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Crítica | Mulher-Maravilha: Terra Morta

por Ritter Fan
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O selo DC Black Label continua soltando uma boa quantidade de histórias fora da continuidade normal da editora no formato mais quadrado que a caracteriza. Com atrasos aqui e ali – desta feita causados pela pandemia e pela decisão arriscada da DC em cortar seus laços com a distribuidora Diamond nos EUA – Mulher-Maravilha: Terra Morta, a primeira graphic novel do selo com a Amazona, teve suas quatro edições publicadas entre dezembro de 2019 e agosto de 2020, resultando em uma história sem dúvida interessante, mas marcada por uma familiaridade temática tão grande que talvez a torne lugar-comum para muitos.

Essa familiaridade vem primeiro da temática: um futuro pós-apocalíptico em que apenas a super-heroína sobreviveu e precisa levar os humanos sobreviventes para Themyscira, que faz as vezes de Terra Prometida. Quantas vezes esse tipo de história já não foi contada, não é mesmo? Até a seminal Cavaleiro das Trevas, de uma forma ou de outra, se apropria dessa temática, ainda que a obra de Frank Miller seja incomparavelmente mais complexa e densa. E o segundo aspecto que contribui para essa familiaridade é justamente a linearidade da história escrita e desenhada por Daniel Warren Johnson, com o autor menos preocupado em criar uma realidade cuidadosa e detalhada e mais em lidar com causas e consequências, uma escolha consciente dele, que fique bem claro, mas que acaba tornando a história corrida e escrava dos mistérios que levaram o planeta a essa situação e o como e o porquê de a Mulher-Maravilha ter sido a única sobrevivente entre os super-heróis.

No entanto, se o leitor souber deixar a familiaridade que exala de cada uma das quase duzentas páginas dessa saga, ele conseguirá encontrar divertimento. O início da ação, com um grupo de amigos procurando comida e/ou objetos valiosos pelas terras devastadas, sendo caçados por uma criatura mutante aterradora e acabando no que restou da batcaverna, exatamente em cima de uma câmara de estase onde Diana Prince estava em animação suspensa é, sem dúvida alguma, intrigante e cumpre bem a função de prender o leitor à narrativa. Ajuda a conveniência de Diana não lembrar de absolutamente nada quando desperta e ir aos poucos se adaptando a essa nova e terrível realidade, descobrindo versões da agora lenda que destruiu o mundo, especialmente os misteriosos Grandes Incêndios. É a jornada de auto-descoberta que funciona aqui, ainda que Johnson nem sempre saiba conectar bem os pontos.

(1) Diana desperta e (2) Mulher-Maravilha na arena.

Outro elemento que chama atenção é a arte. Ela é feia, suja, decadente, beirando o desagradável. E esses não são aspectos negativos, que fique bem claro. O clima pessimista da história realmente pedia algo assim e Johnson entrega a exata representação visual daquilo que escreve, jamais, sequer por um momento, caindo na armadilha de retratar Diana como uma deusa perfeita que somente toma decisões pensando nos outros. A protagonista, aqui, é uma mulher dividida entre seu amor pela Humanidade e pelas suas irmãs amazonas que não hesita em dizer não quando sente que é necessário, mesmo que, para o leitor, seja evidente que esse não em breve será um sim.

Se Johnson trabalha bem visualmente sua protagonista e os demais personagens imediatamente ao seu redor, tenho para mim que ele pecou na retratação das criaturas monstruosas – batizadas de “haedras” – que são verdadeiras pragas nesse futuro hostil. Afinal, os bichos, se por vezes lembram de longe os vermes da areia da saga Duna, mais parecem uma coleção de criaturas genéricas vindas direto de algum filme B de horror dos anos 60. Claro que a construção narrativa por trás delas cria um drama que de certa forma funciona – mas que eu achei exagerado e até implausível mesmo dentro da lógica interna elástica natural às HQs -, só que faltou mais inspiração e cuidado na forma de retratá-los na graphic novel.

Igualmente, não comprei a solução narrativa para a explicação dos Grandes Incêndios, algo que não abordarei aqui em detalhes para manter a crítica livre de spoilers. O ponto é que a história pregressa do apocalipse, que é contada em flashbacks básicos, estava indo muito bem quando seguia o lado mais, digamos, humano da coisa. Quando a narrativa entra no lado meta-humano, ela perde a força e uma série de conveniências entram em campo, culminando com os tais “incêndios” que me pareceram completamente jogados e altamente improváveis da forma como acontecem. Johnson nos pede que aceitemos certas situações que, mesmo que sejam derivadas das regras que ele estabelece para a sua Mulher-Maravilha, simplesmente não se encaixam na interação dela com outros personagens.

Os títulos do selo DC Black Label precisam de um “algo a mais” para justificar essa classificação, elemento sem dúvida presente em obras como Batman: Amaldiçoado e Harleen. Mulher-Maravilha: Terra Morta, infelizmente, não é muito bem sucedida nesse aspecto, ainda que seja uma leitura engajante, divertida e com uma bela arte, certamente superior à frustração que foi Superman: Ano Um. Seja como for, a Amazona merecia uma estreia melhor do que a pegada “última super-mulher sobre a Terra” nessa iniciativa mais adulta da DC Comics.

Mulher-Maravilha: Terra Morta (Wonder Woman: Dead Earth, EUA – 2020)
Contendo: Wonder Woman: Dead Earth #1 a 4
Roteiro: Daniel Warren Johnson
Arte: Daniel Warren Johnson
Cores: Mike Spicer
Letreiramento: Rus Wooton
Capas: Daniel Warren Johnson, Mike Spicer
Editora: DC Comics (DC Black Label)
Data original de lançamento: 18 de dezembro de 2019, 19 de fevereiro, 16 de junho e 18 de agosto de 2020
Páginas: 196

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