Ao ter como tema os casos mais notórios de serial killers americanos, é interessante o caminho que Ryan Murphy e Ian Brennan têm seguido com a antologia Monster. De certa forma, é como se continuassem o que foi feito em American Crime Story, mas trazendo uma abordagem diferente do que já foi contado nos cinemas. Assim como Jeffrey Dahmer, Ed Gein teve sua história de origem contada numa espécie de biopic condensada pelo estúdio e lançada diretamente em DVD, mas que agora ganha novos ares nas mãos da dupla. Se o segundo ano da série sofreu pelos tom novelesco e exagerado de Murphy ao focar nos boatos no caso dos Irmãos Menendez, a terceira temporada acerta por contar a história do Açougueiro de Plainfield em paralelo com a sua influência ao longo dos anos na cultura pop.
A repercussão do caso sobre o homem que desenterrava corpos e que também foi acusado de matar duas mulheres na década de 50 influenciou a criação de três histórias clássicas na história do terror e do cinema. Embora muitos detalhes tenham ficado na sombra dos rumores — como as suspeitas de outras sete mortes —, ao ser preso em novembro de 1957, foram descobertos vários itens na casa que morava com a falecida mãe, Augusta Gein, entre eles: cadeiras feitas com pele humana, tigelas confeccionadas com crânios, máscaras produzidas com cabeças femininas. Tido como mentalmente incapaz para ser preso, Gein foi levado para um hospital psiquiátrico e, apenas 11 anos depois, em 1968, os médicos o consideraram apto para ser julgado.
Apesar de Brennan e Murphy ainda terem usado moderadamente da liberdade criativa para inserir detalhes mórbidos — como necrofilia —, acertaram ao contar essa história pensando na influência de Gein. A primeira delas, se trata da adaptação homônima do livro de Robert Bloch, Psicose, pelas mãos de Alfred Hitchcock. Bloch foi ágil em utilizar o relato sobre a mãe religiosa e rígida de Gein, como a sua morte o afetou psicologicamente e o fato do chamado Açougueiro desenterrar defuntos para criar a conhecida história de Norma e Norman Bates. E bem, o impacto disso foi um fenômeno narrativo: mesmo com notoriedade do caso, Hitchcock conseguiu lançar o filme chocante pela sua natureza mórbida e final — vale lembrar que o impacto de Psicose foi tão significativo que gerou uma série prelúdio com forte impressões no nosso imaginário.
A segunda influência começou a ser pensada no início dos anos 70, quando Tobe Hooper estudou o caso de Gein, observou a cobertura midiática em casos de violência e também o cenário social e político envolvendo os massacres da Guerra do Vietnã, e, em 1974, surgiu O Massacre da Serra Elétrica, responsável por introduzir importantes tropos do slasher: o grupo de amigos viajando para um lugar isolado, os estereótipos sociais e outros. É interessante como Brennan e Murphy se utilizam da metalinguagem quase que de forma amadora para recriar cenas — como a versão brutal de Marion no chuveiro — ou para criar novos momentos — como de Gein utilizando a serra elétrica — e, ainda assim, funcionar como a visão da dupla de episódios clássicos que conhecemos.
Então, assim como Monstro: A História de Ed Gein apresenta sua Marion e Tobe Hooper, também insere a Clarice Starling sem pretensão de parecer a Jodie Foster, mas algo semelhante, sem destoar do que já foi feito. Ao evitar o caminho da romantização e condenação, vida e morte do Açougueiro de Plainfield, Murphy e Brennan optam relembrar a sua influência na cultura pop e trabalhar a narrativa em torno disso. Afinal, muito mais do que mídias e refilmagens tentando recontar a história de Gein, os clássicos continuam gerando derivados e sendo relembrados. Graças a Psicose, tivemos Bates Motel; por Hooper, o memorável remake de O Massacre da Serra Elétrica foi lançado em 2003, e graças a adaptação do romance de Thomas Harris, O Silêncio dos Inocentes inspirou Bryan Fuller a entregar a quase perfeita Hannibal.
Monstro: A História de Ed Gein (Monster: The Ed Gein Story – EUA, 2025)
Criação: Ian Brennan
Direção: Ian Brennan, Max Winkler
Roteiro: Ian Brennan
Elenco: Charlie Hunnam, Suzanna Son, Charlie Hall, Vicky Krieps, Laurie Metcalf, Torrey Hanson, Robin Weigert, Tyler Jacob Moore, Lesley Manville, Joey Pollari, Alanna Darby, Brock Powell, Tom Hollander, Addison Era, Will Brill, Linda Reiter
Duração: 443 min. (oito episódios)