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Crítica | O Silêncio (The Silence, 2019)

por Luiz Santiago
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Baseado no livro homônimo de Tim Lebbon, lançado em 2015, O Silêncio não é só a resposta para a pergunta “Como seria se… Um Lugar Silencioso fosse um filme ruim?“, mas também a prova de que uma boa fórmula e/ou premissa de pouco serve ser o roteiro e a direção não sabem desenvolver o tema de maneira minimamente inteligente. Notem que obras amparadas em clichês, com inspiração em outras tramas de sucesso ou adaptações um tanto oportunistas vindas das mais diversas mídias (nenhuma novidade em se tratando de capitalização dentro do audiovisual, convenhamos) pode sim ter um bom resultado final, desde que o mínimo de coesão seja observado na construção da história e a maneira de contá-la faça sentido. Em The Silence (2019), tropeça-se bastante nesses dois patamares.

Dirigido por John R. Leonetti (de Annabelle), a obra nos mostra a chegada de um “apocalipse natural” causado por criaturas denominadas “vespas” (pois é) que saíram de uma caverna, onde estavam aprisionados por supostamente milhões de anos. Aqui a gente não precisa ser chato em relação à multiplicação absurda dessa espécie, porque se a gente aceitou a praga repentina e não justificada de aves no excelente Os Pássaros (1963), a gente pode aceitar a explicação não literal, mas visual, de que os bichos aqui se multiplicam depositando ovos nos corpos que comem. A cena da farmácia (tentativa risível de — copiar? Homenagear? Referenciar? Faça sua escolha — a abertura de Um Lugar Silencioso) também deixa claro que o ciclo de gestação desses ovos é bem curto, então, cá estamos com uma aceitável, embora não elegante, explicação para a presença bem grande desses animais em tão pouco tempo.

Flertando também com Bird Box, produção da Netflix que se firma na mesma coluna de “família em perigo num mundo pós-apocalíptico“, O Silêncio chega até a enganar um pouco, nos primeiros minutos, porque as escolhas até aí fazem sentido. Notamos um esmaecimento frequente das cores da fotografia desde a cena pós-caverna (a propósito, os créditos de abertura desse filme são maravilhosos!) e vemos uma preparação competente do roteiro até os animais realmente começarem a atacar as cidades. Ally, personagem de Kiernan Shipka, é uma espécie de guia nessa jornada de adaptação e esse mesmo discurso é utilizado pelo roteiro para abrir e fechar o longa, o que foi uma escolha acertada, tanto em consideração à espécie desconhecida que agora está dizimando a população do mundo, quanto aos humanos, que realmente precisam se adaptar. O discurso é bom, mas sua colocação… nem tanto.

O que parece faltar em O Silêncio, é um verdadeiro foco para o roteiro. A criação de um ambiente de caos, por exemplo, abre toda uma grande camada de possibilidades, mas é rapidamente colocado em segundo plano para mostrar pequenos pedaços de ação da família contra as “vespas”, como se o texto dependesse de pontos de choque o tempo inteiro em vez de pegar firme na exploração emocional de cada membro da família, expondo como lidam com essa nova realidade. Como era de se esperar, a gente se importa com os personagens aqui, em diferentes medidas, então não era assim tão difícil, considerando o que o próprio filme propõe, desenvolver melhor a relação entre os indivíduos nesse mundo… silencioso. Só que este mundo não é exatamente silencioso. E este é um outro problema do filme.

Se uma das propostas era explorar o silêncio e marcar a sobrevivência de uma família num drama pós-apocalíptico, a gente já sabe qual o grande inimigo da obra: o didatismo fofucho. E é justamente isso que acontece quando o diretor resolve colocar uma trilha sonora melancólica em momentos onde um bom trabalho de edição de som ou real uso do silêncio tornaria tudo mais poderoso. Essa mania de dramas já tensos em querer ensinar ao espectador o que ele deve sentir, numa sobrecarga e reafirmação de emoções, sempre acaba mal. Outro ponto em que isso acontece é no namorico entre Ally e Rob (Dempsey Bryk), que vai bem até um ponto e depois acaba entrando na seara da extravagância dos sentimentos, num tipo de melodrama que não combina em nada com o filme, vide o tenebroso diálogo final entre os dois, assim como aquela narração condescendente para com o espectador que porventura tenha dormido durante a projeção…

E sim, a gente precisa falar, mesmo que rapidamente, do grande elefante branco da obra: o Reverendo interpretado por um assustador Billy MacLellan e sua organização religiosa. Não há nada que justifique um núcleo bizarro desses na fita quando já se tem algo mortal para lutar contra e um sem-número de providências para tomar. Os roteiristas acharam que estavam escrevendo dois episódios de The Walking Dead? Eu não posso deixar de atribuir o merecido valor à boa sequência na chuva, entre o personagem de Stanley Tucci e sua família contra os membros da seita dos Silenciosos. Mas não dá para simplesmente enfiar um segundo drama — que nem continuidade tem até o fim da obra — só para “apimentar” as coisas. Não estamos em uma série de TV. E em um filme com esse tipo de enredo, a grande ameaça já é o suficiente, ela só precisa ser bem construída… mas a esta altura do campeonato, já ficou claro que não é exatamente a praia dos roteiristas Carey e Shane Van Dyke desenvolverem bem o drama principal e seus personagens, não é mesmo?

Dá para pinçar alguns bons momentos no segundo ato de O Silêncio, mas não o bastante para fazer com que o filme tenha um bom resultado final. Alguns espectadores vão dar uns pulos e ter um susto aqui e outro ali, mas nada muito fora disso. Vale o destaque para o design das criaturas, que causa uma impressão estranha, de um nojo caindo para um insperado medo, mas isso isoladamente também não faz milagre. Não foi dessa vez que conseguiram bater em qualidade o longa de John Krasinski.

O Silêncio (The Silence) — Alemanha, EUA, 2019
Direção: John R. Leonetti
Roteiro: Carey Van Dyke, Shane Van Dyke (baseado na obra de Tim Lebbon)
Elenco: Stanley Tucci, Kiernan Shipka, Miranda Otto, Kate Trotter, John Corbett, Kyle Breitkopf, Dempsey Bryk, Billy MacLellan, Chris Whitby, Zoe Doyle, Cory O’Brien, Alex Hatz, Gregory Waters, Sarah Abbott
Duração: 90 min.

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