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Crítica | A Garota Desconhecida

por Luiz Santiago
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estrelas 3,5

O cinema íntimo, político e filosófico dos irmãos Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne parece ter a habilidade especial de gerar debates complexos sobre coisas do mundo contemporâneo, por mais (aparentemente) simples que esta coisa seja, como foi, por exemplo, o caso da temática do desemprego em Dois Dias, Uma Noite, isso só para citar o filme mais próximo que dirigiram antes deste A Garota Desconhecida (2016).

Ao colocar seus personagens em um caminho de tribulações, descobertas e luta, a dupla também coloca o espectador nessa jornada, fazendo do problema um meio para falar de impasses sociais, de comportamentos questionáveis de alguns indivíduos na tela e também sobre os mais diversos caminhos das relações humanas, com destaque para algum desejo ou crise que tenham impulsionado essa relação.

Em A Garota Desconhecida, vemos este amontoado narrativo em um cenário europeu onde a imigração é [tratada como] um problema sério, de Estado, para os países receptores desde pelo menos o início dos anos 2010. Uma garota gabonesa aparece morta quase em frente ao escritório da doutora Jenny Davin (Adèle Haenel, excelente no papel), que horas antes não tinha aberto a porta do consultório para a desconhecida, quando esta tocara o interfone. O motivo? O horário de expediente no consultório já havia acabado.

O roteiro dos Dardenne nos passa uma primeira impressão completamente diferente da protagonista. Sua determinação inabalável só conhecemos depois, quando, consumida pela culpa, Jenny fará de tudo — inclusive incomodar a polícia, traficantes e os pais de um de seus pacientes — para que a garota desconhecida não seja enterrada como indigente. Essa postura é também um princípio das muitas questões morais que o texto fará vir à tona aos poucos, tudo sempre girando em torno da necessidade da doutora em diminuir o peso de uma responsabilidade que acredita ser sua, o fato de que a garota não teria morrido se ela tive agido diferente.

Os componentes formais e estéticos do longa carregam as marcas frequentes dos filmes dos diretores. A fotografia é sempre muito clara, a direção de arte predominantemente simples e a trilha sonora utilizada apenas quando estritamente necessário. A constante passagem do mundo particular de Jenny para o mundo “lá fora” é a base da montagem do filme, que se apega ao contraste ético, guiado pela culpa. E claro, isso funciona de maneira notável a maior parte da película, já que ao longo da investigação, pistas, cúmplices e pessoas que têm muito para esconder são visitadas e mostram sua verdadeira face para Jenny, a quem acreditam ser covarde e intimidável.

O erro dos Dardenne no filme está na insistência em destacar os coadjuvantes em momentos essenciais de uma discussão, muitas vezes dando um viés artificial para esses indivíduos, como em três graves casos: o jovem estagiário, o pai de Bryan, e a irmã de uma das personagens do filme. Percebam que não faz muito sentido o peso que esses personagens ganham de repente, e principalmente o caminho que percorrem até ganharem essa importância. Ao invés de contribuírem para a construção do suspense metafísico explorado no roteiro, esses personagens desviam-se da linha principal ou deixam rastros sem que sejam bem explorado pelos diretores.

Quando alguém coloca a si mesmo em perigo para tentar inutilmente consertar algo que fez de errado, é porque há uma série de questões internas muito fortes movendo tais ações desesperadas. Quando essa expiação particular calha estar ligada, de maneira crítica, à crises sociais do momento, a mensagem pretendida pelo roteiro se torna ainda mais robusta. Este é o caminho que os Dardenne vêm seguindo ao longo dos anos e, mesmo quando não realizam um filme inesquecível, como é o caso deste A Garota Desconhecida, ao menos a discussão de suas consequências estão lá e são válidas. Basta olhar com atenção, julgar e escolher que caminhos você escolheria se estivesse em uma situação semelhante. Desse modo, o filme serve como um chamado à ação e à não omissão diante da injustiça, da corrupção e do crime, uma postura cada vez mais rara em uma sociedade onde denunciar o erro já parece ser a coisa errada a se fazer.

A Garota Desconhecida (La fille inconnue) — Bélgica, França, 2016
Direção: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Roteiro: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Elenco: Adèle Haenel, Olivier Bonnaud, Jérémie Renier, Louka Minnella, Christelle Cornil, Nadège Ouedraogo, Olivier Gourmet, Thomas Doret
Duração: 113 min.

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