Avaliação da temporada
(não é uma média)
- Há spoilers.
Noah Hawley poderia ter feito uma série com xenomorfos caçando e sendo caçados por humanos, com alguns sintéticos aqui e ali. Esse seria o caminho lógico e mais fácil para qualquer tipo de obra dentro desse universo. No entanto, Noah Hawley é Noah Hawley e ele dificilmente se acomoda ao que está pronto diante dele, até porque, se formos realmente parar para pensar na franquia Alien como um todo, sua fórmula básica só gerou dois filmes acima de qualquer suspeita, o primeiro, de 1979, que é um horror espacial e o segundo, de 1986, que é, em essência, um filme de guerra. Tudo o que veio depois ficou à sombra dos clássicos de Ridley Scott e James Cameron e mesmo quando o próprio Scott resolveu retornar a esse universo, ele meteu os pés pelas mãos justamente ao tentar fazer mais do que apenas mais uma repetição do que havia feito antes.
Hawley, porém, conseguiu fazer mais e entregou uma obra que mantém os xenomorfos em segundo plano, por vezes até como figurantes, introduz novas e fenomenais criaturas alienígenas e mantém em destaque os verdadeiramente grandes antagonistas da franquia: a arrogância humana e a ambição desmedida de gigantescas corporações. Para fazer isso, ele precisou se desafiar e desafiar o espectador ao nos apresentar a uma empresa comandada por um autodenominado Garoto Prodigio que, quando as criaturas chegam para ser estudadas, acabara de criar os primeiros híbridos, ou seja, corpos sintéticos capazes de receber a consciência humana em uma tentativa de desvendar, empacotar e vender a tão cobiçada imortalidade. É assim que Wendy e outros cinco sintéticos nascem: corpos robóticos adultos implantados com a consciência de crianças moribundas em um experimento que arremessa a ética e a moralidade pela janela e que permite a conversa sobre o que exatamente é ser humano.
Mas Wendy é especial e não demora a desenvolver habilidades que não haviam sido codificadas em seu corpo sintético, o que lhe permite acesso a máquinas e aos xenomorfos, o que lhe abre o caminho para virar o jogo. Se seus mestres humanos a usam como um produto, então ela usará o xenomorfo como sua arma e uma criança imortal de 13 anos ganha a percepção de que ela é ao mesmo tempo menos e mais do que era quando estava doente. Some-se a isso a tentativa de a Weyland-Yutani, representada pelo ciborgue Morrow, que chegou na Terra na mesma nave que caiu (foi caída, claro) na cidade controlada pela Prodigy, de reaver suas criaturas e pronto, tem-se a tempestade perfeita para manipulações em cima de manipulações serem trabalhadas e desenvolvidas em cadeia ao longo dos oito intrigantes episódios da primeira temporada da série que se revela bem mais do que seu título e sua premissa pareciam prometer, mesmo que muitos discordem. Hawley pula o óbvio e o básico e entrega o fascinante e o ousado e o fascinante e o ousado raramente é bem recebido assim de imediato. Fica a torcida para que essa jornada não acabe por aqui.
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Como fazemos em toda série ou minissérie que analisamos semanalmente, preparamos nosso tradicional ranking dos episódios para podermos debater com vocês. Qual foi seu preferido? E o que menos gostou? Mandem suas listas e comentários!
8º Lugar:
Emersão
1X07
Aqui no site já dedicamos, integral e parcialmente, textos e mais textos para tentar explicar que uma crítica é sempre eminentemente subjetiva e parcial (aqui e aqui, por exemplo). Ela é – e deve ser – temperada por elementos que podem ser enquadrados como objetivos e imparciais, mas, no final das contas, o que fica é a convicção pessoal do crítico sobre a obra que ele se propôs a analisar. Essa impressão carrega aspectos das mais variadas ordens, do peso que se dá a determinado elemento positivo ou negativo, passando pela capacidade do crítico de aceitar ou rejeitar essas ou aquelas características, e chegando ao puro gosto mesmo, algo por vezes até inexplicável, mas que é formado de suas experiências de vida como um todo. Faço esse preâmbulo todo apenas porque, quando Emersão, penúltimo episódio da primeira temporada de Alien: Earth acabou, tudo o que me passava pela cabeça era o quanto eu não suportei ver um xenomorfo fazendo “xenomorfagens” de dia, com sol a pino, em um lugar completamente aberto. Foi como um tapete brutalmente puxado sob meus pés, uma violenta e inesperada subversão de tudo aquilo que eu conectava com a franquia Alien, em que sombras, corredores estreitos, espaços claustrofóbicos, habilidades camaleônicas são a regra mesmo nos piores exemplos que tivemos ao longo das décadas (e não foram poucos).
7º Lugar:
Metamorfose
1X03
Logo de largada, é um pouco decepcionante que Alien: Earth caminhe para ser uma versão de Jurassic Park com xenomorfos e outros bichos escrotos. Não que eu não aprecie um massacre cheio de sangue, tripas e gosmas em um ambiente controlado e fechado que pode ser muito facilmente eliminado por completo sem atrapalhar a continuidade do universo inicialmente criado por Ridley Scott, mas confesso que o que Hawley fez, aqui, foi trocar seis por meia dúzia, retirando a ação de um espaço semifechado, mas com potencial para desdobramentos mais surpreendentes e transportando-a para um espaço completamente fechado, por ser cercado por um oceano, lá na Terra do Nunca de Boy Kavalier, que, pelo menos em tese, oferece algo que já vimos antes algumas várias vezes no audiovisual.
6º Lugar:
Mr. October
1X02
Noah Hawley parece engajado, pelo menos nesses dois episódios iniciais, a homenagear visualmente os dois primeiros longas da franquia, com Terra do Nunca emulando Alien,o Oitavo Passageiro naquela sequência de abertura na Maginot e por toda a forma como a narrativa é trabalhada e, agora, com Mr. October, o que temos é uma aproximação ao estilo mais frenético, com mortes em quantidade, de Aliens, o Regate. Mas essa é apenas a superfície para agradar os fãs, superfície essa que não custa nada ser feita se o encaixe por propício e ele definitivamente é. O importante, porém, é conseguir apreciar o que o showrunner parece querer fazer abaixo da superfície, algo que vai além do cabo de guerra entre corporações gananciosas e também das críticas antibelicistas que James Cameron fez questão de pontilhar em seu longa de 1986. E, quando digo “além”, não quero de forma alguma diminuir o que veio antes, pois não há reparos a fazer nos filmes que abriram a franquia, mas sim apenas salientar que Hawley não parece interessado em repisar os mesmos assuntos.
5º Lugar:
Terra do Nunca
1X01
Aliás, diria que Hawley foi espertíssimo na forma como conduziu o início de Terra do Nunca, deixando primeiro claro que seu foco é na corrida corporativa pela imortalidade e, depois, praticamente recriando Alien, o Oitavo Passageiro maravilhosamente bem, só que com passo acelerado, para já arremessar a nave USCSS Maginot (mais um nome bem bolado para espaçonaves nesse universo), da Weyland-Yutani, que está retornando repleta de espécies alienígenas, incluindo pelo menos um Facehugger, de uma missão que levou 65 anos, em New Siam, cidade da Prodigy, corporação concorrente fundada pelo garoto prodígio Boy Kavalier (Samuel Blenkin). E o principal objetivo do showrunner em se aproximar narrativa e visualmente do longa original parece ser bem simples, algo como “toma aí, agora deixe-me fazer do meu jeito”, algo que ele trata então de estabelecer já nos levando para a Terra do Nunca, uma ilha da Prodigy em que a mente da moribunda menina de 11 anos Marcy Hermit (Florence Bensberg) é transferida para o corpo artificial já adulto de uma sintética que ela mesmo rebatiza de Wendy, marcando a primeira vez em que isso é feito e, depois, repetido com outras crianças.
4º Lugar:
Os Monstros de Verdade
1X08
Hawley e Pensoneau levam a narrativa às suas consequências lógicas e naturais, começando com os híbridos presos em uma jaula e Joe e Morrow presos em outra, com a voz de Atom Eins fazendo um relatório para Boy Kavalier deixando bem claro o quão precária é a situação, a ponto de ele sugerir que o Garoto Prodígio abandone a Terra do Nunca o quanto antes. É a situação ideal para Wendy, então, usar sua habilidade de “conversar” com máquinas e com xenomorfos, passando a controlar de fechaduras eletrônicas a câmeras de vigilância, de elevadores a até mesmo o próprio Atom Eins que, no final das contas, é o primeiro sintético criado por Kavalier, em uma revelação que só se tornou clara para mim quando o desequilibrado trilionário fala de seu passado. Ficou subentendido que Wendy não foi capturada, mas sim deixou-se capturar de forma a fazer justamente o que faz, que é colocar lenha na fogueira para puxar o tapete sob seu criador e tomar as rédeas da situação em uma legítima “revolução das máquinas”.
3º Lugar:
No Espaço, Ninguém…
1X05
Era absolutamente essencial sabermos dos detalhes do que aconteceu na USCSS Maginot a ponto de um episódio inteiro ser dedicado a isso? Certamente que não. Afinal, tudo o que há de novidade em No Espaço, Ninguém…, que basicamente muda a forma como encaramos o ciborgue Morrow, poderia ser muito facilmente abordado de outra forma. No entanto, a grande verdade é que Noah Hawley podia e queria fazer o episódio do jeito que fez e, tenho para mim que, lá atrás, no pitch da série, o quinto capítulo da temporada foi usado como uma forma de os executivos do estúdio toparem o projeto. E o resultado não só é sensacional, como é, também, o terceiro melhor “filme” da franquia com bastante folga, com o showrunner, que também roteiriza e dirige o episódio, recriando o primeiro longa na forma de um média metragem, só que com assinatura própria e sempre – SEMPRE! – respeitando a construção imagética clássica.
2º Lugar:
Observação
1X04
Permitindo-me começar esta crítica com um aparte, preparei um pote de café para degustar aos poucos durante o episódio e, segundos antes de iniciar, servi-me da primeira xícara e tomei um gole só para verificar se estava na temperatura correta. Não estava, então deixei de lado e cliquei em play, sabendo que tomaria outro gole em um ou dois minutos. No entanto, quase 60 se passaram e só toquei na xícara e pote frios quando os créditos começaram a subir e eu finalmente saí de meu transe. Porque foi um transe audiovisual, sem dúvida alguma, como acontece quando mergulhamos em algo tão profundamente que perdemos toda a noção de espaço e tempo, que foi exatamente o que aconteceu em Observação, que marca a metade de Alien: Earth. Claro que a experiência com o audiovisual pode e deve variar de pessoa a pessoa, mas foi essa a experiência que tive com o episódio e que me obrigou a reassisti-lo para redigir a crítica de forma a ter certeza de que não estava exagerando.
1º Lugar:
Voe
1X06
É absolutamente fascinante como Noah Hawley consegue, beneficiado pelo tempo “esticado” que tem com sua série, trabalhar magistralmente com o que de pior a humanidade tem ao justamente desafiar os conceitos de Humanidade, algo que Ridley Scott fez tanto no longa original de 1979 como no clássico Blade Runner que, lá no fundo, para mim, compartilham o mesmo universo. Depois de um episódio milimetricamente feito para agradar o público mais amplo possível, em que ele fez um remake do filme que deu origem à franquia sem realmente fazer um remake e oferecendo seu próprio e belíssimo verniz, Hawley retorna para o presente e para a Terra do Nunca onde crianças em corpos robóticos adultos vistas como produtos pelos donos do dinheiro se comunicam com xenomorfos, têm traumas muito humanos e são tentados pela figura do diabo, e onde criaturas desconhecidas são tratadas como potenciais armas a serem usados na guerra por hegemonia de poder.