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Crítica | Regresso a Reims (Fragmentos)

Uma visão pessoal (e ideológica) da História.

por César Barzine
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Regresso a Reims (Fragmentos) consegue fazer o casamento perfeito entre duas abordagens documentaristas: uma visão íntima e subjetiva, e outra social e puramente histórica. Ambas as abordagens não carregam nada demais, apresentando apenas questões básicas e fatos simples. O roteiro é movido pela leitura de antigas cartas de operários franceses sendo narradas pela atriz Adèle Haenel, em que a expressividade no retrato de pessoas comuns do passado se constitui justamente dessa banalidade, sendo eles a composição média de uma maioria excluída. E a partir desse ponto ocorre a conexão com o fator social-coletivo, pois o aspecto minucioso que é evocado na narração das cartas transforma tais indivíduos no protótipo para algo maior, que é a classe de trabalhadores da qual pertencem dentro da sociedade francesa. Assim o documentário conquista o seu elemento humano, não por um triunfo ideológico, mas pelo singelo retrato de famílias em seu âmago, com suas vivências totalmente atreladas ao tecido social daquela conjuntura.

Ao mesmo tempo que ocorre esse paralelismo, o discurso do filme acaba sendo, no final das contas, bastante feijão com arroz, apenas mostrando conceitos que são de senso comum – no caso, os anseios, dificuldades, atritos e a militância do proletariado francês. O autor do texto original, Didier Eribon, e seu adaptador e diretor do filme, Jean-Gabriel Périot, não buscam promover grandes desconstruções ou questionamentos, do mesmo modo que não vão apresentar nenhum fato surpreendente. Mas a execução do argumento é tão orgânica e fluida que, mesmo não tendo nada de muito curioso em termos de informações e ideias, o longa não deixa de conquistar o total interesse do espectador. 

Dividido em duas partes e mais um epílogo, o filme também se fragmenta em pequenos capítulos no percurso de cada parte; isso sem ser pulverizado narrativamente, pois cada capítulo funciona apenas como uma espécie de “contagem” do andamento de sua respectiva parte. A primeira das duas, apresenta a situação dolorosa da classe operária em contraste com as classes média e alta nos anos 1950. Não há aprofundamento em nenhuma das pautas, apenas um breve olhar que cria um panorama daquele contexto dominado por desigualdades sociais. A rigor, o que Regresso a Reims mostra basicamente se resume em: os pobres trabalham muito, em condições deploráveis, recebem pouco, não têm educação completa, possuem ínfimos recursos de vida e escassa possibilidade de ascensão social.

Há uma farta quantidade de imagens de arquivo que dão vida a essas questões levantadas, deixando o documentário menos frio e mais próximo, humanizando uma série de ideias que vão além de serem simples conceitos sociológicos e históricos. A narração de Adèle Haenel complementa esse tratamento ao servir como um instrumento para descrever tais fatores, formalizando e conduzindo aquele campo de experiências num conjunto de informações. Já na segunda parte de Regresso a Reims há uma autocrítica (superficial) do grupo de proletários. Não se trata de uma revisão de seus ideais e projetos, mas sim de tentar ampliar o olhar diante daqueles que são vistos como oprimidos e marginais na sociedade – que, neste caso, seriam os imigrantes argelinos. Isso ocorre na passagem de tempo que a narrativa perpassa, saltando alguns anos. 

Desta forma, a ideologia de esquerda passa a ter a necessidade de não apenas englobarem os trabalhadores pobres servindo a questão trabalhista, como também se preocupar com as minorias vítimas de preconceito, abraçando a questão identitária. Esses mesmos trabalhadores que, até este momento, eram apenas oprimidos, passam agora a ser também agentes da opressão, como fica explícito em algumas cenas de arquivo. Segundo a narração, a oposição de extrema-direita fez uso desse desprezo para criar um sentimento de nacionalismo e maniqueísmo entre raças e nacionalidades, fazendo as massas aderirem um outro lado partidário.

Olhando para o argumento e a estrutura de Regresso a Reims, há uma certa semelhança com Democracia em Vertigem; ambos partem de um resgate genealógico e pessoal no núcleo familiar, buscam abranger uma leitura histórica de diversos períodos, falam de alguns dilemas e erros da esquerda (novamente, de modo superficial) e terminam confrontando o estado atual das coisas. Da mesma forma, nenhum dos dois documentários vão além de uma leitura básica da Wikipédia no aspecto informativo, assim como são simplistas demais para realizarem uma metanarrativa e esclarecerem o cerne das estruturas sociais. Ou seja, não servem nem para questionar e nem para atingir respostas minimamente sólidas.

Regresso a Reims (Retour A Reims) – França e China, 2021
Direção: Jean-Gabriel Périot
Roteiro: Jean-Gabriel Périot, Dalibor Matanic (texto original)
Elenco: Adèle Haenel
Duração: 83 minutos.

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