainda mais marcados pelos climas dramáticos conseguidos através das cores (aqui empregadas incrivelmente bem por Dave Stewart) e o espetáculo visual é impressionante.

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Na última página, a primeira aventura da Liga da Justiça, contra Starro.

Apesar de não ter uma perfeita fluidez no enredo, A Nova Fronteira é uma grande história sobre a formação da Era de Prata, desde suas sementes históricas, preconceitos e lutas sociais ainda em andamento (apesar da mensagem de esperança no final, o autor não deixa de criticar o racismo e as liberdades individuais tolhidas) até a criação de uma nova mentalidade, não apenas para a população americana, que tinha agora uma nova onda super-heroica para conhecer, entender e aprender a lidar; mas também para os próprios super-heróis, que viram cair por terra a defesa plena dos ideais americanos, mote que guiou a Era de Ouro. Agora eles presenciam a era do cinismo e o surgimento de ideais Universais.

Mesmo com os Estados Unidos servindo de núcleo e pátria-mãe dessa “nova fronteira”, o mundo desses indivíduos agora exige valores que andem mais no fio da navalha e procurem encontrar o bem em todo tipo de situação, basta lembrarmos da tocante sequência da Mulher-Maravilha com o Superman na antiga Indochina, falando sobre valores e deveres heroicos diante das mulheres mantidas presas, estupradas e transformadas em escravas sexuais. A história apresenta um desafio para humanos, super-humanos e alienígenas.

Um desafio para sobreviverem, conviverem e se ajudarem, buscando a utopia da paz mundial com a certeza de que sempre haverá alguma nova ameaça humana para combater, prevenir ou remediar… ameaças que vão da desumanidade, das tragédias ideológicas até a gente ou governos que acreditam que quem pensa ou age diferente deles deve morrer, ser proibido por lei, peso ou julgado doente. Acima de tudo, essa história aglutina as várias forças, fictícias ou reais, que compõem a sociedade mostrando que a mudança de Era é inevitável e que essa mudança não é exatamente algo fácil de se fazer. A Nova Fronteira, como conceito, não é apenas a ponte entre a Era de Ouro e a Era de Prata. É a história de qualquer grande mudança na longa jornada da humanidade e da comunidade de super-heróis.

DC: Nova Fronteira (DC: The New Frontier) — EUA, 2004
No Brasil:
Panini (2006) e Eaglemoss (2017)
Roteiro: Darwyn Cooke
Arte: Darwyn Cooke
Cores: Dave Stewart
Letras: Jared K. Fletcher
Capas: Darwyn Cooke
Editoria: Mark Chiarello, Valerie D’Orazio
305 páginas (2 encadernados da Eaglemoss)

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