Home TVEpisódio Crítica | Star Trek: Discovery – 5X06: Whistlespeak

Crítica | Star Trek: Discovery – 5X06: Whistlespeak

Regras só existem para serem quebradas.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série e, aqui, de todo nosso material sobre Star Trek.

Não dizem que regras são feitas para serem quebradas? No universo Star Trek, não existe regra mais importante e ao mesmo tempo tão desobedecida pelas mais variadas circunstâncias especiais e atenuantes do que a Primeira Diretriz – ou Ordem Geral #1 – que estabelece que os membros da Frota Estelar não podem interferir com o desenvolvimento natural de civilizações alienígenas, ou seja, na prática não podem revelar quem são para civilizações tecnologicamente inferiores, normalmente aquelas que ainda não alcançaram o estágio em que o motor de dobra, que permite viagens interplanetárias, foi inventado. Whistlespeak é mais um dos vários episódios da franquia ao longo de suas décadas de existência em que o capitão de uma nave ou membro do alto escalão da tripulação decide violar a diretriz quase que como se ela fosse, apenas, uma mera sugestão sem maiores consequências.

Na história, Michael Burnham e Sylvia Tilly são teletransportadas para o planeta Halem’no, lar de uma civilização pré-dobra, para investigar uma torre de controle do tempo instalada há centenas de anos por cientistas denobulanos e disfarçada de acidente geográfico que, ao que tudo indica, contém a próxima pista para a tecnologia dos Progenitores. Disfarçadas de habitantes locais que peregrinam até a torre que parece uma enorme rocha, a dupla precisa ganhar acesso ao interior do aparelho e, para isso, passam a competir em uma espécie de maratona da sede, em que os concorrentes precisam correr resistindo à tentação de beber a água oferecida constantemente. Sem conhecimento delas, porém, o prêmio não é apenas o acesso ao interior do aparato, mas, também, o sacrifício cerimonial do vencedor como uma oferenda aos deuses que trazem chuva ao planeta.

Quando as duas aparecem com figurinos “primitivos” e tatuagem no rosto, além de um conveniente tricorder de retina (que, vamos combinar, deveria ser instrumento padrão de toda a Frota), qualquer espectador com um mínimo de conhecimento da estrutura narrativa de Star Trek já sabe exatamente o que vai acontecer: em algum ponto, de alguma forma, será necessário tomar a difícil decisão de desobedecer a Primeira Diretriz, provavelmente para salvar vidas. E é exatamente isso o que acontece, o que não é nem de longe um problema. A questão chave é como isso é feito. Sem querer usar pesos e medidas diferentes, porém, uma coisa é Kirk ou Picard fazerem isso em um estalar de dedos em suas respectivas séries e não sofrerem consequências, pois ambos estrelaram obras de uma outra era; outra bem diferente é Burnham, em uma série produzida hoje em dia, no segundo em que percebe que Tilly estar em perigo, decidir ignorar completamente a Diretriz e tomar o caminho mais simples para salvar a amiga.

Era óbvio que Tilly não morreria, mas tenho para mim que era obrigação do roteiro de Kenneth Lin e Brandon Schultz criar as circunstâncias para mostrar o quão difícil e inevitável para a capita é violar a diretriz, algo que não pode ser a primeira e único opção que é decidida apenas com uma conversa de segundos entre Burnham e Rayner, por mais que Burnham tenha um histórico bem estabelecido de não ligar muito para regras. A desculpa do “minha amiga querida está em perigo de morrer sufocada, portanto que se dane a instrução basilar da Frota que existe para o bem de toda uma civilização” precisava ser alimentada, contextualizada e trabalhada com mais vigor e afinco, pelo menos mais do que o tempo empregado na maratona da sede em Halem’no ou na facilidade extrema com que a capitã deduz que o musgo de cor diferente significa mutação causada por vazamento de tecnologia alienígena e acha e conserta o problema com a torre com ajuda de Adira Tal.

Não ajuda muito que a história paralela do Doutor Hugh Culber debatendo-se sobre o conflito entre ciência e espiritualidade – que obviamente ecoa o conflito ciência versus crença religiosa em Halem’no -, seja tão… desinteressante, com direito à conversas dele com o holograma de sua abuelita gerado por inteligência artificial ou com Book que oferece aconselhamento típico de conversa de botequim. Talvez esteja sendo particularmente cínico na presente crítica, mas é que os assuntos das duas linhas narrativas são interessantes e desafiadores demais para serem trabalhados no final do primeiro quarto do século XXI com um roteiro que parece ter sido escrito não muito tempo depois da metade do século anterior. Como eu disse, uma abordagem simplista sobre o assunto que resulta em um Kirk arrancando a camisa e corajosamente chutando o balde da Primeira Diretiva em 1966 é bem mais aceitável do que Burnham fazendo essencialmente o mesmo em 2024. O que era peculiar e até cartunesco – que os Trekkers me perdoem! – há quase 60 anos parece vazio e conveniente hoje em dia.

Mas isso não quer dizer que não seja divertido, vejam bem. O mero conceito de se jogar a proverbial chave inglesa na engrenagem da crença religiosa é fascinante, assim como é fascinante estudar como uma civilização dita primitiva reagiria ao que essencialmente é um avanço tecnológico de séculos em segundos. Só esses elementos já fazem de Whistlespeak um episódio que vale ser conferido e apreciado, ainda que fique um inevitável gosto amargo de que esses assuntos precisavam vir acompanhados de uma narrativa mais sólida, mais complexa do que o que foi feito aqui e não jogados na história como se tivessem relevância reduzida no contexto geral. Fica a esperança de que a violação da diretriz, aqui, não será apenas esquecida ou arquivada como algo justificável em razão do bem maior que é a localização da tecnologia dos Progenitores.

Star Trek: Discovery – 5X06: Whistlespeak (EUA, 02 de maio de 2024)
Showrunners: Alex Kurtzman, Michelle Paradise
Direção: Chris Byrne
Roteiro: Kenneth Lin, Brandon Schultz
Elenco: Sonequa Martin-Green, Doug Jones, Anthony Rapp, Mary Wiseman, Wilson Cruz, Blu del Barrio, Callum Keith Rennie, David Ajala, Phumzile Sitole, Emily Coutts, Michael Chan, Annabelle Wallis, Tara Rosling, Tig Notaro, Eve Harlow, Elias Toufexis, David Cronenberg
Duração: 56 min.

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