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Crítica | Doctor Who: Evolução, de John Peel

por Rafael Lima
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Equipe: 4º Doutor, Sarah Jane.
Espaço: Dartmoor, Inglaterra.
Tempo: 1880

John Peel é um autor do universo expandido de DW que provoca emoções contraditórias. Seus livros têm um ritmo magnético e uma excelente construção de ambiente, mas o escritor possui uma prosa problemática, e muitas vezes falha na resolução de suas histórias. Após ler seus trabalhos nas linhas New Adventures e The Eighth Doctor Adventures, onde havia certa exigência por uma ousadia maior por parte dos escritores, resolvi insistir no trabalho de Peel e ver como ele se sairia com uma aventura mais tradicional, como as geralmente oferecidas pelas Missing Adventures.

Na trama de Evolução, o Quarto Doutor, atendendo um pedido de Sarah Jane, tenta levá-la à Índia, em 1895, para conhecer Rudyard Kipling, um dos heróis da moça no jornalismo e seu autor preferido. Como de hábito, a TARDIS não leva os viajantes para o destino indicado, materializando-se em 1880, nas charnecas de Dartmoor. O povoado inglês vem sendo acometido por uma série de eventos misteriosos, como o desaparecimento de crianças sem teto, a morte brutal de um velho pescador que teve o rosto dilacerado, roubos de cadáveres e o avistamento de uma criatura lupina que ronda as charnecas. O Doutor acredita que tudo está conectado e conta com a ajuda de Arthur Conan Doyle, médico do navio baleeiro que tenta se lançar como escritor. Ao mesmo tempo, Sarah conhece Kipling, mas não do jeito que ela esperava.

Evolução é a obra mais despretensiosa de Peel que li até então. Inspirado por A Ilha do Doutor Moreau e O Cão dos Baskerville, o livro se encaixa perfeitamente no contexto da 13ª Temporada da Série Clássica, que explorava histórias de atmosfera gótica. A ação da trama é quase contínua, mantendo o interesse do leitor enquanto o Doutor e Sarah Jane resolvem os mistérios apresentados pela narrativa percorrendo cenários evocativos, como as enevoadas charnecas britânicas, cemitérios sinistros, laboratórios macabros, entre outros. O mistério em si não chega a ser um destaque, pois pouco antes da metade da obra torna-se claro quem é o responsável pelos monstros que aterrorizam a região. Mesmo a natureza destes monstros é entregue ao leitor antes dos personagens descobri-la, devido a trechos narrados do ponto de vista destas criaturas, o que acaba sendo uma opção um pouco frustrante em uma história que tenta emular narrativas detetivescas.

Peel, em muitos momentos, tenta emular o estilo de Doyle, além de inserir diversos elementos de suas histórias. Desde o início de Doctor Who, percebia-se a influência que Sherlock Holmes teve na criação do Doutor, e Tom Baker foi o ator que mais se aproximou desta influência. A brincadeira proposta é mostrar que o encontro com o Quarto Doutor inspirou Doyle a criar o famoso detetive. Além da figura de um cão demoníaco, o livro apresenta uma série de elementos que aludem à obra de Conan Doyle. A própria dinâmica do Doutor com Sarah Jane e com o próprio Doyle reflete a relação entre Holmes e Watson. Além disso, Peel constrói o futuro escritor como um personagem muito carismático, em um momento em que ele já esta cansado de sua vida como cirurgião, e anseia pela vida de escritor, embora se mostre inseguro quanto a isso.

A outra figura histórica da obra, Rudyard Kipling, já não é tão bem servida como Doyle. Peel cria uma situação divertida, já que Sarah Jane encontra uma das pessoas que inspiraram a sua carreira, mas não como o homem que ela admira e sim como um rapaz mimado de quinze anos que fica encantado por ela e faz todas as coisas estúpidas que um garoto de quinze anos pode fazer. É engraçado, mas acaba se tornando uma piada esticada, já que o personagem quase não tem relevância para a trama (apesar de sua presença constante). Quanto ao time da TARDIS, o autor consegue captar as melhores características da dinâmica entre o 4º Doutor e Sarah Jane. A jornalista é especialmente bem escrita, tendo a maturidade que possuía em suas primeiras aparições ao lado do 3º Doutor, articulada com a persona mais leve que passou a ostentar a partir da era do 4º Doutor. O próprio Time Lord é bem retratado nas páginas, com sua personalidade errática bem estabelecida, embora Peel claramente perca o personagem em alguns pontos, como no trecho em que o Doutor ameaça quebrar todos os ossos de um homem, algo que decididamente não se encaixa com o Senhor do Tempo.

Apesar de ser muito divertido (especialmente para os fãs de Sherlock Holmes) não há como ignorar algumas falhas graves da obra. A prosa de Peel continua a soar grandiloquente e constrangedora em muitos momentos, como na passagem em que descreve os traços delicados da personagem Alice, que nas palavras do autor pareciam desenhados por um pintor renascentista no auge de seu talento. Os arcos dramáticos de alguns personagens também surgem mal construídos. A triste história da garota que se tornou a primeira criança a ser sequestrada pelos vilões e se tornou guardiã das demais tinha potencial dramático, mas acaba tendo apenas valor expositivo. A subtrama de Alice Fulbright, a jovem filha do nobre ranzinza que acolhe o Doutor e Sarah em seu solar é outra a sofrer de desenvolvimento fraco. Peel tenta desenvolver uma jornada de empoderamento para Alice, que influenciada por Sarah passaria a abandonar o papel de jovem submissa que cumpre as vontades do pai e do noivo, mas ele parece perder o interesse nisso ao longo da obra, lembrando-se desse plot apenas no epílogo, onde um pequeno texto diz o que houve com os principais personagens da história.

Mas o grande erro de Peel está no clímax, quando o Doutor e seus aliados confrontam o responsável por brincar com DNA humano em Dartmoor. É comum que em 95% das histórias da ficção o vilão perca a chance de matar o herói e concretizar os seus planos para exaltar a genialidade de seus esquemas, e estou disposto a aceitar isso na maioria das vezes. Mas o vilão de Evolução abusa da paciência do leitor ao dar uma verdadeira palestra para o Doutor sobre os seus planos, com direito a tour e tudo mais, o que soa completamente inverossímil, algo capaz de deixar qualquer vilão de James Bond com vergonha. Juro que fiquei esperando o momento em que o Senhor do Tempo iria perguntar “Mas como eu derroto você?“. Tal situação acaba sabotando o desfecho da história, tirando qualquer sensação de perigo ou urgência que poderia ter.

Evolução é um livro de leitura rápida e cumpre o seu principal objetivo de entreter durante a maior parte do tempo. A construção da ambientação é ótima, com momentos de ação e suspense muito bem conduzidos. A parceria entre o 4º Doutor e Arthur Conan Doyle e as referências à obra do autor são alguns dos pontos altos do romance. Além disso, o autor faz uso interessante do cânone da série, utilizando elementos pouco explorados como a guerra Sontaran-Rutan, mas sem com isso criar um elemento nichado, que só quem está familiarizado com este conflito vá entender. Por outro lado, justamente por ser uma história despretensiosa e simples, os defeitos de John Peel como escritor tornam-se mais evidentes. Ele tem boas ideias e consegue prender o leitor em suas histórias, mas em uma análise mais apurada, as falhas estruturais e da própria prosa de sua obra se revelam. Uma pena, pois Evolução tinha tudo pra ser um livro bem melhor do que de fato é.

Doctor Who: Evolução (Evolution)- Reino Unido. 15 de Setembro de 1994.
Virgin Missing Adventures # 2.
Autor: John Peel.
Publicação Original: Virgin Books.
256 Páginas.

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