Eu não espero e sequer quero continuações (ou reboots, prelúdios e coisas assim) de filmes, pois sempre preferirei material novo do que a reutilização de universo e personagem anterior. Mas, se continuações são inevitáveis – e elas definitivamente são mais marcadamente hoje em dia do que em outras eras, ainda que elas sempre tenham existido -, então que pelo menos ela se justifique para além do mero mais do mesmo ou, pior ainda, de “menos” do mesmo. Infelizmente, depois de cinco anos de The Old Guard, filme baseado em quadrinhos criados por Greg Rucka e Leandro Fernandez sobre guerreiros imortais reminiscentes de Highlander e estrelado por Charlize Theron, eis que sua sequência aporta no Netflix para ser mais uma obra que merece ser arquivada na gigantesca prateleira das continuações muito piores que o original.
O longo intervalo entre filmes deu-se por duas interrupções na produção por motivos diferentes, mas com nenhuma delas tendo o condão de fazer com que os envolvidos no trabalho percebessem que estavam criando um descalabro narrativo que faz o pior uso possível de duas das melhores atrizes de filmes de ação nas últimas décadas: a própria Theron e Uma Thurman. que vive uma misteriosa imortal que se autodenomina Discórdia, um nome tão pomposo que chega a ser ridículo. A “desculpa” para a nova história é a cena que fecha o primeiro, com Booker (Matthias Schoenaerts) deparando-se com Quỳnh (Veronica Ngô) fora de seu terrível caixão submarino em que ela passou 500 anos morrendo por afogamento incontáveis vezes seguidas, mas, no lugar de realmente aproveitar essa deixa para no mínimo recriar a pancadaria que vimos antes, o roteiro que Rucka escreveu ao lado de Sarah L. Walker é um ótimo exemplo de como deixar a mitologia atrapalhar tudo, de maneira ironicamente muito semelhante ao que aconteceu com o suprassumo dessa categoria infame, o desprezível, insuportável e desgovernado Highlander II – A Ressurreição.
Não que The Old Guard 2 seja tão ruim quanto aquela abominação de 1991, mas tudo é tão genérico e cansado, com todo aquele jeito de filme caça níquel feito apenas como trampolim para uma terceira parte, sem sequer se dar ao trabalho de encerrar arcos narrativos, que o que posso dizer é que a sequência faz todo o esforço possível para ser enquadrado nessa categoria. A inserção inclemente de aspectos expansores da mitologia dos imortais, notadamente a presença da já mencionada Discórdia (Thurman), a primeira imortal, e de Tuah (Henry Golding), um imortal secreto que faz as vezes de bibliotecário de sua linhagem, além de um segredo importante – mas bastante idiota – sobre Nile Freeman (KiKi Layne), retira da continuação tudo aquilo que fazia o primeiro filme funcionar bem, ou seja, a pancadaria incessante e o espaço para Theron ser Theron. E, também como já mencionei, o uso de Thurman é absolutamente patético, com a atriz praticamente fazendo uma ponta de luxo com uma única e curtíssima sequência de ação que, ainda por cima, é como a luta de sabre entre Darth Maul e os Jedi em A Ameaça Fantasma, algo tão milimetricamente coreografado, que fica ridículo, sem nenhuma sutileza, nenhuma veia mínima de verissimilitude.
Uma continuação que tenta se reinventar é muito bem vida, mas é necessário categoria para fazer isso. Rucka e Walker não reinventam absolutamente nada, apenas derramam mais detalhes sobre os imortais que simplesmente não importam ou, mais precisamente afirmando, não importam da maneira como eles são usados aqui. E Victoria Mahoney, na direção, não tem a verve e a experiência necessárias para fazer de um limão uma limonada, o que inevitavelmente transforma The Old Guard 2 em um filme de ação tão cheio de diálogos burocráticos e expositivos que toda a ação propriamente dita é relegada à razoavelmente boa sequência inicial na mansão mais bregamente decorada do mundo e à pancadaria final em uma usina nuclear que é muito sem graça e anticlimática.
Não era muito difícil produzir uma continuação de The Old Guard que, seguindo os passos originais, desse espaço para que Andrômaca de Cítia (Theron), agora mortal, continuasse chutando bundas com a mesma despreocupação de quando era imortal, com a promessa de ver Um Thurman fazendo o mesmo de seu jeito “Noiva” de ser como uma antagonista de peso. No entanto, não é isso que vemos se desenrolar na telinha e o segundo capítulo da franquia acaba se afogando repetidas vezes no dilúvio de sua própria mitologia e da incompetência geral em apenas fazer bem o básico. Que a inevitável terceira parte venha de uma vez e, mais importante do que isso, que seja a última!
The Old Guard 2 (EUA – 02 de julho de 2025)
Direção: Victoria Mahoney
Roteiro: Greg Rucka, Sarah L. Walker (baseado em HQ de Greg Rucka e Leandro Fernandez)
Elenco: Charlize Theron, KiKi Layne, Luca Marinelli, Matthias Schoenaerts, Veronica Ngô, Chiwetel Ejiofor, Henry Golding, Uma Thurman
Duração: 107 min.