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Crítica | Houve Uma Vez Um Verão

A excitação e a angústia das primeiras vezes da adolescência.

por Rafael Lima
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Boa parte dos filmes do diretor Robert Mulligan sempre parecem trazer atmosferas nostálgicas que giram em torno de ritos de passagem (ou tentativas de rito) sobre o fim da inocência. Podemos perceber essa característica do cineasta em filmes como o clássico O Sol É Para Todos (1962), que entre outras coisas via uma menina tomando consciência da existência do racismo, ou o terror A Inocente Face Do Terror(1972), que lidava com o tema da morte diante de um distorcido olhar infantil. Assim sendo, não chega a ser uma surpresa que o diretor tenha se interessado em comandar um drama de amadurecimento sobre um jovem descobrindo a própria sexualidade; um tipo de história que é facilmente carregada pelos temas da nostalgia e do fim da inocência que são tão caros para Mulligan e que estão presentes em Houve Uma Vez Um Verão. Na trama, situada em 1942, Hermie (Gary Grimes) é um adolescente, que juntamente com os amigos Oscy (Jerry Houser) e Benjie (Oliver Conant) passa as férias na ilha de Nantuteck, no estado de Massachusetts. O trio está decidido a transar com garotas naquele verão, mas as coisas se complicam para Hermie quando ele se vê encantado por Dorothy (Jennifer O’Neil), uma mulher mais velha que está passando as férias na ilha enquanto o marido está na Europa lutando na II Guerra Mundial.

Escrito por Herman Raucher em caráter autobiográfico, Houve Uma Vez Um Verão se configura como um drama de amadurecimento, articulando em sua estrutura dramática toques cômicos característicos de uma comédia adolescente. Entretanto, ainda que contenha passagens que são sim engraçadas — vide a cena em que Hermie tenta comprar camisinhas em um mercadinho — o roteiro frisa a constante angústia em que o seu protagonista se encontra, tornando o drama o coração tonal da obra. Apesar de, na superfície, Houve Uma Vez Um Verão ser a história sobre jovens tentando perder a virgindade, de fato estamos diante de uma história de primeira paixão, e há poucos cenários mais angustiantes para um adolescente do que este.

 É interessante como a narrativa retrata Dorothy em um primeiro momento como um objeto de desejo inalcançável, não só por ela ser mais velha, mas pela própria timidez de Hermie, de modo que só vamos saber o nome da moça depois da metade da projeção. Assim, ao mesmo tempo em que a personagem de Jennifer O’Neil é explorada como uma figura sexy, ela também carrega uma aura de intangibilidade, como se, para o protagonista, pensar na mulher de forma sensual fosse tão errado quanto inevitável. A moça é um enigma tão grande para o público quanto para o protagonista, já que é só no 3º ato que vamos saber um pouco mais sobre ela, e muita coisa permanece apenas na sugestão, de modo que compreendemos por que esse período marcou tanto Hermie.

A direção de Mulligan acompanha a proposta do roteiro de Raucher, de adotar um ponto de vista intimista e bastante focado na ansiedade de seu protagonista. É digno de nota a forma como Mulligan parece manter a câmera sempre próxima de Hermie, de modo a valorizar os momentos de excitação e de constrangimento do garoto, vide a passagem onde ele ajuda Dorothy a subir com algumas caixas para o sótão, ou o trecho do encontro no cinema, onde a dilatação do tempo é trabalhada de uma forma exemplar. E por mais que como em muitos filmes de amadurecimento juvenil, o protagonista esteja quase sempre acompanhado de um grupo de amigos, o diretor sempre enquadra o jovem Hermie de modo a deixá-lo isolado, refletindo assim as suas emoções e sentimentos de incompreensão. O diretor também não se furta dos fatores eróticos, mostrando generosos planos detalhe dos seios e das pernas de Jennifer O’Neil, mas sem vulgarizar a personagem, o que inclusive iria contra a forma como o texto constrói Dorothy. A decupagem também é muito eficiente na forma como navega entre diferentes tons, sem nunca abandonar o foco dramático da narrativa, que é o drama nostálgico.

Os aspectos técnicos são igualmente harmônicos. A direção de fotografia de Robert Surtees aposta em tons cinzentos e azulados para criar um ambiente melancólico para a história, mesmo em seus momentos mais descontraídos. E é curioso observar que, embora seja uma história litorânea passada no verão, raramente temos passagens ensolaradas, com a fotografia reforçando o clima nublado da ilha. A trilha sonora composta a quatro mãos por André Hossein e Michel Legrand segue a mesma diretriz intimista e melancólica, ajudando a construir a atmosfera nostálgica e contemplativa. O elenco, por sua vez, é muito bem dirigido e comprometido com os seus personagens. Gary Grimes transmite bem a angústia e a confusão juvenil de Hermie em uma interpretação cativante, enquanto a bela Jennifer O’Neill como Dorothy entrega uma personagem sedutora e enigmática de uma forma acertadamente inconsciente. Vale ainda chamar atenção para o trabalho de Jerry Houser como Oscy, que atuando como a principal fonte de alívio cômico do longa-metragem, consegue nos divertir sem destoar de seus colegas de elenco.

Houve Uma Vez Um Verão traz uma abordagem distinta para os dramas de amadurecimento, conseguindo  mostrar o lado cômico das angústias adolescentes sem banalizar o coração dramático da narrativa. O roteiro de Herman Raucher consegue transmitir o caráter pessoal da história, fazendo justiça às suas origens autobiográficas, enquanto a direção de Robert Mulligan abraça com gosto a natureza melancolicamente nostálgica da história. É um filme que diverte e que fala de como certos períodos e experiências que passamos na vida nos despertam saudade, mas não sem uma ponta de tristeza.

Houve Uma Vez Um Verão (Summer of 42) – Estados Unidos, 1971
Direção: Robert Mulligan
Roteiro: Herman Raucher
Elenco: Gary Grimes, Jennifer O’Neill, Jerry Houser, Oliver Conant, Katherine Allentuck, Christopher Norris, Lou Frizzell
Duração: 103 min.

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