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Crítica | Mythic Quest – 2X01 e 02: Titans’ Rift / Grouchy Goat

por Ritter Fan
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  • spoilers. Leiam, aqui, as demais críticas.

A 2ª temporada de Mythic Quest, sitcom do mundo dos games da Apple TV+, começou com dois episódios lançados simultaneamente que, aqui, ganham críticas separadas. Confiram:

2X01
Titan’s Rift

Retirar o incorrigível e hilário ególatra Ian do cenário do primeiro episódio da segunda temporada de Mythic Quest para justamente fazer um episódio basicamente sobre Ian pelos olhos de Poppy e David foi uma ideia genial. É natural que Rob McElhenney tome conta da maioria dos episódios em que aparece, mas abrir esse espaço para Charlotte Nicdao e David Hornsby sem deixar a “nuvem Ian” flutuando por sobre a cabeça dos dois tornou Titan’s Rift (olha o título de duplo significado aí!) particularmente agradável e hilário.

A desculpa para que essa estrutura seja naturalmente possível é simples: Ian tenta por algo como cinco minutos imaginar, junto com Poppy, o tema e o título da próxima expansão do jogo e, sem pestanejar e sem explicar absolutamente nada, parte para um sabático no deserto, deixando sua co-diretora criativa sozinha para se virar com essas missões, sendo que David precisa pelo menos do novo título para apaziguar o pessoal de Montreal. Com isso, Poppy tenta, depois de se aconselhar com a exasperada Carol, que tem excelente destaque no episódio, e com a dupla de testadora de jogos, Rachel e Dana, afirmar sua dominância na empresa, considerando que ela, agora, tem o mesmo cargo de Ian, algo que seu subconsciente não aceita, o que a mantém tendo sonhos recorrentes (pesadelos na verdade) em que ela transa com o “chefe”, algo que ganha “reinterpretações” ao longo da narrativa.

É ao redor dessa trama que o episódio gira, com David, assim como Poppy, também tentando fincar o pé como chefe de todos por ali, o que ele só é tecnicamente, já que sua personalidade simplesmente o impede de ter qualquer nesga de assertividade. Claro que tudo piora quando descobrimos que a diabólica Jo, sua assistente, é, agora, assistente do ainda mais diabólico Brad, criando uma dupla do mal que é absolutamente irresistível e tem David na pior conta possível, obviamente. Só essa nova dinâmica já dá a Mythic Quest muito pano para manga para ser trabalhada ao longo da nova temporada, até porque, como Brad muito bem diz à Jo sem rodeios, ela tentará devorá-lo na mesma medida em que ele tentará devorá-la. Nada como um ambiente de trabalho sadio, não é mesmo?

Na terceira trama, temos o relacionamento de Rachel com Dana, com a primeira, em sua insegurança, duvidando que a segunda sinta algo por ela. Ashly Burch e Imani Hakim revelam-se excelentes em seus papeis, com a inclusão de Carol também nessa parte da história funcionando como pura mágica para criar a esperada conexão entre as duas e deixar a cínica e mais do que franca diretora do RH mais uma vez agindo como psiquiatra dedicada a cuidar do que poderia muito bem ser uma família mais do que disfuncional. Fica a torcida para Naomi Ekperigin continuar ganhando esse destaque na série, já que sua personagem tem muito a contribuir para a dinâmica dos demais.

Titan’s Rift funciona como uma perfeita reapresentação dos personagens, mas sem que seja um recomeço, já que tudo o que vemos deriva muito diretamente da temporada inaugural e também do episódio especial Everlight. Ou seja, é o passo lógico seguinte para a série que muito claramente não perdeu seu pique, trabalhando seus núcleos de maneira exemplar.

2X02
Grouchy Goat

Os melhores momentos de Mythic Quest são aqueles em que o roteiro trabalha uma estrutura de South Park, só que com atores reais. Afinal, não tem nada melhor do que abordar temas quentes do momento, como as questões do relacionamento  homossexual e do empoderamento feminino, só que subvertendo as expectativas, quase que literalmente tirando o tapete por debaixo de nossos pés. Diferente do que muitos que adoram gritar “lacração” com o dedo em riste imaginam, isso só deixa ainda mais evidente os problemas e resultam em críticas relevantes e com mais poder contundente do que textos expositivos ou situações clichê.

Vejam, para começar, a forma como toda a tensão de Rachel e Dana sobre contar que são agora um casal é destruída brilhantemente por Jo que, primeiro, não só não liga para o fato, como sequer queria saber, e, segundo, grita para todo o escritório saber da maneira mais grosseira possível, sem que alguém sequer levante uma sobrancelha. De um lado, temos a crítica às obras que criam um bafafá ao redor da “revelação homossexual” unicamente para fazer publicidade, enquanto isso deveria ser, a essa altura do campeonato, natural e uma forma de a série mostrar, sem papas na língua que sim, isso é algo mesmo natural que deve ser aceito por todos sem pestanejar, sejam jovens conservadores como Jo, sejam senhores de idade completamente esquisitos como C.W. (F. Murray Abraham mantendo-se distante ainda da produção em razão justamente da idade).

E a coisa funciona da mesma maneira do lado de Poppy, que é basicamente obrigada, muito a contragosto, a fazer um discurso em um evento sobre empoderamento feminino na indústria dos games – que ela logo taxa de ridículo, por sequer arranhar a superfície da questão – e faz do limão uma limonada de perfeita manipulação dos dois homens que se acham chefes e superiores a ela, conseguindo sua própria equipe criativa de forma que ela possa, em eu próprio estilo, liderá-la. Enquanto podia parecer que Poppy estava sendo “transformada” em uma versão feminina de Ian, vemos que a coisa não é bem assim e que a jovem australiana já voltava com o proverbial bolo enquanto Ian e David ainda estavam indo com a farinha.

Mas Grouch Goat não para por aí. Em linhas gerais, há um subtexto de estrutura de poder em empresas que funciona maravilhosamente bem, com Brad encarregando Jo de comandar uma equipe formada por Rachel e Dana para desenvolver um jogo online com o objetivo – há outro? – de arrancar dinheiro de gente desavisada, o que nos leva ao título do episódio. É sensacional a maneira como o recente casal fica empolgado pela oportunidade e, nesse processo, consegue genuinamente revelar a verdadeira Jo que, em suas assustadoras conversas com ela mesma, poderia muito bem ser enviada para o Asilo Arkham.

Seja como for, o trio – ou quadra, se contarmos com C.W. remotamente – funciona muito bem, especialmente pela forma como questões “da esquerda” são inseridas na narrativa que em tese deveria ser simples do bode rabugento e levam à rejeição in limine do jogo por um Brad que só quer saber de dinheiro e não de contextos complexos cheio de blá blá blá. Novamente, a crítica ferina nas duas pontas é inasfastável, especialmente quando Jo, como uma verdadeira ratazana, abandona o barco afundando e pula para o outro em cruzeiro (Jessie Ennis merece reconhecimento por seu trabalho fenomenal, aliás).

E, em meio a isso tudo, ainda sobra tempo para Mythic Quest chamar atenção para um problema recorrente tanto na indústria de games, quanto em diversas outras: o quanto a equipe criativa, aquela que efetivamente converte ideias em obras de arte, é subestimada. Tudo é “fácil” e “rapidinho” na cabeça de quem passa o trabalho para os criativos, enquanto eles precisam revirar noites para cumprir o trabalho no exíguo tempo determinado. O abismo entre o chefe inspirador e o criativo desesperado para materializar as visões mais loucas possíveis é esgarçado no episódio, sem que o lado cômico se perca na ironia.

Grouchy Goat, portanto, é o perfeito exemplo do porquê Mythic Quest ser o que é. Um episódio que diz muito, ironiza tudo, brinca com questões sérias e, principalmente, nos faz rir do ridículo da coisa. É… pelo visto teremos mais uma baita temporada dessa incrível sitcom.

Mythic Quest – 2X01 e 02: Titans’ Rift e Grouchy Goat (EUA, 07 de maio de 2021)
Criação: Rob McElhenney, Charlie Day, Megan Ganz
Direção: Pete Chatmon
Roteiro: Megan Ganz, David Hornsby, Rob McElhenney
Elenco: Rob McElhenney, Charlotte Nicdao, David Hornsby, Danny Pudi, F. Murray Abraham, Jessie Ennis, Imani Hakim, Ashly Burch, Naomi Ekperigin
Duração: 25 min. (2X01), 27 min. (2X07)

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