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Crítica | Possuída 2 – Força Incontrolável

por Leonardo Campos
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Como abordado na crítica de Possuída, o despertar para a figura da mulher envolvida pela licantropia foi ampliada depois de encontrar o elucidativo trabalho da pesquisadora Jamille Santos, em sua tese de doutorado defendida da Universidade Federal de Uberlândia, trabalho intitulado Projeções dos Lobisomens na Literatura. Após as menções preambulares num capítulo breve, a autora amplia a análise ao trafegar pela presença do que ela chama de “lobismulher” na literatura, presença que de acordo com suas interpretações, é relativamente recente. A ressignificação da mulher na literatura não apenas como personagem, mas como autoras de histórias é uma das possíveis respostas para este fenômeno que durante bastante tempo, foi algo situado num território exclusivamente masculino. No cinema, por exemplo, podemos observar isso com veemência, pois são raríssimos os casos de mulheres e licantropia. Em seu texto, temos A Companhia dos Lobos, de Angela Carter, e Olhos de Lobo, de Rosana Rios, como reinterpretações de histórias clássicas dos Irmãos Grimm, agora sob o viés da mulher transformada em lobo, nestes casos, tanto a icônica Chapeuzinho Vermelho quanto a sua avó, “amaldiçoadas” pelos efeitos da licantropia após sofrerem ataque.

Este é um campo profícuo para mais debates e problematizações, em meu caso, iniciado pelo ponto de partida cinematográfico, a Trilogia Ginger Snaps, analisada nesta sequência de textos sobre lobisomens no cinema. Após o habitual panorama, tomo Possuída 2 – Força Incontrolável para a análise exclusiva de seus elementos estéticos e dramáticos, menores que o antecessor. É a velha história das continuações que tomam como ponto de partida, o sucesso de suas bases para avançar com material pouco substancial. No caso das irmãs Ginger e Brigitte, faltou o desenvolvimento melhor do texto, pois as ideias dos argumentos renderiam um excelente filme se bem trabalhadas, o que não aconteceu. Desta vez, a direção ficou por conta de Brett Sullivan, cineasta que toma como guia, o roteiro escrito por Megan Martin, dramaturga baseada na história de Karen Walton. Trazer uma mulher para desenvolver uma narrativa sobre licantropia e personagens femininas foi um acerto, em partes, pois mesmo que haja uma discussão bem situada entre um ponto e outro, a produção carece de uma atmosfera mais envolvente. Outro ponto desfavorável é a falta de mapeamento dos acontecimentos anteriores até a chegada aos conflitos propostos na sequência. Ao apagar os elementos fronteiriços de Possuída, temos o enfraquecimento do enredo, desaparecimento de personagens, etc.

O foco agora é Brigitte (Emily Perkins), a irmã que precisou arregaçar as mangas para tentar salvar a si mesma e conter a fúria de Ginger (Katharine Isabelle), personagem que aparece numa presença ao estilo Um Lobisomem Americano em Londres, isto é, ela é uma espécie de imagem do além que pode ser fruto do pensamento de Brigitte, mas também ocupa o espaço de figura sobrenatural que surge para perturbar os novos planos de sua irmã, confusa depois de ficar ferida na batalha e acometida pela licantropia, ter que usar uma droga chamada Aconitum para retardar os efeitos da transformação, pois como deixa claro a sarcástica Ginger, não há escapatória. Assim, temos uma abertura com a garota na biblioteca desenvolvendo pesquisas, perseguida por uma criatura misteriosa que se mantém na penumbra até o desfecho do filme. Ao atacar o atendente do local, o monstro que nunca sabemos a identidade parte para Brigitte que o enfrenta e desmaia. Quando acorda, está numa clínica de reabilitação com várias moças viciadas em drogas. Será neste ambiente que uma boa parte da narrativa se desenvolverá, com personagens ideais para aumentar a contagem de corpos trilhados num caminho de sangue pelo lobisomem que a persegue.

A história, no entanto, evita o apego aos mandamentos da cartilha slasher e ceifa poucas vidas, apenas as que se colocam indevidamente no caminho de Brigitte, seu foco. Dentre os novos personagens com relevância, temos Ghost (Tatiana Maslany), garota chatinha que saca logo de cara as celeumas da licantropia que perturba a novata. Inicialmente sutil, a jovem ocupa um espaço privilegiado do meio para o final e assina a reviravolta da história, gancho para continuidade que não foi aproveitado na terceira incursão da trilogia Ginger Snaps. Ela ajudará Brigitte na fuga, com a condição de ser levada também para arriscar uma nova etapa em sua vida. Alice (Janet Kidder) é a diretora da instituição de internamento, personagem que ficará na cola de Brigitte para compreender os mistérios por detrás da paciente fechada em copas, também supervisionada pelo misógino Tyler (Eric Johnson), enfermeiro local que busca favores sexuais das pacientes, tendo o fornecimento de drogas como moeda de troca para as suas empreitadas. Há outros personagens com funções específicas, tais como morrer ou permitir que determinadas etapas da protagonista avancem nesta trajetória mediana, mas ainda satisfatória como entretenimento ligeiro.

Ao longo de seus 94 minutos, Possuída 2 – Força Incontrolável mantém um bom desenvolvimento estético. O design de produção de Todd Cherniaswsky, em especial, concebe excelentes espaços para o deslocamento dos personagens, desde os corredores e ambientes macabros da clínica de reabilitação ao lar antigo de Ghost, local que nos reserva as reviravoltas no desfecho da narrativa. Dividida entre Gavin Smith e Henry Less, a direção de fotografia também cumpre um trabalho adequado de imersão, com recursos que disfarçam as questões orçamentárias na concepção do lobisomem, supervisionado desta vez pelos efeitos visuais de Ed Ham e maquiagem de Charles Porlier. Na condução musical, a partitura de Kut Swinghammer é genérica, em consonância com o tom do filme, igualmente básico. Ademais, se você chegou ao desfecho interessado em saber quem exatamente é que está por detrás da figura do lobisomem que passa o filme todo à espreita de Brigitte, sugiro que desista e curta apenas o desenvolvimento mediano da narrativa, parte de uma trilogia encerrada em Possuída – O Início, trama que faz uma viagem temporal e retrata as antepassadas das irmãs góticas e macabras, constantemente marcadas pela licantropia.

Possuída 2: Força Incontrolável (Ginger Snaps 2: Unleashed/Canadá, 2004)
Direção:
Brett Sullivan
Roteiro:
Karen Walton, Megan Martin
Elenco:
Emily Perkins, Brendan Fletcher, Katharine Isabelle, Tatiana Maslany, Susan Adam, Janet Kidder, Chris Fassbender, Pascale Hutton, Michelle Beaudoin, Eric Johnson, David McNally, Patricia Idlette, Lydia Lau, Coralie Cairns, Shaun Johnston, Jake McKinnon, Trigger
Duração:
94 min

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