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Crítica | O Dia em que o Céu Caiu (Asterix)

por Ritter Fan
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Excluindo Asterix e a Volta às Aulas da conta em razão da peculiaridade do álbum, a “Primeira Era de Asterix e Obelix” começou em 1961, com Asterix, o Gaulês, e acabou em 1979, dois anos após o falecimento de René Goscinny, com Asterix entre os Belgas.  Foram 24 álbuns lançados quase que anualmente, sem falta, que resultaram em um espetacular conjunto criativo sobre os irredutíveis gauleses resistindo à dominação de Júlio César e do Império Romano. Albert Uderzo, desenhista desde o início da série, assumiu a responsabilidade de também escrever os roteiros dos álbuns e, em 1980, então, começava a “Segunda Era de Asterix e Obelix”, com O Grande Fosso. Bem menos produtiva que a era anterior, ela contou com um total de apenas oito álbuns em 25 anos, encerrando-se com O Dia em que o Céu Caiu, em 2005, último álbum do desenhista, com nenhum deles sequer chegando próximo do nível de qualidade médio anterior.

Gigantesco sucesso de vendas, com uma tiragem de 3,2 milhões de exemplares só na França (sendo que 2,4 milhões vendidos em dois meses), O Dia em que o Céu Caiu foi também um dos álbuns mais mal recebidos pela crítica que rechaçou o uso de ficção científica em combinação com Asterix. Tenho para mim que a reação foi exagerada e sem mérito, já que o uso de elementos sci-fi em si não são suficientes para desmerecer a história, ainda que, sem dúvida alguma, causem estranhamento. É inequivocamente difícil fazer com que o cérebro se acostume com Asterix e Obelix às voltas com naves espaciais, mas esse, sozinho, não é o problema do volume. Mais uma vez, o que realmente atrapalha a leitura é a maneira como Albert Uderzo conta sua história, sem realmente criar uma unicidade narrativa que torne fluida a experiência.

A ideia do autor é boa, já que os aspectos sci-fi existem como forma de fazer duas críticas, uma específica ao mercado editorial de quadrinhos na França e outra ampla sobre o que se poderia chamar de “imperialismo cultural” dos EUA. A específica é a “invasão” dos mangás na França, algo que hoje, mais de 15 anos depois, é fato absolutamente consolidado, competindo vigorosamente com as clássicas bandas desenhadas e, em muitos casos, ganhando de lavada. Claro que Uderzo tinha também interesse pessoal nisso não só por, claro, ter sido co-criador de um dos mais famosos quadrinhos franceses, como ele, pessoalmente, nunca ter gostado dos quadrinhos japoneses. Com isso, ele uniu o útil ao agradável, ainda que arriscando de irritar muita gente. A crítica ampla está na forma como ele aborda a “americanização” do mundo, com uma literal invasão da Disney e dos super-heróis na cultura pop e olha que isso vem em uma publicação profética anterior ao início do Universo Cinematográfico Marvel.

Portanto, não se pode descartar a narrativa simplesmente virando o nariz para ela. O jogo que Uderzo joga é perfeitamente válido, até porque a mistura de sci-fi em Asterix e Obelix nunca havia sido feito antes, mas não fere, não desdiz, nem atrapalha absolutamente nada que já conhecíamos dos personagens. No entanto, o autor não sabe ser discreto e martela os dois conceitos constantemente por intermédio de Tuncar, alienígena vindo do planeta Walneydist, sujeito baixinho muito parecido com o Mickey que usa superclones parecidos com o Superman como força policial e que aterrissa na aldeia gaulesa para tentar impedir que os Nagmas, que se parecem com insetos-samurais, falam como japoneses e usam uma nave espacial que se parece com um robô obtenham a “arma secreta” gaulesa. Em outras palavras, tudo o que Uderzo sabe fazer é usar anagramas e desenhos que transmitem suas ideias mais do que literalmente, em um conjunto forçadíssimo e pouco inspirado na execução de suas ideias.

Ou seja, as críticas são infelizmente for dummies mais uma vez. Uderzo nunca realmente conseguiu escrever roteiros de destaque e aqui não é diferente, ainda que seu conceito seja realmente interessante e “diferentão” o suficiente para prender a atenção até o final. Outro problema é a maneira como o autor tenta costurar todos os elementos conhecidos da série, como o uso da guarnição romana de Petibonum e dos piratas. É como se Uderzo estivesse tentando encaixar um triângulo em um quadrado – ou vice-versa -, pois só marretando mesmo as circunstâncias é que ele consegue e mesmo assim exigindo um bom nível de “fechamento de olhos” por parte do leitor.

Em seu último trabalho diante de Asterix e Obelix – e por algum tempo muita gente achou que seria mesmo o último em razão da capa “espelhada” em relação à de Asterix, o Gaulês – Albert Uderzo entrega um álbum realmente fora da caixinha, mas que desaponta na forma como as ideias são colocadas na história. Não é como se o céu caísse na cabeça dos leitores, longe disso, mas certamente não foi uma maneira memorável de encerrar esse ciclo não tão virtuoso dos irredutíveis gauleses.

O Dia em que o Céu Caiu (Le Ciel Lui Tombe sur la Tête – França, 2005)
Roteiro: Albert Uderzo (baseado em criação de René Goscinny e Albert Uderzo)
Arte: Albert Uderzo
Editora original: Les Éditions Albert René
Editora no Brasil: Editora Record
Páginas: 48

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