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Crítica | A Princesa e o Sapo

por Ritter Fan
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A Disney não produzia uma animação puramente desenhada à mão desde 1988, com Oliver e Sua Turma, mas sua conversão para o unicamente digital só aconteceu de verdade depois do lançamento de Nem Que a Vaca Tussa, enorme fracasso de crítica e bilheteria, quando a empresa anunciou que não mais faria animações tradicionais, como se a culpa do insucesso do filme das vaquinhas fosse em razão da animação tradicional. A decisão, obviamente, foi como um balde de água fria para os apreciadores de uma pegada mais clássica para grandes lançamentos, já que, com o mergulho 100% digital da Casa do Camundongo, ela passaria a seguir os passos da Pixar, sem, nesse intervalo, chegar aos pés da pior produção da empresa criada por George Lucas (vide os tenebrosos O Galinho Chicken Little, A Família do Futuro e Bolt – Supercão, que seguiram a odisseia das vacas). Era o fim de uma era.

Mas eis que, em 2006, a Disney faz sua primeira enorme aquisição dos anos 2000, comprando a Pixar e trazendo de lá os brilhantes Ed Catmull e John Lasseter (então ainda não caído em desgraça) respectivamente como presidente e Chief Creative Officer da Disney Animation Studios, supervisionando toda a produção animada da Disney e da Pixar. A primeira decisão da dupla?Revogar a decisão anterior de não fazer mais animações tradicionais sob o guarda-chuva clássico da Disney e recontratar quase todo mundo que fora demitido. Abençoados sejam os dois!

O resultado disso foi A Princesa e o Sapo, animação 2D “desenhada à mão” (as aspas procedem, por não ser, obviamente, toda desenhada à mão) que localiza a ação no começo do século XX em Nova Orleans, a menos americana das cidades americanas, e que adapta de longe o livro infantil The Frog Princess, de E.D. Baker, por sua vez baseado no clássico conto de fadas O Príncipe Sapo, cuja versão mais conhecida é a atribuída aos Irmãos Grimm. A fusão da energia da cidade com animais carismáticos, a estrutura clássica de musical, que também volta com força total e uma princesa inédita para a empresa – a primeira afrodescendente – torna A Princesa e o Sapo um deleite audiovisual que, arrisco dizer, serviu como a fagulha que faltava para fazer o motor de arranque da Disney mais uma vez funcionar a todo vapor.

A animação conta a história de Tiana (Anika Noni Rose), uma simpática garçonete que tem o sonho de ser dona de um restaurante, exatamente como o pai falecido dela sonhava. Para isso, ela trabalha quase 24 horas por dia e economiza cada centavo. Um belo dia, Naveem (Bruno Campos), um príncipe falido de um reino distante e que adora jazz chega à cidade para um encontro arranjado com a melhor amiga de Tiana, Charlotte La Bouff (Jennifer Cody), uma aristocrata local que, suspeito, foi inspirada ainda que de leve em Blanche DuBois. Obviamente que tudo dá errado e o príncipe se envolve com o Dr. Facilier (Keith David), um mago do vodu que quer arrancar o dinheiro da família de Charlote. Aventura vai, aventura vem, o príncipe é transformado em um sapo e, quando Tiana o beija, achando que ele se transformaria em príncipe, ela própria acaba tornando-se uma sapinha. Assim, os dois anfíbios saem em uma grande aventura para reverter o feitiço, encontrando no meio do caminho o vagalume caipira Ray (um cajun, típico daquela região, com voz de Jim Cummings) e o crocodilo Louis (Michael-Leon Wooley), que adora jazz e almeja tocar junto com os humanos.

A narrativa é vibrante não só pela ação, como pelo belo uso de cores muito vivas por Rasoul Azadani, diretor de fotografia, e pela criação de um dos mais diferentes vilões do panteão da Disney, o Dr. Facilier que tem sua própria sombra como personagem com vontade própria, além da habilidade de conjurar demônios e outras criaturas do vodu que fazem jus às raízes étnicas da história. Além de um visualmente excelente vilão, temos um dos mais trágicos sidekicks, Ray cujo final é de fazer escorrer aquele desagradável líquido salgado dos olhos. Mais do que muitas animações “de princesa” anteriores, a atmosfera onírica é bem presente aqui e o tratamento que Tiana recebe é digno, jamais ficando em segundo plano ou sendo apenas a dama em perigo. Ao contrário até, as interações dela com Naveem, ambos como sapos, são hilárias e acalentadoras, quase dando vontade que os dois permaneçam na forma animal por mais tempo. Por outro lado, tanto ela quanto seu príncipe são razoavelmente unidimensionais, com seus respectivos arcos narrativos ganhando pouco desenvolvimento.

No departamento musical, não há nenhuma canção que, hoje, olhando em retrospecto, possa ser considerada como um clássico Disney, daquelas que se tornam cantaroláveis facilmente por aí. Mas não se enganem, pois, sem trair a atmosfera da cidade, a música composta por Randy Newman, tanto a orquestrada quanto a cantada, ganha forte influência do jazz, diferenciando-se, com isso, do material mais “comum” que costumamos ver em obras dessa natureza e, nessa toada, ganhando pontos pela originalidade.

A Princesa e o Sapo colocou a Disney de volta ao trilhos, mesmo que não tenha garantido a permanência de seu departamento de animação na linha mais tradicional, já que, como sabemos, o futuro traria o CGI de volta. Seja como for, uma coisa o filme mostrou muito claramente: o estilo de animação não importa muito se a história e o roteiro não forem bons. E a fábula passada em Nova Orleans é encantadora no que realmente importa.

A Princesa e o Sapo (The Princess and the Frog, EUA – 2009)
Direção: Ron Clements, John Musker
Roteiro: Ron Clements, John Musker, Rob Edwards (inspirado em parte em romance de E.D. Baker)
Elenco: Anika Noni Rose, Elizabeth Dampier, Bruno Campos, Michael-Leon Wooley, Jim Cummings, Keith David, Jennifer Cody, Breanna Brooks, Jenifer Lewis, Peter Bartlett, John Goodman, Oprah Winfrey, Terrence Howard, Frank Welker, Dee Bradley Baker, Corey Burton, Jerry Kernion, Ritchie Montgomery, Don Hall, Paul Briggs, Kevin Michael Richardson, Emeril Lagasse
Duração: 97 min.

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