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Crítica | Parasita (2019)

por Luiz Santiago
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Desde a sua estreia em longas-metragens, com o filme Cão Que Ladra Não Morde (2000), Bong Joon Ho apresentava características de crítica e sátira sociais aliadas a uma comédia de toques cruéis, cenas de violência e uma abordagem direta sobre como o meio social (em situações normais e extremas) influencia os indivíduos das mais diferentes maneiras. Em Parasita (2019), filme vencedor da Palma de Ouro em Cannes, o cineasta reafirma esses elementos nucleares de sua assinatura (aqui, ele escreve o roteiro em parceria com Jin Won Han, que foi diretor de segunda unidade em Okja) e mostra uma grande maturidade ao dirigir um filme longo, relativamente parado — por  ser reflexivo na forma como o drama se constrói — e tremendamente engajante.

Duas famílias são o foco deste enredo. Os Kim, família pobre que vive de dobrar caixas de pizza e que mal possui dinheiro para comer; e os Park, família muito rica que acaba empregando, por indicação, o jovem Ki-woo (Woo-sik Choi), que se torna tutor de inglês da filha mais velha dos abastados, a insegura Da-hye (Ji-so Jung). Uma diferença de classes sociais é imediatamente exposta pelo roteiro, que primeiro ressalta um lado não muito conhecido ou mesmo escondido da Coreia do Sul — a pobreza, a periferia das enormes cidades — e depois usa dessa informação para criar um drama que, embora seja político e crítico, não pontifica sobre esse abismo social. O interesse do diretor é mostrar o meio marcando os indivíduos a ferro e fogo. E essa marca se dá aqui através do trabalho.

Ocorre que a família Kim é trapaceira, embora não sejam exatamente más pessoas. O tipo de crime cometido por eles é conduzido pelo roteiro como uma forma fácil de ganhar dinheiro e, possivelmente, de garantir ascensão social. O contraste entre os espaços físicos é visto no tamanho das casas e nas cores que desenho de produção e fotografia escolheram para cada um deles. Quando vemos os Kim em seu ambiente familiar, temos como destaque ambientes mais escuros, quando não noturnos, sempre com planos que indicam um local apertado, onde esses indivíduos são vistos como insetos, pragas, parasitas amontoados em seu habitat, que se entregam à fumigação de forma simbólica já no início do longa.

Quando passamos para a mansão dos Park, vemos um ambiente mais convidativo, entre marrom e bege no interior e com bastante iluminação, em diferentes tonalidades. Neste lugar, os indivíduos se perdem em meio aos grandes espaços, que de tão impessoal, possibilita a apreciação dos comportamentos fingidos que o roteiro irá desenvolver, quase como se assumisse a mansão como um museu de falsidades, o local onde os muito ricos “são bondosos e ingênuos demais porque têm muito” e onde os pobres veem a oportunidade de se esbaldar, de infestar o espaço de seus empregadores. Para isso há um inteligente, cômico e rápido plano de parasitação, ao longo do qual o roteiro se ergue, jamais deixando as marcas sombrias de lado, mas ainda não abraçando o thriller. Os diálogos afiados e deliciosamente orgânicos mais a atuação excepcional de todo o elenco torna essa jornada de pseudo-escalada da pirâmide social cativante desde o início, da qual a gente não consegue tirar os olhos (é fato que as 2h10 do filme passam que a gente nem vê).

Então há um baque. Seco. Cru. Em questão de segundos o diretor faz com que o nosso humor desça das alturas, e essa constante queda em direção ao inferno social e emocional será a tônica da reta final da obra. O texto nos prepara uma porção de surpresas que se apresentam através de diferentes personagens e motivações. De repente chocam-se núcleos de disputa de poder, sentimento de vingança (pela sensação de perda ou de se sentir discriminado) e pela marcação do domínio entre aquele que tem dinheiro, alguma arma, coragem e aqueles que, para oferecer, só tem mesmo a força de trabalho. As macro relações econômico-sociais são vistas aqui em um pequeno recorte que mescla humor ácido — que se dissipa rápido, dando lugar ao choque — e coloca na mesa outros aspectos da vida dessas pessoas: suas diferentes relações parentais, matrimoniais e de reação a uma situação extrema, tendo, nesse caso, a família como alvo de defesa e ataque.

De Parasita eu só não gosto do final. O distanciamento do olhar impiedoso do diretor para algo um pouco mais didático e de braços abertos para o verdadeiro tema do conflito do filme trai parcialmente as consequências que o texto reserva para esses personagens. De certa forma, há uma dupla via de interpretação para o que nós vemos no final. Ainda assim, a permissão desse “sonho/desejo” ou de um real “olhar para o futuro“, nessas cenas, interrompem uma jornada quase cínica de pertencimento e não-pertencimento a certas camadas sociais, frustrando um pouco certos caminhos do roteiro. O filme, no entanto, se mantém em altíssimo patamar. Uma imensa surpresa de Bong Joon Ho, que desafia um pouco a si mesmo e problematiza social e emocionalmente o status quo no mais amplo aspecto possível: afinal, quem, nos arranjos de nossa sociedade, é o parasita de quem?

Parasita (Parasite / Gisaengchung / 기생충) – Coreia do Sul, 2019
Direção: Bong Joon Ho
Roteiro: Bong Joon Ho, Jin Won Han
Elenco: Kang-ho Song, Sun-kyun Lee, Yeo-jeong Jo, Woo-sik Choi, Hye-jin Jang, So-dam Park, Kang Echae, Jeong Esuz, Andreas Fronk, Hyun-jun Jung, Ik-han Jung, Ji-so Jung, Jeong-eun Lee, Ji-hye Lee, Joo-hyung Lee, Hyo-shin Pak, JaeWook Park, Keun-rok Park, Myeong-hoon Park, Seo-joon Park
Duração: 132 min.

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