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Crítica | Honey, Não!

Uma divertida sátira aos filmes de detetives durões.

por Ritter Fan
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Depois que o Irmãos Coen decidiram seguir caminhos separados, Joel Coen dirigiu apenas um longa-metragem – A Tragédia de MacBeth – e acertou em cheio -, enquanto Ethan Coen, depois de um documentário sobre Jerry Lee Lewis, enveredou pelo que se convencionou chamar informalmente de Trilogia de Filmes B de Lésbicas ao lado da roteirista Tricia Cooke e com o protagonismo de Margaret Qualley. O primeiro desses filmes autocontidos foi o simpático Garotas em Fuga, enquanto que o segundo é o objeto da presente análise, Honey, Não!, em que Qualley vive uma personagem que é uma deliciosa subversão do arquétipo do detetive particular durão e mulherengo que acompanha o imaginário popular no audiovisual desde que os filmes noir ganharam relevo.

Qualley é Honey O’Donahue, uma detetive em Bakersfield, Califórnia que é inicialmente vista no lugar do aparente acidente automobilístico fatal de uma mulher que a havia procurado para possivelmente contratar seus serviços. Honey é o quase literal oposto solar dos detetives clássicos, carrancudos, sempre vestidos de maneira igual com ternos e sobretudos amarrotados e sempre desejados por todas as belas mulheres que os cercam, sejam elas fatais ou não. Honey é sempre vista em plena luz do dia, sempre bem maquiada e sempre bem vestida (é a única pessoa na cidade que se veste bem, vale dizer), mas compartilha uma característica com o tipo de personagem que sua composição subverte: ela é tão ou mais mulherenga que os durões de outrora, diria até talvez compulsivamente mulherenga, mas sem jamais criar conexões maiores com suas parceiras.

O breve longa-metragem caminha com Honey investigando a morte de sua quase cliente, o que inevitavelmente a leva a uma igreja comandada e manipulada – para servir de ponto de distribuição de drogas e de oferta de mulheres para ele transar – pelo reverendo Drew Devlin (Chris Evans), isso enquanto ela se envolve sexualmente com MG Falcone (Aubrey Plaza), uma policial carrancuda que trabalha na sala de evidências da delegacia. O roteiro de Coen e Cooke é puramente composto de sátira aos estereótipos do gênero, o que inclui a satirização inclusive da estrutura cinematográfica de filmes de detetive, já que Honey, na verdade, não consegue realmente investigar nada até o final, mais esbarrando em situações do que realmente chegando a elas, além de haver diversas pontas narrativas que não levam, na prática, a lugar algum e um final que dá uma completa rasteira no espectador, uma verdadeira bola curva arremessada pela dupla de escritores.

Entendo que essas escolhas possam deixar muita gente coçando a cabeça e, por isso, desgostando do resultado final, mas tenho para mim que a palavra chave está em “escolhas”. O que supostamente pode ser encarado como uma sucessão de erros narrativos imperdoáveis, eu honestamente encaro como escolhas deliberadas de Coen e Cooke em seu objetivo de brincar com um gênero fílmico bem estabelecido em que o espectador basicamente sabe o que esperar. Admito que o filme parece incompleto por vezes, com a introdução tardia do pai de Honey sendo talvez o exemplo mais evidente, mas o estilo da direção de Ethan Coen, para mim, parece já dizer tudo o que precisamos saber desde que Honey, de salto alto, desce o barranco para chegar ao carro capotado no início do longa: tudo é um laboratório experimental para o diretor fazer justamente o que o título informal de sua trilogia indica, um filme B, quase trash, sobre uma lésbica. Garotas em Fuga era mais estruturado e Honey, Não! toma liberdades bem maiores que poderiam até ser chamadas de ousadas (ou equivocadas pelo que não gostarem do filme, claro) e que, para mim, funcionaram melhor tanto para a proposta de apontar o dedo para as idiossincrasias do clássico noir de detetives quanto como veículo para Margaret Qualley desfilar com belos figurinos.

Honey, Não! é o tipo de diversão descompromissada que me agrada, fugindo da estrutura de pancadaria infinita e genérica, para criar algo com personalidade e que consegue ser totalmente diferente do que se espera. O longa não vai mudar nada na vida de ninguém, eu sei, mas ele dificilmente será esquecido, algo que pode ser encarado como algo positivo ou negativo, logicamente. A escolha é de quem assistir!

Obs: Crítica originalmente publicada em 10 de outubro de 2025, como parte da cobertura do Festival do Rio 2025. Republicada hoje, em razão do lançamento do filme em circuito comercial de cinema.

Honey, Não! (Honey Don’t! – EUA, 2025)
Direção: Ethan Coen
Roteiro: Ethan Coen, Tricia Cooke
Elenco: Margaret Qualley, Aubrey Plaza, Chris Evans, Charlie Day, Kristen Connolly, Talia Ryder, Alexander Carstoiu, Kale Browne, Gabby Beans, Billy Eichner, Christian Antidormi, Jacnier, Josh Pafchek, Lera Abova, Don Swayze, Lena Hall, Kara Petersen, Kinna McInroe, Sean Dillingham
Duração: 89 min.

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