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Crítica | Tokyo Vice – 2ª Temporada

Retrocesso e recomeço.

por Ritter Fan
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  • spoilers. Leiam, aqui, a crítica da temporada anterior.

Apesar de continuar sendo uma ótima visão do submundo da Tóquio moderna, a partir dos olhos e da história real de um jornalista ocidental, o primeiro a ter essa profissão em uma publicação nipônica, a 2ª temporada de Tokyo Vice é vitima da mudança de ritmo ocorrida lá pelo antepenúltimo episódio da temporada inaugural e da falta de assinatura de um diretor de calibre como Michael Mann, que comandou o primeiro episódio e estabeleceu todo o visual que foi seguido pelos demais. Por outro lado, o segundo ano da série encerra completamente o arco narrativo iniciado no primeiro, o que é uma ótima notícia, ainda que, naturalmente, deixe indicações de que é possível que a história continue.

Sem Mann para “ditar as regras visuais”, a 2ª temporada entra em uma sempre perigosa e sempre indesejada mera linha de produção que tira boa parte do charme da série. O submundo neon noir que foi tão bem trabalhado em 2022 fica bem menos “sub” e nada neon, nem noir, mesmo que as extensivas e variadas locações em Tóquio ainda a diferenciem de outras obras ocidentais passadas na imensa capital do Japão. Mesmo que as peças publicitárias façam esforço para emular a mesma atmosfera da 1ª temporada, como é o caso da imagem que escolhi para ilustrar a presente crítica, a grande verdade é que as marcas nipônicas são bem menos visíveis agora, com uma fungibilidade enervante com outras séries policiais passadas em cidades modernas do outro lado do mundo como Nova York ou Chicago.

Mas esse nem seria um problema sério se a criação de J.T. Rogers não tivesse “mudado de rosto” quando se aproximava do final de sua 1ª temporada e se essa mudança não tivesse afetado a condução da 2ª. Deixe-me explicar: mesmo que talvez Tokyo Vice tenha sido pensada como série e não minissérie, o showrunner vinha originalmente fazendo sua narrativa caminhar de maneira que sua história – pelo menos sua primeira história, a investigação do jornalista ocidental Jake Adelstein (Ansel Elgort) e do detetive japonês Hiroto Katagiri (Ken Watanabe) sobre o impiedoso líder de uma facção da Yakuza Shinzo Tozawa (Ayumi Tanida) – fosse ser encerrada na forma de uma minissérie de oito episódios, algo que mudou radicalmente a partir de certo ponto do sexto episódio da temporada anterior, como se a produção toda tivesse sido comunicada pelos engravatados que, agora, a história teria que ocupar duas temporadas. E isso criou um problema para o segundo ano, problema esse que fica evidente já em seu primeiro episódio.

Reparem como o episódio de abertura do novo ano é, basicamente, um epílogo do primeiro e o equivalente a clicar em um botão de reset, que recomeça o jogo. Hiroto, com medo das ameaças que recebeu à sua família decide afastar-se completamente de qualquer trabalho relacionado com a Yakuza e ele convence Jake a fazer o mesmo, com ambos, então, passando a trabalhar com assuntos mais banais, ainda que, no caso de Jake, esses assuntos mais banais o levem a um certo grau de notoriedade como jornalista, enquanto que Hiroto fica mesmo perdido na burocracia mais inane possível da polícia. E de que isso adianta lá no fundo? É como se a temporada quisesse justificar sua existência com um recomeço, já que tudo basicamente volta ao status quo ante já no terceiro episódio, o que me leva a crer, cinicamente, que a expansão de oito para 10 episódios se deu unicamente porque os dois primeiros são completamente descartáveis, uma enrolação inaceitável que não traz nada de bom para a narrativa.

Por outro lado, é interessante ver que, como efeito colateral positivo dessa escolha de transformar o que muito bem poderia ser uma minissérie de 10 episódios em uma de 18, há espaço de sobra para que os lados pessoais de cada personagem mais relevante sejam abordados e costurados na história central, ainda que isso, por vezes, crie aquela incômoda impressão de que esse esforço é feito em seu mínimo possível para que, então, cada elemento novo apresentado seja usado de alguma forma mais para a frente. Vemos Jake quase que inacreditavelmente (pela burrice que isso é, claro) começar a namorar a amante de um sumido Tozawa e, também, sua relação com sua família que deixa de ser algo distante, com ele efetivamente viajando para os EUA para visitá-la. Também vemos Hiroto lidar com sua família afastada em razão de sua profissão e sua conexão esperançosa com uma detetive que monta uma força tarefa anti-Yakuza, convidando-o a retornar ao trabalho que ama. Samantha Porter (Rachel Keller), por seu turno, abre seu clube, que é batizado de Polina em homenagem à sua amiga assassinada, e passa a relacionar-se com um arquiteto endinheirado enquanto tenta livrar-se da Yakuza como um todo. Akiro Sato (Show Kasamatsu) começa a namorar uma anfitriã experiente contratada por Samantha e entra em choque com Naoki Hayama (Yōsuke Kubozuka), um membro de alta patente da Chihara-kai que sai da prisão e começa a infernizar a vida dele, inclusive e especialmente atraindo seu inocente irmão estudante para a vida bandida. E, finalmente, diferente da temporada anterior, a chefe e os colegas de Jake não são esquecidos e largados de lado, com cada um ganhando bons arcos narrativos que conversam efetivamente com a história central.

E assim a temporada vai, meio que aos trancos e barrancos, com situações aparentemente desconectadas que vão ocorrendo e sendo reservadas para uso posterior. Mas a história só realmente volta a ganhar ritmo, tração e urgência quando o misterioso e perigoso Tozawa volta para a cena depois de, aparentemente, curar-se da doença debilitante que lhe acometia. O que realmente aconteceu e como isso é usado como elemento central da narrativa tira a temporada da forma errática como vinha trabalhando a história e dá a ela um norte, um propósito, uma razão de ser que leva a ótimos dois episódios finais, com muita ação paralela e muita tensão, o que de certa forma ajuda a compensar o investimento de tempo até Rogers se dignar a chegar a esse ponto.

Em seu segundo ano, Tokyo Vice retrocede, pisa no freio, rearruma suas peças para as posições iniciais e recomeça para finalmente levar o primeiro arco da história jornalística e policialesca de Jake Adelstein a um final que, mesmo sendo muito satisfatório, precisa carregar o ônus das tergiversações que foram enxertadas para alongar a jornada do gaijin americano em Tóquio. Sem dúvida ainda vale o investimento pela forma como a série trabalha um lado da capital e da sociedade nipônica que não é tão conhecida assim, mas a série é, sem dúvida alguma, mais um exemplo de que menos sempre é mais.

Tokyo Vice – 2ª Temporada (EUA, de 08 de fevereiro a 04 de abril de 2024)
Criação: J.T. Rogers (baseado em livro de Jake Adelstein)
Direção: Alan Poul, Josef Kubota Wladyka, Takeshi Fukunaga, Eva Sørhaug
Roteiro: J.T. Rogers, Brad Caleb Kane, Karl Taro Greenfeld, Francine Volpe, Ashley M. Darnall, Adam Stein, Annie Julia Wyman, Joshua Kaplan, Arthur Phillips, Jen Silverman
Elenco: Ansel Elgort, Ken Watanabe, Rachel Keller, Rinko Kikuchi, Show Kasamatsu, Ayumi Ito, Ayumi Tanida, Miki Maya, Yōsuke Kubozuka, Shun Sugata, Takaki Uda, Kosuke Tanaka, Kazuya Tanabe, Yuka Itaya, Chisato Yamasaki, Kaho Yamasaki, Bokuzō Masana, Keita, Makiko Watanabe, Yohei Matsukado, Atomu Mizuishi, Takayuki Suzuki, Hyunri Lee, Ukyo Nakamura, Aoi Takeya, Tomohisa Yamashita, Hideaki Itō, Ella Rumpf, Masayoshi Haneda, Noémie Nakai, Jessica Hecht, Sarah Sawyer, Danny Burstein
Duração: 570 min. (10 episódios)

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