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Crítica | Doctor Who: O Bucéfalo De Cristal, de Craig Hinton

Crises de fé, paixões mal resolvidas e o restaurante mais importante do tempo e espaço.

por Rafael Lima
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Equipe: 5º Doutor, Tegan, Turlough, Kamelion
Espaço: Nova Alexandria, Bucéfalo de Crista, Paris, Londres
Tempo: 1784, 1984, 10764

Talvez eu esteja sendo um ignorante, mas a primeira coisa que pensei ao pegar este livro para ler foi “o que diabos é um Bucéfalo?”. Para quem, como eu, não fazia ideia do que essa palavra significa, um Bucéfalo é o nome que se dá para um cavalo de batalha, algo convencionado principalmente por este também ter sido o nome do batalhador de Alexandre: O Grande. Foi importante ter essa informação, pois só assim pude perceber o paradoxo presente no título do romance O Bucéfalo De Cristal, de Craig Hinton, que trata, entre outras coisas, como coisas, pessoas, e ideias muito poderosas podem ser fortes como um Bucéfalo, mas também ser terrivelmente frágeis como cristal.

Na trama, situada entre os arcos The King’s Demons e The Five Doctors enquanto tentavam ter um jantar requintado, o 5º Doutor, Tegan, e Turlough, são transportados para o Bucéfalo De Cristal, um restaurante onde os fregueses podem comer nos melhores restaurantes da história através da viagem no tempo. Quando um dos maiores chefões do crime da galáxia é morto no local, os viajantes do tempo são postos imediatamente na lista de suspeitos, mas provar a sua inocência será o menor dos problemas do Doutor, quando ele descobre uma conspiração que pode ter consequências catastróficas para todo o universo. O Bucéfalo De Cristal, de Craig Hinton parte de um conceito de sci-fi absurdo digno de Douglas Adams, ao centrar a trama em torno de um restaurante que permite que seus fregueses desfrutem das melhores refeições do tempo e espaço. Há uma base pseudocientífica para dar lógica interna para o funcionamento do restaurante, o que tem prós e contras, pois se o trabalho de verossimilhança é bom, e vital para a segunda metade do livro, também rouba um pouco do ritmo das primeiras páginas da obra. 

Ainda que escolha um ponto de partida familiar para a série, que é o Doutor e seus amigos sendo acusados de forma equivocada de assassinato, o autor subverte esse tropo, ao revelar que o Time Lord é sócio-proprietário do restaurante, devido a um investimento que fez décadas antes. Essa é a primeira de muitas reviravoltas inteligentes que Hinton espalha na trama, sempre surpreendendo o leitor de maneira divertida ou chocante sobre os rumos da narrativa. Os twists que o autor cria não estão na história somente para gerar surpresa, mas também para o bem da construção de mundo; desde o funcionamento do Bucéfalo de Cristal, passando pela maneira como a máfia liderada pelo criminoso Maximilliam Arrestis se organiza, e o mais interessante, a conexão da religião da Intenção de Lazaro com tudo isso. O romance articula a construção de mundo com o desenvolvimento dos personagens e de suas jornadas dramáticas, nunca esquecendo que esses dois aspectos do storytelling são complementares.

Craig Hinton trabalha bem os personagens regulares do programa, especialmente o Doutor, pois o autor entende as peculiaridades da encarnação de Peter Davison. O 5º Doutor não tem a combatividade de alguns dos Doutores mais populares, sendo alguém que ficaria feliz em passar os dias fazendo viagens pacíficas ao invés de enfrentar monstros e conspirações cósmicas, o que o torna uma das versões mais passivas do Time Lord. Por outro lado, ele também é uma das versões mais intensas e extremas entre os Doutores da Série Clássica quando posto sob pressão. O autor entende essa dualidade do personagem, unindo esses aspectos de forma coerente. Ainda sobre os regulares, essa é a primeira vez que vejo Kamelion, o robô introduzido em The King’s Demons como o novo Companion, ser usado no universo expandido. Infelizmente, o autor não faz nada de novo com ele, colocando-o na mesma situação de ser controlado pelos vilões, tal como na TV, o que é um desperdício.

Mas o destaque maior da obra são mesmo os personagens originais. Por trás de toda a trama envolvendo conspirações criminosas, profecias religiosas, e a potencial destruição de uma galáxia inteira, está a pessoalidade de um triângulo amoroso formado pelo Professor Lassiter, o criador do Bucéfalo de Cristal, Helenica Monroe, uma devota da Intenção de Lazaro, e Ladygay Matisse, uma ex-aluna do professor Lassiter cujos conhecimentos sobre viagem no tempo rivalizam com os de seu antigo amante. É o tipo de trama que tinha tudo para ficar piegas, mas o autor Craig Hinton vale-se muito bem dessa veia novelesca da história para aumentar as apostas dos conflitos, misturando ressentimento, paixões mal resolvidas, vaidade intelectual e crenças religiosas em um drama muito bem conduzido. Por fim, vale destacar ainda a participação do Maitre D, o administrador do Bucéfalo de Cristal, que após dedicar a sua vida ao estabelecimento, rejeita qualquer cenário que possa prejudicar a imagem do restaurante, mesmo que isso signifique colocar a vida de seus fregueses em risco, o que acaba o colocando em constante conflito com o Doutor.

O Bucéfalo De Cristal é um ótimo romance de Doctor Who, que explora de forma eficiente os principais pontos fortes de seu protagonista, em uma narrativa que valoriza os dramas pessoais de seus personagens sem se esquecer do andamento da narrativa. Ainda que escorregue em alguns momentos, vide o início um pouco truncado, e a repetição de algumas situações que podem ser um pouco cansativas, o livro de Craig Hinton ainda é uma excelente leitura, entregando uma aventura de ficção científica com uma história engajante e personagens cativantes.

Doctor Who: O Bucéfalo De Cristal (The Crystal Bucephalus) Reino Unido. 17 de Novembro de 1994
Virgin Missing Adventures #04
Autor: Craig Hinton
296 Páginas

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