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Crítica | Anna – O Perigo Tem Nome

por Iann Jeliel
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Anna

Luc Besson surgiu para o mundo como um James Cameron francês, sendo um dos precursores da representatividade feminina no cinema de ação. Diferente de seu “sósia” americano, tinha mais liberdade de se desprender das amarras de figuras mais masculinizadas, como Sarah Connor e Ellen Ripley, adentrando na feminilidade como um fator de perigo para suas figuras “fatais”, vindo daí o termo femme fatale, surgido no cinema noir e adaptado à ação por ele em Nikita: Criada Para MatarO Profissional. O problema é que o diretor, depois dos anos 90, quando essa linguagem cafona de tramas de espionagem ainda era muito comum, passou a ter dificuldades em modernizar seu estilo tanto num contexto de ficção científica como propriamente de suas femme fatale, ainda que tenha continuado a entregar personagens femininas fortes, como Lucy.

Após o fracasso de Valerian, era hora do diretor voltar às origens de forma mais assumida, o que certamente o deixou mais confortável para finalmente acertar a mão na modernização de seus clássicos elementos com Anna. Para isso, o cineasta opta por quase edificar um contexto histórico a seu modo, através de uma realidade alternativa da tecnologia que permite toda a orquestração das mirabolantes reviravoltas a serviço de enaltecer a mulher, num contexto em que os EUA e a União Soviética, na Guerra Fria, não são capazes de parar seu desejo de liberdade. Perceba o quão atual é esse discurso, afinal estamos vivendo uma época em que tudo que a mulher deseja é ter a liberdade no próprio sistema, no caso do filme, Anna não tem opção se não servir a diversos interesses que a sociedade a impõe para viver minimamente com uma falsa segurança, que a todo momento pode mudar pelo ambiente tóxico que a circunda.

Nisso, Besson posiciona os dotes de beleza, charme, modo como uma arma a depender da inteligência de seu uso, é como se o cineasta convidasse a mulher moderna a usar todo esse contexto que tanto a prejudica a seu favor. Porque assim como a sociedade tem interesses ao olhar para ela, ela também têm os seus próprios, então ao saber disso a mulher pode conseguir tudo por sua escolha, seja dominar todo o sistema, como a personagem de Helen Mirren, seja cumprir qualquer missão que a leve ao livre arbítrio, o qual Anna tanto quer, mas terá que passar por maus bocados para conseguir. Mesmo com esse discurso pronto, que graça teria acompanhá-lo se ele fosse falado direto demais?

Qualquer bom filme de ação revela as habilidades de seu herói à medida que seus desafios vão aumentando, para que haja tensão na capacidade de resolvê-los, bem como a surpresa na forma como ele os resolve, e é justamente pensando nisso que o filme escolhe uma estrutura precisa de falsos flashsideaways. Para quem viu The Perfection ou A Criada, é mais ou menos aquilo, o roteiro vai se revelando por meio de negações do que acabou de ser contado, através de uma reinterpretação do ocorrido partindo de um novo ponto de vista. É bem fácil, portanto, adentrando nessa estrutura, cair em armadilhas de falta de coerência, o que até acontece por parte do universo aceitar que russos de classe baixa em meio à Guerra Fria tenham notebooks bons em casa, entretanto isso faz parte da própria linguagem do filme, que não demora muito pra deixar claro o uso dessas facilitações materiais “impossíveis”.

Besson tem controle de cada bloco no qual seu recurso será usado, ou seja, cada reviravolta é pensada numa mesma lógica que não ignora completamente a anterior, e sim a complementa com sentido dentro da narrativa, assim elas não parecem gratuitas, mesmo que partam de soluções pouco plausíveis, funcionam principalmente para dar cara ao discurso do filme. E o melhor é que ele em si não se comporta como uma mera justificativa para a ação e suspense acontecerem, ambos se entrelaçam muito bem e se ajudam, garantindo uma admiração por parte de qualquer público. O masculino se sentirá na pele do próprio diretor, que endeusa a surpreendente Sasha Luss com tomadas que a exaltam de todas as formas, inclusive na sensualidade física, mas que nunca é banalizada, pelo contrário, parte de uma admiração à força do universo feminino em suas peculiaridades, o que garante uma empolgação do público feminino ao ver todos os seus desejos, anseios e fragilidades representados em uma mulher bem-resolvida para enfrentar tudo o que cai matando em cima dela.

A naturalidade dessa conversa também garante até um triângulo amoroso convincente, no qual Luke Evans e Cillian Murphy tentam desconstruir as barreiras da masculinidade tóxica que ela tanto enfrenta, ao mesmo tempo em que são os maiores representantes do sistema que ela precisa ludibriar. Ainda resta um subtexto interessante de Helen Mirren com a maternidade para garantir um último twist, que deixa ainda mais claro que no fim é tudo sobre a dominação feminina nesse meio. Assim, partindo do retorno às raízes de Nikita, que veio dizer que a mulher tem vez na ação, Anna veio confirmar essa ideia num contexto ainda mais favorável, tudo em um divertido suspense de espionagem, recheado de boa ação, violência e o Luc Besson mais inspirado dos últimos 20 anos.

Anna – O Perigo Tem Nome (Anna | EUA-França, 2019)
Direção: Luc Besson
Roteiro: Luc Besson
Elenco: Sasha Luss, Luke Evans, Helen Mirren, Cillian Murphy, Alexander Petrov, Lera Abova, Nikita Pavlenko, Anna Krippa
Duração: 100 minutos

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