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Crítica | Moby Dick (1998)

Minissérie traduz Herman Melville sem grandes efeitos visuais, dando foco aos diálogos e situações dramáticas.

por Leonardo Campos
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Um clássico: Moby Dick é um dos grandes volumes da literatura estadunidense, com projeções na cultura popular, em especial, nas adaptações para artes visuais e audiovisuais. Construído com base num painel de símbolos e metáforas, graças ao arsenal de referências do escritor Herman Melville. Num dos capítulos, intitulado A Caça, o narrador expõe que encontrar a baleia Moby Dick seria lidar com o sem nome no oceano, um lugar descrito como inversão do buraco negro devorador da matéria, denso e enorme muro, insólito espaço de luta, ambiente onde todos bebiam do sangue de suas próprias vidas. A série de 1998, tema da análise em questão, consegue extrair alguns dos pontos delineados pela obra, traduzindo o romance para imagens de uma época já avançada na seara dos efeitos visuais, mas que devido aos processos orçamentários da produção, não conseguiu realizar um espetáculo visual como esperamos de uma narrativa sobre uma besta marinha pelos oceanos do nosso planeta. Fincado na perspectiva do morrer e renascer que permeia toda a obra, esta minissérie de 180 minutos retrata o caos que é a vida dos homens neste mar de incertezas, figuras ficcionais que passam por mutações no mar para tentar sobreviver ao caos que é a saga inicialmente econômica, convertida em jornada de vingança do Capitão Ahab, aqui interpretado pelo experiente e competente Patrick Stewart.

Como já sabemos, Moby Dick traz o seguinte mote dramático: a saída de um navio para caçar baleias em busca do óleo que aquecia a economia no século XX. Todos os envolvidos possuem como meta, mudar de vida, enriquecer, ganhar projeção econômica, mas acabam ludibriados pelo Capitão Ahab, um homem que batalha contra um macrocosmo, sedento e ansioso por se vingar da baleia que nomeia a obra, um ser bestial que vem até a superfície para causar arrepios em todos que a podem vislumbrar, sempre com fascinação e medo. A história do capitão com a baleia precede o preâmbulo da trama, pois sabemos que no passado, o animal arrancou a sua perna depois de se sentir ameaçada. Assim, além da saga de um homem vingativo, a série também aborda elementos do romance ponto de partida, isto é, uma caça ao próprio destino, narrativas com seres humanos tão brutais quanto o próprio ser irracional, talvez até mais.

Ismael, interpretado por Henry Thomas, busca nesta jornada aquática uma linha de fuga para a sua realidade. Ele deseja contornar o determinismo de sua caminhada. É a sua maneira de respirar esperança, se permitir vivenciar novas possibilidades. Ele é o narrador da trama, único sobrevivente, espécie de mensageiro. Na tripulação, temos ainda Starbucks (Ted Levine), além de Queequeg (Piripi Waretini), homem com traços primitivos, mestre no uso dos arpões e figura que representa o ponto máximo da fusão de raças presentes no navio Pequod. Dirigida por Franc Roddam, realizador que também escreveu o roteiro, numa parceria com Anton Duther, a produção tem direção de fotografia de David Connel, design de produção de Leslie Bims, condução sonora de Christopher Gordon e supervisão de efeitos visuais de Dale Deguid, todos os setores, eficiente na medida do possível, mas nada que seja esteticamente tão memorável.

Tal como a descrição da baleia no capítulo 14 do livro, o animal da minissérie reina no mar, onipotente, branca, misteriosa, criatura do mar em suas amplas extensões, espaço que não consegue dar conta de tamanha ira, tanto do monstro quanto do humano vingativo. Com participação de Gregory Peck, ator do cinema hollywoodiano clássico, conhecido pela icônica versão de 1956, Moby Dick retrata também alegorias do divino, o mar como um espaço denso para o desconhecido e o que traz perplexidade, além de delinear o orgulho, um dos sete pecados capitais, como material para a criação do perfil dramático do Capitão Ahab. Filmada na Austrália, paisagem propícia para o desenvolvido na proposta, a narrativa também flerta com os aspectos bíblicos da ruína, a produção também consegue destacar o sofrimento como um caminho para a compreensão do humano diante de sua pequenez face ao mundo.

Monótona? Um pouco. Sem a parte entretenimento como destaque, haja vista a abordagem da baleia e do mar de maneira muito singela, Moby Dick ao menos funciona com um bom conteúdo para entendermos a experiência de naufrágio apresentada como algo que se bifurca por um panorâmico caminho filosófico. São personagens que se desprendem de si para conquistar saberes e mudar, para sempre, as suas jornadas. Em linhas gerais, no desenvolvimento de Moby Dick, é preciso aceitar naufrágios para aprender lições. Apesar da tentativa de traduzir a complexidade do romance para que públicos mais amplos consigam acessar o conteúdo, a série traz em seus diálogos e situações dramáticas, várias passagens sobre valores filosóficos importantes para compreensão da jornada dos personagens, dentre eles, a ideia de vida e morte, responsável promover as tensões do tecido narrativo originado do romance publicado em 1851, obra que não teve a notoriedade esperada pelo escritor quando lançada, com projeções na cultura após o advento da Primeira Guerra Mundial, clássico sobre a humanidade em oposição às forças da natureza, um encontro da fera selvagem com o orgulho humano. Feras em conflito, Moby Dick e Capitão Ahab sacolejam o barco multiétnico com americanos, negros, indígenas, europeus e orientais, uma representação cabal da sociedade em transformações globais.

Moby Dick (Idem/Estados Unidos,1998)
Direção: Franc Roddam
Roteiro: Anton Duther, Franc Roddam
Elenco: Henry Thomas, Patrick Stewart, Ted Levine, Piripi Waretini, Gregory Peck, Dominic Purcell
Duração: 180 min

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