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Crítica | O Dublê

Que "O Dublê" que nada. É Duro na Queda!

por Ritter Fan
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Sejamos sinceros: só costumamos lembrar de verdade dos dublês em duas circunstâncias, ou quando certos atores e atrizes alardeiam por aí que fazem suas próprias cenas de ação sem a ajuda de dublês, ou quando acontece algum acidente durante a produção e um dublê é ferido ou vem a falecer. Duro na Queda, a simpática série oitentista criada por Glen A. Larson e estrelada por Lee Majors, foi uma das poucas obras de ficção que colocou esses profissionais em primeiro plano e, agora, seu remake cinematográfico – que inexplicavelmente foi batizado por aqui de O Dublê – vem cumprir essa mesma função, sem deixar de lado os comentários críticos sobre o quanto esses heróis anônimos, especialmente na era do CGI usado em tudo, são esquecidos.

Esse é, na verdade, o maior mérito do longa dirigido por David Leitch com Ryan Gosling vivendo Colt Severs, o personagem de Majors na citada série que é um dublê veterano, e Emily Blunt como Jody Moreno, ex-namorada de Severs e diretora de primeira viagem que comanda um blockbuster à la Zack Snyder, já que há um cuidado grande do roteiro em manter acesa uma autoconsciência quase metalinguística sobre a importância da profissão do dublê e outro maior ainda da produção em privilegiar sequências de ação filmadas “na garra” sem ajuda da computação gráfica em grande parte. Quando o filme, porém, tenta ser mais do que isso, enveredando pela atração cômica entre Severs e Moreno, afastados pelo acidente do dublê no começo do longa, e a relação de Severs com a produtora Gail Meyer (Hannah Waddingham) que, 18 meses depois, o chama para o set de filmagens do longa de Moreno na Austrália sob falso pretexto e também com o egocêntrico astro Tom Ryder (Aaron Taylor-Johnson finalmente sendo uma estrela!), que desaparecera, ele começa a mostrar que tinha muito pouco em termos narrativos para sustentar sua duração.

Por mais que Gosling e Blunt, contracenando, possam ser considerados, em conjunto, como uma espécie de exemplo máximo do star power hollywoodiano moderno, com Blunt muito claramente mostrando que é muito mais atriz do que Gosling é ator, tudo que o roteiro de Drew Pearce entrega para a dupla é a mesma coisa sendo repetida de maneiras diferentes ao longo de toda a duração, ou seja, o quanto eles se amam e o quanto eles querem ficar juntos, mesmo que as circunstâncias os tenham separado. Ou seja, essa lenga lenga bobinha e rasa como o proverbial pires cansa muito rapidamente e, pior ainda, falha em seu objetivo maior, que é extrair comicidade dos atores e humor das situações. Gosling, mesmo com suas limitações, mostrou muito recentemente que sabe ser engraçado usando figurinos espalhafatosos, mas Pearce parece não saber que é necessário mais do que os tais figurinos para que o humor floresça.

Sei que muita gente usará aquela velha defesa na linha do “ah, mas é só entretenimento” para glosar os problemas de O Dublê, e não há nada de errado nisso, a não ser contentar-se com pouco, especialmente quando fica evidente o potencial que o longa tinha para ser mais do que é. Felizmente, a direção de Leitch, que começou sua carreira como dublê, vale lembrar, ajuda a elevar o jogo, ainda que, aqui, o cineasta não se mostre tão inspirado quanto em Atômica, Deadpool 2 ou até mesmo Trem-Bala, seu trabalho imediatamente anterior, talvez justamente em razão de um roteiro que usa a repetição incessante de todo tipo de cena – quantas vezes precisamos ver o cachorro que só obedece ordens em francês recebendo ordens em francês? – como muleta. Leitch mostra-se melhor quando está solto para, de certa forma, fazer a “autobiografia” de sua profissão anterior, dirigindo tomadas que divertem exatamente por serem no estilo velha guarda, prezando os efeitos práticos no lugar de bits e bytes, mas usando o CGI inteligentemente como uma forma de deixar ainda mais evidente o quanto Hollywood acostumou-se com esse caminho preguiçoso e pasteurizado.

Portanto, é na “filmagem da filmagem”, nos comentários visuais que colocam dublês e seus truques em primeiro plano e na exaltação de uma profissão pouco valorizada e pouco lembrada que o filme que deveria ter sido intitulado por aqui de Duro na Queda realmente acerta e empolga. Em todo o restante, ele não é muito diferente do tipo de arrasa quarteirão que ele próprio tenta criticar, perdendo-se em pancadaria interminável e uma estrutura de comédia romântica que não é tão cômica assim e muito menos romântica e que, ainda por cima, acha que contar a mesma coisa diversas vezes fará com que essa coisa magicamente se torne interessante ou engraçada. Mas a ode aos dublês sem dúvida alguma vale o preço do ingresso, independente de qualquer outra consideração.

Obs: Fiquem sentados para assistir aos créditos, pois eles contam com cenas dos dublês reais do filme em ação e, ao final dessas cenas, há uma sequência pós-créditos que também merece ser conferida.

O Dublê (The Fall Guy – EUA, 2024)
Direção: David Leitch
Roteiro: Drew Pearce (baseado em série de TV criada por Glen A. Larson)
Elenco: Ryan Gosling, Emily Blunt, Aaron Taylor-Johnson, Winston Duke, Hannah Waddingham, Teresa Palmer, Stephanie Hsu, Ben Knight, Matuse , Adam Dunn, Zara Michales, Ioane Saula, Gregory J. Fryer, Madeleine Wilson, Kalkidan China, Angela Nica Sullen, Di Smith, Megan O’Connell , Jack Doherty, Tony Lynch
Duração: 126 min.

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