Parte do acerto de The Black Phone foi por ter melhorado muitos os aspectos do conto escrito por Joe Hill e, por consequência, o longa apresentou uma personalidade sobrenatural empolgante na identidade do visual do vilão The Grabber, e também na construção de um coming of age que dialogava com a violência que acometia a juventude no final da década de 70. Em suma, a adaptação agradou pela originalidade e criatividade da sua mitologia, funcionando de maneira independente. Mas como qualquer outro sucesso comercial em Hollywood, seria impossível um filme superar as expectativas dos estúdios e ficar na categoria de “terror indie”. Logo, Scott Derrickson e a Blumhouse tinham a tarefa de manter a essência da história, porém, O Telefone Preto 2 sofre com dois problemas: uma barriga narrativa que não sabe como engatar, e a tentação de criar set pieces tendo em vista que o cenário propõe desafios maiores.
Mesmo com um foco maior na dramaticidade, o primeiro filme conseguiu envolver de forma orgânica e inesperada enquanto a sequência aqui sofre com uma estrutura que não sabe cumprir com as expectativas de voltar para este universo — e bem, até o próprio Mason Thames parece perdido, deslocado como protagonista. Dessa vez, o roteiro de Derrickson e C. Robert Cargill substituem o cenário urbano e atmosfera psicológica e opressiva por um cenário gélido e isolado, mas diferente da densidade e tensão que os cômodos claustrofóbicos ofereciam, a ideia é transmitir isolamento e paranoia enquanto o texto tropeça no didatismo emocional e melodramático dos personagens. Como ilustração, a impressão é que tentam captar a todo tempo o efeito da cena que Gwen (Madeleine McGraw) apanhava do seu pai (Jeremy Davies) mas com uma lógica que parece consciente demais do que quer reproduzir. Nesse sentido, se The Black Phone conseguiu investir no drama antes de apresentar o terror perverso e sobrenatural, essa sequência falha entre encontrar um ritmo e equilíbrio para replicar ideias.
Conhecido pela direção de filmes de terror, Derrickson utiliza todas as referências da sua filmografia para criar algo narrativamente novo e intrigante, e isso fica nítido nos sonhos com estética de gravações caseiras e granuladas que servem para separar, visualmente, sonhos e realidade, mas não demora muito para esse recurso criar um entrave narrativo que explora com eficiência as possibilidades. Ao apelar para mitologia criada por Wes Craven em A Hora do Pesadelo, a ideia era criar um senso de urgência e isolamento enquanto as habilidades paranormais de Gwen se intensificavam, e consequentemente, revelaria o retorno de Grabber que — agora carrega ares de Freddy Krueger —, porém, a falta de ritmo impossibilita a fluidez dessa narrativa que investe em mais elementos sobrenaturais para compor esse universo. O problema é que Derrickson quer fazer de Grabber o seu Krueger, e não só usar o mundo dos sonhos como uma ponte entre o espiritual e o real, o que tira essência e identidade criada para o vilão.
Além dos acenos a Elm Street, é inevitável pensar que a ideia de localizar a história em um acampamento para adolescentes não tenha inspirações em Sexta-Feira 13, enquanto o texto esbarra na tentativa frustrada de fazer humor sobre o conservadorismo cristão e a presença demoníaca do Grabber. Se Terrifier 2 funcionou ao se inspirar em Krueger para trazer o palhaço assassino de volta, aqui Derrickson consegue estragar um trabalho minucioso que combinava a performance corporal de Ethan Hawke e a alegoria através das máscaras, que apontava as variações de humor: se a palidez da máscara de Michael Myers representava alguém sem emoção, as diferentes facetas do vilão dos telefonemas — Ghostface? — apontavam para um mal que não queria ser visto, mas que perde essa identidade visual em prol de criar sequências a nível de Invocação do Mal e de um slasher com um assassino qualquer patinando no gelo. Assim, enquanto a máscara remetia a algo demoníaco graças a parte superior com chifres e a parte inferior acompanhava as afeições que adotava, o roteiro agora preza em tornar isso uma piada didática, deixando de lado a personalidade original do seu vilão.
Se por um momentos Thames parece tão deslocado a ponto de fazer pensar que teve conflitos de agendas com as gravações de Como Treinar o Seu Dragão, e “Fregurizar” o Grabber não deu tão certo como o esperado, ao menos apostar o protagonismo em Gwen e explorar as habilidades da personagem, só serviram para mostrar o talento de McGraw — que rouba a cena com uma facilidade emocional notável, sem precisar das investidas melodramáticas que o roteiro insiste. Certo que as sequências no rio congelado rendem set pieces visualmente divertidos a fim de explorar novas ideias com o palhaço mascarado, porém, a ligação entre o limbo espiritual que separa as vítimas do mundo real não parece mais estar em sintonia, com o mesmo nível intrigante de ver essa história sendo contada. E pior do que tentar reproduzir o que já foi feito em grandes clássicos, é a tentativa frustrada dos estúdios quererem eternizar, precocemente, um novo vilão na cultura pop frente ao desejo de lucrarem mais.
O Telefone Preto 2 (The Black Phone 2 – EUA, 2025)
Direção: Scott Derrickson
Roteiro: Scott Derrickson, C. Robert Cargill
Elenco:Mason Thames, Madeleine McGraw, Ethan Hawke, Jeremy Davies, Arianna Rivas, Miguel Mora, Demián Bichir, Anna Lore, Simon Webster, Jacob Moran, Maev Beaty, Shepherd Munroe, Dexter Bolduc, Graham Abbey, Chase B. Robertson
Duração: 114 min