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Crítica | Kung Fu Panda 4

Como piorar uma franquia.

por Luiz Santiago
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A performance da franquia Kung Fu Panda é bastante curiosa. O primeiro filme é bom, o segundo filme é excelente e o terceiro filme é medíocre. Pelo andar da carruagem, imaginava-se que a DreamWorks só voltaria a esse Universo se fosse para arriscar bastante, com uma animação que fizesse jus às boas obras de sua safra. Muita coisa colocava em perigo a existência de um quarto longa: o andamento da história e a retomada desse Universo na mentalidade do público depois de oito anos de hiato. Mas o que a realidade nos mostrou foi bem mais desleixado e cruel com Po e sua turma. Este quarto produto da saga não é apenas o pior de todos, em termos de história e destino, mas também aquele que mais se desvia da concepção técnica interessantíssima que dominou os outros filmes, terminando em uma decepção por todos os aspectos.

Mesmo se considerarmos o filme isolado, teremos um problema de configuração da história. Já se o adicionarmos ao andamento lógico da saga, a disposição, o desenvolvimento e os arcos de redenção ou simples aparição enervam o espectador mais atento e derrubam com tudo a qualidade da fita. Sem uma aceitável justificativa, ficamos sabendo que Po precisa encontrar e treinar um novo Dragão Guerreiro, já que ele acumula a posição de Líder Espiritual do Vale da Paz. Nem se a franquia tivesse 10 filmes essa “evolução espiritual” faria algum sentido, mas é exatamente isso que os roteiristas forçam. Em contrapartida, surge nas sombras uma feiticeira metamorfa (a Camaleoa, muito bem dublada por Viola Davis) que planeja convocar todos os mestres vilões que Po derrotou e expandir o seu poder para além da cidade. É um princípio antagônico básico, mas que poderia funcionar se estivesse aliado a um andamento narrativo coerente, o que não é o caso.

A sucessão de eventos é frágil, e só não chega ao fundo do poço porque Jack Black (Po) possui uma entrega cômica tão gigantesca, que nos faz rir em diversos momentos do filme. Na costura dessas cenas, porém, há muita reação vazia e nenhum esforço do texto para fazer valer a presença dos novos personagens. Vejam como a raposa Zhen (Awkwafina) tem uma posição no mínimo bipolar aqui O mistério em torno dela deságua num misto de previsão e anticlímax, e como o roteiro está determinado a distribuir redenção para quem quiser, tudo migra para uma “mudança e revelação interior” diante da qual não há uma aceitável preparação, e cujo resultado é uma apelação enervante. É como se o “caso Rey”, de Star Wars, estivesse fazendo escola, no pior sentido possível da comparação.

As risadas periódicas não conseguem encobrir a mesmice na qual o filme se enterra, e isso também atinge o estilo da animação, começando pelos ouvidos. Normalmente eu não vejo com maus olhos o uso de uma trilha sonora muito similar em uma franquia, mas quando o filme sai da linha principal e propõe algo novo, é evidente que a música precisa se enquadrar nas novas nuances — nem que seja com variações para os temas conhecidos. Todavia, Hans Zimmer e Steve Mazzaro copiam e colam a partitura do longa anterior, que já era chatinha. Como a DreamWorks inventou de cortar quase pela metade o orçamento de produção, o escopo visual, sempre tão elogiado antes, virou algo simplório e apático. Quando a direção de fotografia não deixa tudo escuro, impedindo o espectador de divisar a profundidade de campo e aproveitar o cenário, o diretor usa planos fechados na cara dos personagens, cortando ao máximo os cenários, optando por muitas cenas internas. Essa falta de detalhes visuais, claramente, tira a riqueza de identidade do filme.

Falar da barbaridade que fizeram com Tai Lung e os outros Mestres ao final do filme, ou da aparição solta e aleatória dos Cinco Furiosos, enquanto os créditos sobem, piorará tudo. O resultado de Kung Fu Panda 4 é ruim porque desrespeita seu Universo, porque não desenvolve as motivações e as consequências de sua história e porque não sabe trabalhar seus personagens, com exceção de algumas cenas cômicas com Po. Somada à baixa qualidade estética e à trilha sonora repetitiva, sobra pouco para computar. A ação espirituosa até pode encantar as crianças, que, no geral, se importam um pouco menos com coesão narrativa, mas é o que eu sempre digo: público-alvo não salvaguarda filme ruim de… ser um filme ruim. E ainda tem como ficar pior: o roteiro dá a entender que há um “propósito” nos caminhos pouco explicados aqui, jogando a resolução de uma produção mal feita para um possível quinto filme. Que os Grandes Mestres do Kung Fu tenham piedade de nós!

Kung Fu Panda 4 (EUA, China, 2024)
Direção: Mike Mitchell, Stephanie Stine
Roteiro: Jonathan Aibel, Glenn Berger, Darren Lemke
Elenco (vozes originais): Jack Black, Awkwafina, Viola Davis, Dustin Hoffman, Bryan Cranston, James Hong, Ian McShane, Ke Huy Quan, Ronny Chieng, Lori Tan Chinn, Seth Rogen, Mr. Beast, James Murray, James Sie, Cedric Yarbrough, Vic Chao, Audrey Brooke, Lincoln Nakamura, Cece Valentina, April Hong
Duração: 94 min.

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