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Crítica | Hereges de Duna, de Frank Herbert

por Ritter Fan
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  • Leia, aqui, as críticas dos livros anteriores. Há spoilers somente das obras anteriores.

Depois do difícil, mas peculiar e fascinante Imperador Deus de Duna, Frank Herbert não se fez de rogado e tratou de arremessar sua série épica mais uma vez para o futuro longínquo dela mesma. Se foram 3.500 anos entre Filhos de Duna e Imperador Deus, agora mais 1.500 anos se passam e, com isso, mais um conjunto completo de personagens novos é apresentado ao leitor, juntamente com acontecimentos radicais no universo no espaço de tempo seguinte à queda de Leto Atreides II e a continuidade do misterioso Caminho Dourado e o começo de Hereges de Duna, espaço esse que, sozinho, justificaria uma outra série inteira de livros.

Uma coisa é certa no que Herbert faz: ele não dá trégua ao leitor. Se Imperador Deus de Duna desacelerou a narrativa e nos apresentou aos princípios filosóficos que servem de base para o império de Leto II em avançado processo de transformação em verme de areia, no quinto capítulo da saga (e penúltimo escrito por ele) o autor volta a imprimir um estilo mais veloz, mais cheio de ação. No entanto, calma, pois “cheio de ação” é algo extremamente relativo e só é possível afirmar algo assim em termos relativos ao que veio imediatamente antes. Imperador Deus é, basicamente, um gigantesco monólogo de seus protagonista, enquanto que Hereges faz uso de uma multitude de novos personagens, quase todos eles relacionados ou gravitando ao redor das Bene Gesserit, ordem composta apenas de mulheres com habilidades e conhecimentos especiais cuja existência foi ameaçada gravemente por Leto II, para trabalhar o que seria perfeitamente possível classificar como um novo começo.

Mesmo com um universo agora mais fragmentado, sem um controle central, e com a Humanidade tendo passado por fome e pelo que é classificado como Dispersão, em que milhões de pessoas procuraram salvação em regiões longínquas da galáxia, as Bene Gesserit sobreviveram e tentam fazer de tudo para não só manter seu vasto programa de controle genético, como também para mandar um semblante de ordem nos planetas mais relevantes. Mas, com a volta da humanidade da Dispersão, uma força disruptiva veio à reboque, as Honradas Madres, versões que poderiam ser classificadas como “mais selvagens” das Bene Gesserit que exercem o controle sobre os homens com o sexo, algo que controlam da maneira mais completa e absoluta, fazendo de escravos aqueles que têm relações íntimas com elas, como o efeito de drogas viciantes. O conflito, claro, é evidente, com as Madres querendo eliminar as Bene Gesserit e as Bene Gesserit querendo aprender sobre as Madres e assimilá-las.

Se essa é a narrativa macro, Herbert não se esquece de Arrakis, agora apenas Rakis e nos revela a existência de Sheeana, uma garota capaz de controlar os vermes de areia. A Reverenda Madre Darwi Odrade, descendente dos Atreides e que, como todos os Atreides a partir de Siona, é indetectável pela tecnologia, é despachada para o ex-planeta deserto de forma a tentar estabelecer algum tipo de controle sobre a jovem. Paralelamente, em Gammu, ex-Giedi Prime, planeta-capital da Casa Harkonnen,um ainda jovem ghola Duncan Idaho é treinado e protegido por Miles Teg, ex-Bashar Supremo (uma espécie de general) das Bene Gesserit que é trazido de sua aposentadoria pela Madre Superior Taraza precisamente para esse propósito. Apesar de serem trabalhadas substancialmente em separado, as três linhas narrativas principais – Sheeana e Odrade em Rakis, Duncan e Miles em Gammu e o conflito direto entre as ordens de mulheres – conversam bem entre si e acabam convergindo, ainda que Herbert apresse bastante o final, fazendo uso de alguns atalhos narrativos que, se comparados ao que veio antes no mesmo livro, parecem descompassados.

Mas o que realmente importa, aqui, são como os novos personagens são abordados. O único “porto seguro” do leitor é Duncan Idaho, mas, mesmo assim, só em nome, já que o Duncan que vemos aqui é muito mais jovem e ainda pré-memórias do Duncan adulto original. Em outras palavras, ele é substancialmente um novo personagem e, pela primeira vez, temos a oportunidade de vê-lo em desenvolvimento e não já pronto. Diria, porém, que o destaque fica mesmo com Miles Teg que ganha excelentes camadas que lidam com sua vida privada, quem na verdade ele é, sua obediência quase cega à Taraza e às Bene Gesserit e sua incrível eficiência militar. Só tenho uma ressalva sobre ele e isso tem relação com a aceleração desmedida de ritmo que Herbert impõe à sua obra ao final: Teg ganha um desenvolvimento no mínimo estranho, um pouco surpreendente demais que diminui bastante seu impacto como o grande personagem desse volume.

Por outro lado, as personagens femininas, notadamente Odrade e Taraza, que têm uma ligação maior do que apenas algo imposto pela estrutura hierárquica, representam a primeira vez em que Herbert realmente olha para as Bene Gesserit de maneira mais completa. Nem mesmo no caso de Lady Jessica foi assim, algo que é compensado da forma essencialmente humana que as duas são abordadas em Hereges.

A ação que mencionei, também é muito bem conduzida pelo autor, que cria sequências muito orgânicas em Gammu e Rakis que só sofrem mesmo quando ele decide que estava na hora de acabar a história e corre nessa direção em um livro que muito claramente deveria ser mais longo e, portanto, mais equilibrado. Seja como for, Hereges de Duna estabelece, com sucesso, um recomeço para a saga a partir dos ensinamentos de Leto II no volume anterior e com a introdução de novos e fascinantes personagens e conceitos que Frank Herbert, infelizmente, jamais desenvolveu por completo já que ele viria a falecer pouco tempo após o lançamento de Herdeiras de Duna, o sexto da série.

Hereges de Duna (Heretics of Dune, EUA – 1984)
Autor: Frank Herbert
Editora original: Putnam Publishing
Datas de publicação: 1984
Editora no Brasil: Editora Nova Fronteira (1987), Editora Aleph (2020)
Data de publicação no Brasil: 1987, 20 de abril 2020
Tradução: Jorge Luiz Calife (1987), Christiane Almeida e Marcos Fernando de Barros Lima (2020)
Páginas: 568

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